sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Filosofia no Ensino Médio - O Ensino da Filosofia como Processo ou como Produto?

Por : Marcos Antônio Macêdo Muniz

Ensinar filosofia ou ensinar a filosofar correspondem a duas posturas pedagógicas diferentes: o ensino da filosofia como produto e o ensino da filosofia como processo. A primeira segue a linha da mera aprendizagem, através dos conteúdos já dados ou elaborados historicamente. A segunda se configura como aprender a pensar, equivalente a pensar criativamente, saber elaborar pensamento próprio.

O ensino da filosofia como produto se perfaz, classicamente, como o fazer pedagógico que orienta a aprendizagem para a apropriação dos conhecimentos já produzidos pelos filósofos no processo histórico-social. Portanto, conhecer, aprender significa denominar reprodutivamente, por parte dos alunos, a cultura filosófica acumulada nos livros; significa dizer de novo e na íntegra o que outros pensadores já disseram.

"A filosofia como resposta ou produto é identificada com a aquisição de um saber pronto, assimilado de maneira memorística e retórica: os alunos são induzidos à memorização de conceitos e doutrinas escritas pelos pensadores ao longo do tempo. A erudição filosófica é assumida como um fim em si mesmo. Encarado dessa forma, o ensino da filosofia se reduz à mera aquisição de um produto pronto e inquestionável." (Sousa 1995: p.8)

O ensino da filosofia como processo, tomado em separado da filosofia como produto, orienta-se para a aquisição de uma aprendizagem habilidosa da arte do saber pensar. A atitude filosofante, ao contrário da aquisição de conhecimentos prontos e acabados, orienta-se pela construtividade, pela indagação problematizadora diante da realidade que se apresenta. Nessa vertente, o que se pretende em relação ao aluno é que sua formação se faça através do desenvolvimento de sua capacidade reflexiva e criadora, ou seja, a capacidade de construir processualmente o novo a partir de si mesmo.

"Tal abordagem da filosofia apresenta-a como uma disciplina que coloca o ato do filosofar, de questionar e de retomar questões abandonadas ou dadas como resolvidas acima da própria filosofia como teoria. O importante não é conhecer as respostas que outros deram, mas tentar alcançar, através da questão posta por eles, uma nova resposta. Esta, por sua vez, abrirá o caminho a novas questões." (Sousa 1995: p.8)

Dessa forma, o ensino da filosofia como produto apresenta sua característica fundamental: a de assimilação e reprodução das idéias já consolidadas; equivale e circunscreve-se no seio da Pedagogia Tradicional. Já o ensino como processo, cuja característica central é a do espírito criativo, equivale e identifica-se com a pedagogia da Escola Nova.

Dermeval Saviani, em sua obra Escola e Democracia (1999: p. 17) classifica as pedagogias em "teorias não-críticas" e "teorias crítico-reprodutivistas". A Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Escola Nova e a Pedagogia Tecnicista perfazem o grupo denominado de "teorias não-críticas"; a teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica, a teoria da escola como aparelho Ideológico de Estado e a teoria da escola dualista compõem o grupo das "teorias crítico-reprodutivistas".

O ensino da filosofia como produto por um lado e como processo de outro enquadram-se categoricamente no grupo das teorias não-críticas, mais especificamente como Pedagogia Tradicional (ensino como produto) e Pedagogia Nova (ensino como processo).

Saviani (1999: p. 18) mostra que a função da pedagogia tradicional

"...é difundir a instrução, transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. O mestre-escola será o artífice dessa grande obra. A escola se organiza, pois, como uma agência centrada no professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos."

Portanto, o ensino da filosofia como produto estaria a serviço da mera transmissão-assimilação dos conteúdos, aprendizagem repetitiva, memorista, abstrata e desvinculada das relações sociais concretas, logo de caráter elitista, descompromissada das reais condições históricas, sociais e humanas e contrária ao espírito crítico.

