Com
a devida licença poética, imaginemos a seguinte situação: Em meio à imensa
crise que envolve o Senado brasileiro, o filósofo Thomas Hobbes é convidado a
discursar na Casa de Ruy Barbosa, em
meio ao cenário turbulento e de descrédito que o Senado vive. Na direção dos
trabalhos o Presidente:
“Sob a proteção de Deus, declaro
aberta a mais uma sessão deste ano de 2009. Há oradores inscritos, mas como é
da ciência de todos, honra-nos neste dia a presença de Sir Thomas Hobbes, que atendeu gentilmente ao nosso convite para
discursar nesta Casa representativa dos Estados federados. Sir Thomas Hobbes é filósofo
e cientista político, autor de Leviatã (de
1641) e De Cive (de 1642), entre
outras obras. Seu pensamento político é indispensável a todos aqueles que
pretenderem enveredar nos meandros da Ciência Política.”
Hobbes na Tribuna:
“Senhores e senhoras Senadores deste Senado
brasileiro, antes de direcionar minha fala ao que me move a tribuna deste
parlamento, devo agradecer primeiramente ao convite do Senado para proferir
discurso neste plenário, também agradeço as palavras elogiosas a mim dirigidas.
Honra-me muito o convite de outra nação para expor – ainda que sucintamente –
minhas ideias e o que penso sobre o cenário atual porque passa a Casa
representativa dos estados federados desta Nação.
Os últimos acontecimentos na esfera política, de certo modo refletem o
que antes constatei em meus estudos. No entanto, estes acontecimentos
sobressaem-se ao que idealizei na minha concepção política. Parece-me que o
estado natural (
status naturalis), no
qual o homem vive sempre à espreita para empreender guerra contra o próximo,
sombreia esta Casa.
Homo homini lupus,
isso todos aqui sabem. Decerto, esse instinto selvagem e beligerante que
predomina no estágio primevo e natural em que vivem os indivíduos, tem-se feito
presente, também, aqui, ainda que à maneira política – o outro meio de
guerra civilizada.
Senhores Senadores e Senadoras, já é o início de um novo milênio, alguns
nem mais falam em modernidade, pois preferem o “pós-moderno”, para referir-se
aos tempos hodiernos. A civilização amadureceu e constituiu a política como
meio pacífico de conter os impulsos mais selvagens do ser humano; nesse sentido,
não se deve deixar que esses impulsos passionais prevaleçam sobre os membros
deste parlamento.
Paira nesta Casa, infelizmente, um instinto político selvagem. Isso é
paradoxal, uma vez que cada um dos que aqui representam os seus respectivos
Estados recebeu do povo o atributo da excelência. No entanto, quando aflora
esse instinto natural e bélico que há em cada homem e a paixão sobrepuja a
razão, instaura-se a guerra de todos contra todos - Bellum omnium contra
omnes. E
quando isso ocorre, toda a excelência confiada a vós, perde a razão de ser.
Assim, quando o Senado toma ares de arena, o povo – como faziam os Césares na
antiga Roma – declina o polegar para baixo, condenando-os, seja por qualquer
tipo de ato imoral ou suspeito que insurja de qualquer um de Vossas Excelências.
Que ninguém subestime o povo! O instinto natural deste pode condenar aqueles
que mancharam ou mancham suas vestes na imoralidade. Lembrem-se que o branco da
toga dos senadores romanos não era por acaso, a simbologia da pureza deve fazer
parte da vida do homem público. Uma pequena mácula é suficiente para que uma
vida seja estigmatizada.
Não se
justifica mais as ações de disputas selvagens que caracterizavam a
primitividade humana em priscas eras. Não vivemos em estado natural. Ao contrário
a civilização já nos impôs normas de convivências regradas pelo direito, e
pelas quais podemos viver. Abdicamos de nossos instintos para vivermos em segurança. Essa
foi a saída encontrada para que os homens não deixassem suas paixões ditar suas
intenções egoístas. Todos abdicaram de modo contratual para que uma força
controladora e coercitiva freasse o animus de cada sujeito. Eu
denominei essa força com poderes absolutos de Leviatã, ou seja, em minha
concepção – o Estado monárquico absoluto. No caso desta Nação, de regime
democrático, o povo é soberano. Portanto, todos devem estar subjugados ao povo.
Ou pelo menos deveria ser assim.
Entretanto, os últimos fatos
demonstram que o
status naturalis
tem-se verificado aqui neste Senado. Os “lobos” políticos querem se
autodevorar. Prefiro trabalhar a metáfora usando este animal. Fosse Maquiavel
que aqui estivesse nesta tribuna falaria, certamente, de raposas e leões, o que,
também, pareceria calhar bem às metáforas do autor de
O Príncipe, que não menos os Senadores conhecem
.
Pois bem. Muitos dizem: “infelizmente está acontecendo isto no cenário político
brasileiro!” Eu, porém, digo, que bom esteja acontecendo isso. Se estes
escândalos não viessem à tona, e ficassem escondidos à socapa em salas secretas
e ocultos pelas tramóias do poder, tudo ia parecer um mundo maravilhoso – tal
qual preconizado por Leibniz –, sem que ninguém percebesse ou tivesse a coragem
de apontar que o rei estava nu. Aliás, a bajulação e o cinismo são próprios
daqueles que querem sentar-se à mesa do rei, mesmo sem serem convidados. Desse
modo, estes preferem que os atos secretos do favorecimento permaneçam
sorrateiros e nas sombras. Desse modo, a prática dos votos secretos, salas secretas, tráfico de
influências, parecem velhas indumentárias para sacramentar o poder corrupto.
