Este artigo se inicia com uma história verídica, ocorrida há alguns anos em um complexo tenístico da Flórida, nos Estados Unidos. Era um clube com inúmeras quadras e ali estava sendo disputado um torneio amador em que, por atraso dos jogos, dois tenistas ficaram disputando uma partida até a madrugada, quando não havia mais ninguém no clube, à exceção dos dois jogadores e do árbitro geral, que estava aguardando o resultado na casa da arbitragem, situada bem distante da quadra da disputa. Terminado o jogo, os dois jogadores se dirigiram ao árbitro para comunicar o resultado. Perguntou o árbitro: “Quem ganhou?”. Respondeu um dos jogadores: “Fui eu”, ao que o outro falou: “Não, fui eu”. Como não havia testemunhas, o jogo teve de ser repetido no outro dia, dessa vez com assistência atenta. No fato em questão, obviamente, um estava falando a verdade e o outro era um tremendo cara de pau, mentindo com toda a convicção, aliás, comme Il faut, segundo os especialistas. Todos os dias, jornais, revistas e redes de televisão nos bombardeiam com esse contraditório. Ora, para o cidadão comum, como pode haver duas verdades, completamente antagônicas sobre o mesmo fato? O recente episódio envolvendo a ministra-chefe da Casa Civil e a ex-secretária da Receita Federal é um exemplo clássico dessas atitudes. Uma está falando a verdade, a outra não. As duas versões prevalecerão até que se encontrem provas de uma ou de outra e, mesmo assim, essas provas poderão ser contestadas conforme sua consistência. Por que as coisas são assim? Quando crianças, aprendemos que existe o certo e o errado, a verdade e a mentira, o mocinho e o bandido, que o bem prevalecerá, mas quando crescemos e “amadurecemos” nos damos conta de que não é bem assim. A ideia de que “a mentira é um componente histórico da política e instrumento de trabalho de seus agentes” é, no mínimo, polêmica, visto que na maioria das vezes essa atitude favorece o mentiroso e não sua audiência. A verdade é relativizada para servir às finalidades de quem as divulga. Nada tão grosseiro como o poste que bate no carro, mas adaptações dos fatos para servir aos interesses individuais ou coletivos. O fato em si deixa de ser importante, o que vale é a adequação do mesmo através de versões que, dependendo de como são divulgadas, poderão prevalecer permanentemente. Exemplo disso, em tom de blague, é outra história, também verídica, de um famoso criminalista de Porto Alegre que, ao receber um cliente apavorado porque tinha matado uma pessoa, lhe disse: “Um momentinho, dizem que o senhor matou alguém”. É a chamada teoria da meia garrafa, que pode ser interpretada como meio cheia ou meio vazia. E nós, então, humildes mortais, como ficamos? Cada um preso às suas convicções, procurando analisar os fatos de maneira o mais isenta possível e torcendo para que os mocinhos ganhem no final.
*Médico e professor universitário
Fonte: Jornal zero Hora - Nº 16069 - 21 de Agosto de 2009.
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