Saviani assinala ainda que para a Pedagogia da Escola Nova "...o importante não é aprender, mas aprender a aprender". Desta forma os conteúdos já produzidos seriam relegados, pois a aprendizagem é construída a partir das motivações dos alunos e de suas experiências vividas, neste caso

"o professor agiria como estimulador e orientador da aprendizagem cuja a iniciativa principal caberia aos próprios alunos. Tal aprendizagem seria uma decorrência espontânea do ambiente estimulante e da relação viva que se estabeleceria entre os alunos e entre estes e o professor." (Saviani 1999: p. 21)

O escola-novismo, afinal, é uma tendência pedagógica que, fundada na espontaneidade da aprendizagem, subtrai a história, desvincula o presente do passado, esvazia o significado da construção acumulada dos conhecimentos e experiências humanas, reduz sobremaneira o papel do professor, além de ocultar, por trás de uma pretensa formação crítica, as desigualdades sociais e as oportunidades inviáveis dos menos favorecidos, camada oprimida da sociedade, que não tem acesso à cultura sistematizada e informações mais qualificadas devido às diversidades do meio e das condições em que se encontram inserida.

De um lado, o ensino da filosofia simplesmente como produto que se perfaz pela "transmissão e assimilação do saber sistematizado" e que se configura como perene ou mais propriamente como o "clássico" (Saviani 1997: p. 23) não é suficiente para melhor educação, justamente por desenvolver nos alunos somente a capacidade de reter os conteúdos filosóficos já elaborados pela tradição de forma abstrata e mecânica - como saber em si, desvinculado dos contextos de sua origem e dos contextos atuais, cujas lições não contribuem para o desenvolvimento do saber crítico-reflexivo ou do saber pensar melhor, atitude denominada de filosofar.

Por outro lado, o ensino da filosofia como processo, cujo objetivo é proporcionar o saber pensar aos alunos, também não é suficiente na medida em que este despreza o saber já constituído, concentrando seu esforço apenas no desenvolvimento da criatividade. Saviani (1997: p. 23-24) adverte que, "... é preciso entender que o automatismo é condição da liberdade e que não é possível ser criativo sem dominar determinados mecanismos". Portanto, para que seja desenvolvida a criatividade, é lógico que o ponto de partida seja o já estabelecido, o já dado ou construído. Não é possível do nada ou do meramente empírico realizar o novo. O novo só surge em função do antigo, pois sua condição necessária é emergir das reflexões sobre o herdado, afinal o conhecimento é um processo de construção histórica. Desvalorizar na escola os conteúdos já construídos é negar a História, é negar o passado, enfim, é negar o ponto de partida e não partir de ponto algum, e isso significa a inviabilidade da própria criatividade.

O ensino que se encaminha pelo simples repasse do já conhecido se reduz à repetição não refletida. E o ensino que se baseia na construtividade da atividade reflexiva, independente das bases sólidas epistemológicas já existentes, funda uma impossibilidade, uma ilusão. Não é possível gerar novidade fora dos referenciais já dados pois a novidade, como o próprio nome já indica, só pode ser estabelecida pelo velho, condição de sua origem.

Desse modo, é necessário conciliar numa síntese o ensino da filosofia como produto e como processo. Como produto o ensino-aprendizagem se desenvolve na absorção das filosofias já elaboradas. Como processo, o ensino da filosofia, a partir do produto, passa a se consolidar como reflexão do já elaborado em relação ao já vivenciado (experiências de vida) num percurso dinâmico, promovedor do filosofar ou da postura do saber pensar melhor. Sobre este assunto assim se refere Sousa (1995: p.10): "Assim, o educador de hoje tem diante de si um grande desafio: conciliar ambas as posturas. Ou seja, compete a ele se apropriar desse processo da reflexão filosófica mediado pelo produto da tradição filosófica."