Que o poder pode corromper até os
homens mais probos, disso não se pode duvidar. Mas quando estes já são
propensos a corromper-se sem nenhuma vergonha pelos atrativos e seduções do
poder, o peso das ofertas às vezes nem tem peso de ouro, basta apenas um afago
e cortesias baratas. A corte precisa de cortesãos e bobos!
A crise por que passa esta Instituição
republicana é moral e política. Os costumes que vigoraram aqui desacreditam o
povo, que generaliza a todos não separando, amiúde, o joio do trigo. A
corrupção destrói todas as esperanças! Como
é estranho ter que elaborar leis para aniquilar o nepotismo, uma vez que por
essência já se sabe que tal prática é imoral. Mas parece-me que a ética é coisa
apenas restrita a filósofos. Políticos não precisam dela
. “Para que ética, se ela não me permite a
prática do nepotismo e do fisiologismo?!” – dirá assim o político
inescrupuloso, sem se importar em nada com a opinião do povo.
Por falar em ética, senhores Senadores, sei que nesta Casa há um Conselho
que trata de questões morais. Ao saber disso, indaguei a mim mesmo: “Será que
os que compõem tal Conselho são probos e íntegros? Será que os seus membros
estão com “ficha limpa”? “Será que os que o compõe são, realmente, éticos?” Creio
que se minhas indagações forem respondidas positivamente, poderemos sim falar
em Conselho de Ética. Por outro lado, se o momento em que vive este Senado for
o mesmo tipificado no estado natural,
“nada pode ser injusto. As noções de certo, de justiça e injustiça não tem
lugar aí [...]
”; desse
modo tudo pode ser feito: engavetar arquivos, homologar atos secretos, ter
relações espúrias com seres inidôneos e outras coisas que ferem o decoro, tudo
isso é normal dentro desse contexto em que a ética é menosprezada sem nenhum
comprometimento e satisfação que se possa dar ao povo. Alias, diga-se que antes de se formar um
conselho de ética, devemos formar o
Conselho
de Éticos (e isso vale para todos os demais órgãos)
. Será que teríamos quórum para isso? Nenhum Senador sob suspeita
ou tendencioso a salvar a pele de qualquer “lobo”, deveria assentar-se num
conselho, onde seu escopo é investigar o que é bom ou ruim, certo ou errado na
política. Por isso, excelentíssimos, um conselho desta magnitude deveria ser constituído
pelos homens mais confiáveis e irrepreensíveis. Aqueles que inspirariam
confiança ao povo, por serem eles próprios homens éticos. Não sendo assim, o
que temos é uma contradição absurda, onde as investigações morais não passarão
de uma liturgia do faz de conta, camuflada e desonrosa.
Por falar em ética, senhores Senadores, veio-me à memória o nome de um
filósofo posterior a mim. Ele escreveu em um opúsculo denominado
À Paz Perpétua, de 1795: “A Política
diz: ‘Sede astutos como serpentes’; a moral acrescenta (como condição
limitante): ‘e sem falsidade como as pombas’. Se ambas não podem subsistir
juntas em um mandamento, então há efetivamente um conflito da política com a
moral; devam, porém, ambas estar inteiramente unidas [...]”. Ora, porque estou
citando Kant aqui?! Seria mais oportuno citar Maquiavel.
Ainda mais ultrajante é ver alguns dos que aqui sobem nesta tribuna,
falarem de ética, de moralidade, quando – frequentemente – o discurso verborrágico
não se coaduna com a prática. A crise que se desdobrou ultimamente é tão
grande, quanto vergonhosa. Ameaças e chantagens, sem dúvidas, intimidam a
muitos. Mas, será que esse tipo de jogo sujo faz sentido? Isto é, será que os
que retrocederam ou estão na iminência de fazê-lo são também da mesma espécie?
Ou,
na verdade, as ameaças deixaram alguns silentes porque a intensidade da guerra
é tão grave que alguns – por prudência – resolveram não correr o risco de serem
agredidos fisicamente?
Qual será o fim disso tudo? De minha parte, vislumbro um fim que se delineia
para aplacar todos os fatos, isto é, não penaliza a quem justamente merece. A
corrupção dará um “golpe” nesta democracia (?), mas a História não perdoará
jamais aqueles que tripudiaram da indignação do povo, este por sua vez aprenderá
com os erros, e tal aprendizado lhe servirá de maturidade para escolher melhor
aqueles que legislarão.
Para concluir senhores Senadores, gostaria de citar em homenagem ao
“Senado de Ruy”, o próprio Senador Ruy Barbosa:
"A
falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos
males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso
descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação.
A sua
grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios,
os capitais.
A
injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor
os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a
semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na
fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a
venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as
suas formas.
De tanto
ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver
crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser
honesto."
É isso. Obrigado a
todos!”