domingo, 9 de agosto de 2009

Uma belíssima crônica do escritor Moacyr Scliar para os pais.

Aos pais, no seu dia

Certos homens não estão preparados para serem pais. A paternidade é um susto. É por isso que os apavorados dão no pé

Quem certamente não estará celebrando o Dia dos Pais é Joe Jackson. Primeiro, porque perdeu o filho; e segundo porque, de acordo com os relatos do próprio Michael Jackson, Joe estava longe de ser o pai ideal, um homem carreirista, ambicioso, egoísta, que aproveitou até a projeção que a mídia lhe deu nas últimas semanas para massagear o próprio ego e para se autopromover. Não é um caso único. Hermann Kafka, a julgar pela Carta ao Pai, humilhava constantemente o filho Franz; e o pai de Luiz Gama, mulato e grande abolicionista brasileiro, vendeu como escravo o próprio filho, quando este era criança, em busca de grana para sustentar o vício do jogo. Há uma expressão para designar este tipo de homem: é o pai desnaturado. O adjetivo supõe que, por natureza, todos nós ansiamos pela paternidade, o que, considerando o instinto que nos leva a preservar a espécie, é verdade. Mas não somos apenas instinto. Somos também o resultado de injunções psicológicas e culturais, associadas ao fato de que o homem, diferente da mulher grávida, pode gerar um filho e sumir. E não são poucos aqueles que somem, seja pelo afastamento físico, seja pelo distanciamento psicológico.

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Por que isso acontece? A explicação mais simples é de que certos homens não estão preparados para serem pais. De fato, a paternidade é um susto. De repente, temos diante de nós um bebê que chora, às vezes pelos motivos mais inexplicáveis, que precisa ser alimentado, banhado, vestido; que, de súbito, ficará doente; que representará gastos não pequenos. Esta é a explicação até certo ponto racional, ainda que cruel. Mas o pai dito desnaturado não é só isso. No fundo, ele é também uma criança, alguém que não amadureceu, que não ficou adulto. O filho é para ele não uma continuidade, é um rival – junto à mãe ou junto à vida. São homens que precisam, eles próprios, ser protegidos, que nunca assumirão a sua condição de adultos. E é por isso que, apavorados, dão no pé.

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A gente fica pensando como deve se sentir um homem assim no Dia dos Pais. Esse homem sabe que tem um filho, ou mais do que um, mas não sabe o que foi feito desse filho, nem sabe sequer se ainda existe. Ali está ele, vendo os anúncios, vendo pais e filhos passarem pela rua, abraçados. Imaginem que pavoroso vazio se cria nesse homem. Imaginem o tormento pelo qual passa, tormento que bebida alguma, que sexo algum, que jogatina alguma aliviará. Diante do tribunal interior que todos temos diante de nós, este homem está irremediavelmente condenado. Se pudesse pedir a Deus alguma coisa, certamente seria uma mãozinha de criança segurando a sua mão de (agora, sim) homem. Este era o presente que o pai frustrado gostaria de receber. Que mais? Ah, sim, Beto Scliar: não precisas me dar nada neste fim de semana. Tu és o melhor presente de Dia dos Pais que eu poderia ter almejado.

Fonte: Jornal zero Hora - nº16057 - 9 de Agosto de 2007

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