O filósofo Karl Marx (1987: p.163), em sua XI tese sobre Fuerbach, escreve: "os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe agora transformá-lo". Esta assertiva de forma alguma despreza o caráter teórico do pensamento, todavia demonstra que o saber analítico, puro e simplesmente, não tem sentido completo, pois não alcança sua efetivação prático-transformadora. A análise pela análise, a simples tentativa de compreensão da realidade sem inserção prática, não passa de contemplação, postura passiva e abstrata sobre os fenômenos do mundo. O saber só tem sentido na perspectiva teórico-prática (práxis). É somente através dessa unidade dialética que o conhecimento adquire seu verdadeiro estatuto, do contrário sua produção perde em importância e sentido, uma vez que não aponta para um fim concreto e transformador a ser atingido e tampouco estabelece os métodos possibilitadores do alcance desse fim.

"A filosofia, ..., não é apenas um instrumento para a compreensão do mundo e interpretação dos seus fenômenos. É também um instrumento de ação a arma política e, como tal, tem sido utilizada, em todos os tempos, consciente e inconscientemente." (Basbaum apud Luckesi 1994: p.27)

A síntese do ensino como produto e processo, respectivamente pedagogia da essência e da existência, encontra-se para além das referidas modalidades educativas. Trata-se da pedagogia "Histórico-Crítica" que, longe de expurgar as orientações pedagógicas anteriores, assimila para dentro de sua sistemática suas qualidades e diferenças, na unidade dialética que supera cada uma em suas limitações e reaproveita seus alcances. Sobre essa questão afirma Saviani:

"A pedagogia revolucionária situa-se, pois, além das pedagogias da essência e da existência. Supera-as, incorporando suas críticas recíprocas numa proposta radicalmente nova. O cerne dessa novidade radical consiste na superação da crença seja na autonomia, seja na dependência absolutas da educação em face das condições sociais vigentes." (Saviani 1999: p.75-76)

O caráter emancipatório e revolucionário da pedagogia "Histórico-Crítica" encontra sua sustentação nas condições reais do movimento social. Parte, portanto, das condições concretas da realidade histórica de sua produção material e não-material. Dessa forma reconhece a escola e mais nuclearmente o ensino como determinação das estruturas vigentes da sociedade e se dirige a todos os homens, de igual modo, como indivíduos comunitários condicionados. Todavia, tanto a escola como o ensino e os próprios homens não se encontram estabelecidos por determinações absolutas das relações de produções hegemônicas do ser social, pois os homens, longe de serem meros reflexos do sistema imperante, são sujeitos ativos e pensantes, são autores da dinâmica que dialeticamente alteram o curso das coisas em nome de um fim que é o próprio homem como sujeito para si.

Portanto a escola, reduto educacional dos homens, apresenta de igual maneira as possibilidades, em potência, para gestar no processo educativo as contribuições necessárias às transformações da vida. Neste caso, não qualquer transformação mas somente aquela que supere as condições de desigualdades profundas e que reconcilie os homens entre si, consigo mesmos e com toda a natureza. Só esse pode ser o projeto verdadeiro de todo fazer educativo que se quer crítico-revolucionário. Sobre essa condição revolucionária da pedagogia Histórico-Crítica Saviani escreve:

"A pedagogia revolucionária é crítica. E por ser crítica, sabe-se condicionada. Longe de entender a educação como determinante principal das transformações sociais, reconhece ser ela elemento secundário e determinado. Entretanto, longe de pensar, como faz a concepção crítico-reprodutivista que a educação é determinada unidirecionalmente pela estrutura social dissolvendo-se a sua especificidade, entende que a educação se relaciona dialeticamente com a sociedade. Nesse sentido, ainda que elemento determinado, não deixa de influenciar o elemento determinante. Ainda que secundário, nem por isso deixa de ser instrumento importante e por vezes decisivo no processo de transformação da sociedade". (Saviani 1999: p.75)

Por isso, cabe situar então o ensino da filosofia como articulação entre "produto e processo". Neste caso, a orientação pedagógica de seu ensino se daria pela corrente Histórico-Crítica, por ser essa vertente educativa a que melhor possa efetivá-lo, como estudos dos debates filosóficos ocorridos e ocorrentes na tradição histórica. Aprender ou se apropriar da filosofia é condição para o filosofar. Portanto, é a partir do entendimento das idéias que a reflexão crítica e a atividade criadora poderão desenvolver-se nos alunos, formando-os como sujeitos competentes e comprometidos com seus semelhantes na construção de uma sociedade livre dos grilhões opressores que têm fundamentado as sociedades divididas em classes.

É dentro dessa perspectiva que o ensino da filosofia, também para os jovens alunos, pode delinear-se como uma nova forma de construir o fazer educativo capaz de desenvolver o senso crítico-reflexivo e libertador, na medida em que suas bases antropológicas tomam o "homem como ser integral" e todos os homens como fim do processo educativo. Decorrendo desta propositura, o desenvolvimento de sua ação pedagógica tende a contribuir significativamente, no conjunto com outros saberes, para a compreensão e superação das alienações sociais que tanto têm dilacerado a vivência social e individual dos homens. Então o fazer educativo deve dirigir-se, em seu conjunto, para plenificar os homens em todas as suas potencialidades, no sentido de instaurar o homem novo, livre, porque reintegrado consigo mesmo, com os outros homens e com a natureza num estágio emancipado e emancipatório, deixando para trás as mazelas que têm determinado o "homem como lobo do homem".

Portanto, é na interseção deste fazer educativo plurinterdisciplinar que o ensino da filosofia poderá ressignificar-se para desempenhar a sua tarefa e atingir os seus fins. É no bojo inter-subjetivo e inter-objetivo dos vários saberes disciplinares e experiências estudantis que sua função poderá dilatar-se e aprofundar-se, elevando os jovens ao nível dos domínios do saber sistematizados numa dimensão crítico-reflexiva-transformadora.

Mas se o ensino da filosofia se difere dos outros saberes e, levando em conta que a formação crítico-reflexiva-transformadora sobre a realidade é também tarefa das ciências e das artes, qual a importância da educação filosófica para os jovens? Se a filosofia tem ao longo dos tempos se constituído como saber de poucos e geralmente tomada como exercício acadêmico, sua aquisição estará ao alcance da juventude? O quê ensinar ? Como ensinar e quem deve ensinar filosofia?

A importância do saber ou do ensino da filosofia para os jovens tem sua partida na compreensão de que o conhecimento filosófico é diferente tanto do senso comum como do religioso e científico. O saber filosófico não se confunde com o do senso comum - saber parcial e fragmentado do cotidiano, com o saber religioso - conhecimento sobre Deus, baseado na fé mística e nem com o científico - saber específico sobre fenômenos da realidade. O conhecimento filosófico tem a totalidade na sua mira e toma os problemas do real em suas diversas articulações interdependentes, numa visão "radical, rigorosa e de conjunto" (Saviani 1980: p.27) permeada pela criticidade ontológica (ser), axiológica (valer) e epistemológica (conhecer), tríplice dimensão de sua razão de ser.

"A filosofia é uma ordem intelectual, o que nem a religião nem o senso comum podem ser, (...) A filosofia é a crítica e a superação da religião e do senso comum e, neste sentido, coincide com o ‘bom-senso’, que se contrapõe ao senso comum". (Gramsci apud Silveira, 2000: p.130)

Assim, o ensino da filosofia tem a função de elevar os jovens alunos do nível do senso comum, aparente e parcial, para o da reflexão mais profunda e essencial; do nível religioso, que não raras vezes aliena os homens numa dimensão supra-terrena, deslocada dos fazeres da vida concreta, para a práxis; e enfim, ampliar os horizontes do conhecimento científico positivista e particularista para uma visão globalizante e dialética do mundo. É através desse esclarecimento que poderá despertar nos jovens uma atitude e consciência adiantada, capaz de tomar posições críticas diante das armadilhas ideológicas e ideologizantes mais perversas das idéias dominantes.

"Tal atitude colaboraria no processo de propiciar às classes subalternas as condições objetivas e subjetivas necessárias à produção de uma nova visão de mundo, para além daquela que lhes é imposta externamente e que colabora para sedimentar a hegemonia da classe no poder, isto é, superando, principalmente o senso comum" (grifo nosso) (Martins apud Gallo e Kohan 2000: p.108)

A aquisição do saber filosófico, ao longo da trajetória humana, solidificou-se como sendo de alcance de uma pequena elite intelectual. Desde sua origem, entre os gregos, essa ciência era compartilhada apenas entre os homens livres (cidadãos da Pólis). Tal concepção, de modo mais geral, atravessou a história e foi acolhida por muitos pensadores e se tornou com o tempo quase unânime no seio da tradição.

Essa convicção não tem sentido, pois os homens são seres que pensam. De acordo com Gramsci (1995: p.11) "todos os homens são filósofos". De uma forma ou de outra, os seres humanos se põem a filosofar (ainda que em nível empírico) sempre que questionam e discutem os seus problemas; todas as vezes que se orientam por alguma visão de mundo e estabelecem regras do viver em sociedade. Esse é o sinal de que a filosofia é própria de todos os homens e não de uma minoria restrita. Entretanto, a atitude do "filosofar" para a grande maioria se encontra ainda em nível ordinário, como conhecimento ingênuo e imediato. "Deve-se destruir o preconceito, muito difundido, de que filosofia seja algo difícil pelo fato de ser atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos." (Gramsci apud Luckesi, 1994: p. 11)

O ensino da filosofia dirigido a todos os homens traz a grande possibilidade, para os excluídos, de aprender a pensar refletidamente, o que equivale a transpor o nível da doxa (senso comum) rumo à episteme (filosofia), competência esclarecida da realidade histórica, dos acontecimentos e das situações simples e complexas que se apresentam nas mais diversas instâncias do viver.

Em virtude disso, o ensino da filosofia aos jovens secundaristas encontra terra firme, embora muitas vezes, tolhidos de reflexões pela prática educativa tradicional e autoritária, esses alunos são em potencial, se não futuros filósofos profissionais pelo menos cidadãos conscientes capazes de refletir criticamente sobre os problemas que se alternam na vida, tomando posições no sentido de desvelar velhas certezas, antigos e novos preconceitos e poderosas mistificações ideológicas geradas para confundir e manter a velatura dos antagonismos sociais, das injustiças dissimuladas e das privações anti-humanistas.

Todavia, essa emancipação dos alunos só poderá efetivamente dar-se na escola através da transmissão-assimilação dos conteúdos sistematicamente elaborados. A existência da escola não tem outra explicação a não ser a de propiciar essencialmente (em 1º lugar) aos homens o acervo cultural e intelectual que estes historicamente construíram cientificamente. É esse o ponto de partida da aprendizagem e é a partir desse referencial que se torna possível a confecção de formas e procedimentos necessários para a melhor aquisição do fim a ser alcançado.

"Ora, clássico na escola é a transmissão-assimilação do saber sistematizado. Este é o fim a atingir. É ai que cabe encontrar a fonte natural para elaborar os métodos e as formas de organização do conjunto das atividades da escola,..." (Saviani 1997: p.23)

Não se trata aqui somente de aprender o conhecimento filosófico já construído e sistematizado (saber como produto), mas apenas de tomá-lo como a base necessária para reais possibilidades da reflexão criativa ou filosófica (saber como processo), aspecto importante e complementar do ensino ativo. Essa relação ultrapassa a dicotomia entre o saber como produto e o saber como processo, pois os conteúdos apreendidos automaticamente não têm sentido, e a criatividade construída sem a apropriação dos conteúdos não passa de saber rudimentar (senso comum), o que impediria a classe dominada de emancipar-se das meras opiniões sobre a realidade e consequentemente das reais condições de desigualdades sociais.

"Ora, é sobre a base da questão da socialização dos meios de produção que consideramos fundamental a socialização do saber elaborado. Isso porque o saber produzido socialmente é uma força produtiva, é um meio de produção. Na sociedade capitalista, a tendência é torná-lo propriedade exclusiva da classe dominante." (Saviani 1997: p. 90)

Desse modo, o ensino de filosofia tem a grande missão de propiciar, principalmente aos jovens, a oportunidade de refletir sobre os grandes temas filosóficos sem perder suas essencialidades históricas que a produziram e da mesma forma as vicissitudes e acontecimentos do tempo presente com seus grandes desafios. Portanto, apropriar-se da filosofia e filosofar são duas polaridades associadas que permitirão aos alunos a formação de uma atitude crítica frente ao mundo, condição de superação da atitude subalterna aos interesses burgueses.

Tal perspectiva não quer de modo algum reduzir a filosofia como produção intelectual de uma classe, como se sua produção e ensino fosse naturalmente saber apenas de uma parte dos homens e ao seu serviço. Não, a filosofia é um saber dos homens em geral e para todos os homens, todavia, assim como as classes dominantes se apropriaram e se apropriam deste saber para fazer prevalecer suas representações de mundo sobre os demais, da mesma forma o seguimento dominado da sociedade deve tê-la como conhecimento capaz de contribuir para a sua libertação, tendo em vista já não mais reproduzir as condições de desigualdades, mas fundar uma vida justa para todos e plena de sentido, para além dos antagonismos de classe e suas relações de opressão.

As possibilidades da filosofia como saber libertador, como ensino crítico-reflexivo podem expressar-se através do que-fazer pedagógico, na atuação do professor na sala de aula. Na medida em que o professor é o mediador entre a cultura e o aluno, o ensino se processa sobre um modelo ou orientação pedagógica onde aquele estiver situado. Se a postura do professor for reflexo da ideologia dominante, seu trabalho seguirá, consciente ou inconscientemente, as orientações de uma pedagogia dominante; se sua postura, ao contrário, for reflexo de uma ação competente e ao mesmo tempo crítico-reflexiva, sua atuação se orientará numa perspectiva transformadora aliada, portanto, aos interesses das classes dominadas.

Compreende-se assim que não existe ensino neutro ou imparcial. O ensino tem seu pressupostos fundamentais numa visão de mundo e de homem que orientam a prática educativa na escola. A escola tem sido espaço mais freqüentemente da reprodução de um ensino conservador e alienador que interessa às ideologias vigentes. Mas, por outro lado, o professor consciente de suas tarefas para com a emancipação humana poderá aproveitar esse mesmo espaço como reflexo e construção de uma visão de mundo que liberte os seus alunos das representações de mundo que lhes são impostas.

A trajetória da filosofia no ensino médio brasileiro, desde os tempos coloniais até a atualidade, deu-se hegemonicamente como produto (Pedagogia Tradicional) processada na origem através do programa jesuítico da "Rátio Studiorium", herança, salvaguardadas as diferenças, no mínimo metodologicamente que permanece orientando os estudos nas escolas secundárias em pleno final do século XX.

Este procedimento, de mero repasse dos conteúdos e absolutização do conhecimento em si, trabalhados de forma abstrata e memorista, tem impedido profundamente o processamento de uma formação autêntica, crítica e autônoma nos alunos dos cursos médios, desfavorecendo a construção de sua cidadania e do seu ser filosófico. Sobre tal problema, assim fala Martins (apud Gallo e Kohan 2000: p.98):

"Revendo os caminhos do Ensino Médio Nacional pode-se perceber que a concepção de filosofia nele difundida predominantemente foi a de um saber abstrato e, em conseqüência, elitista, um saber ("pensar") desvinculado do conflito que caracteriza a existência humana ("ser"). Tal procedimento colaborou para a manutenção das massas trabalhadoras na submissão intelectual e moral, uma vez que afastadas das tarefas teórico-práticas capazes de libertá-las".

Frente a esse problema, que historicamente cristalizou-se como prática educativa nos cursos médios brasileiros, faz-se necessário e importante buscar uma redefinição do ensino da filosofia para os jovens que ultrapasse o estilo conteudista e elitista de que tem sido vítima, para uma aprendizagem rica de conhecimentos ativos e prazerosos, através da qual professor e aluno possam repensar tanto suas práticas como as situações-problema da realidade, numa perspectiva crítico-reflexiva e transformadora do mundo.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. História da Educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.

DEMO, Pedro. Desafios Modernos da Educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

FLEURI, Reinaldo M. Educar para que? Contra o autoritarismo da relação pedagógica. 9. ed. São Paulo: Cortez, 1997.

GALLO, Silvio & KOHAN, Walter Omar (orgs.). Filosofia no Ensino Médio. Petrópolis: Vozes, 2000.

HAIDT, Regina Célia Cazaux. Curso de Didática Geral. 6. ed. São Paulo: Ática, 1999 (Série Educação).

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 13. ed. São Paulo: Loyola, 1995. (Coleção Educar 1).

______________ Didática. São Paulo: Cortez, 1994. (Coleção Magistério 2º grau).

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.

MACIEL, Carlos F. Um Estudo – Pesquisa sobre o Ensino Secundário da Filosofia. Recife: MEC/INEP, 1959

MANACORDA, Mário Alighiero. O Princípio Educativo em Gramsci. Tradução por William Lagos Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

______________ Marx e a Pedagogia Moderna,. tradução por Newton Ramos-de- Oliveira. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1991

MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos e outros textos escolhidos; seleção de textos de José Arthur Giannotti; traduções de José Carlos Bruni et al.. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Coleção os Pensadores).

PILLETI, Cláudio, PILLETI, Nelson. Filosofia e História da Educação. 2. ed. São Paulo: Ática, 1985.

RIBEIRO, Álvaro, KOHAN, Waletr Omar, LEAL, Bernardina (Orgs.) Filosofia na Escola Pública. Petrópolis: Vozes, 2000.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

SAVIANI, Dermeval. A Nova Lei da Educação: L.D.B. trajetória, limites e perspectivas. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 1998.

Escola e Democracia. Campinas, SP, Autores Associados, 1999.

Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 6. ed. Campinas, SP, Autores Associados, 1977. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo)

SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1994.

SILVEIRA, René José Trentin. Um Sentido para o ensino de Filosofia no Nível Médio. In: GALLO, Silvio, KOHAN, Walter Omar (orgs.). Filosofia no Ensino Médio. Petrópolis: Vozes, 2000.

SOUZA, Sônia Maria R. Por que Filosofia – uma abordagem histórico-dialética do ensino da Filosofia no 2º grau. São Paulo: U.S.P., 1992.

Um Outro Olhar. São Paulo: F.T.D., 1995.

Marcos Antônio Macêdo Muniz é Prof. Ms.C do CEFET-MA (DHS) e da UFMA (DEFIL).

Fonte: http://br.geocities.com/maeutikos/filosofia/filosofia_ensinomedio.htm

2 comentários:

Carlos Albuquerque disse...

Boa tarde!
Cheguei aqui via "bichocarpinteiro" (Austeriana). Viajei por estas propostas de reflexão filosófica. Parei no post "Filosofar é perguntar sobre a Vida". Porque gostei vou voltar. Fico, para já, como seu seguidor. Se quiser juntar-se aos meus honrar-me-á.
Um abraço deste lado do mar e bom fds

Marise von disse...

Carlos,

Agradeço a visita e por ficar. A internet é fantástica, podemos navegar por terras distantes,
sem limites, bastar querer navegar e conhecer.
Já passei no seu blog e estou seguindo.
Abraços,
Marise.

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