sábado, 16 de janeiro de 2010

A esquerda em armas, por Percival Puggina*


O que está se tornando senso comum sobre o período da nossa história que vai de 1964 a 1985 tem a profundidade de um pires. É sobre esse recipiente que alguns buscam, agora, instituir a tal Comissão Nacional da Verdade. Cuidado, porém: a principal realização de sua antecessora, a ainda hoje fervilhante Comissão de Anistia, concretizou o sonho dos alquimistas. As milionárias indenizações que concede transformaram os pesados “Anos de Chumbo” em festejados Anos de Ouro.

Não creia que toda objeção à tal Comissão da Verdade seja uma defesa da amnésia. Não há o menor perigo de que isso ocorra. A esquerda ocupou todo o material didático nacional, produziu dezenas de filmes e livros, instruiu e doutrinou quase todos os professores e jornalistas com a sua “verdade”. Assim, tudo quanto se lê e se ouve a respeito ensina que as elites nacionais, belo dia, por pura perversidade, resolveram incumbir as Forças Armadas de perseguir, prender e martirizar os intrépidos defensores da democracia e dos oprimidos. Patacoada! Aqueles anos loucos não podem ser compreendidos se desconsiderarmos a Guerra Fria e o movimento comunista, que, digamos assim, se espraiava usando a luta armada para instituir “ditaduras do proletariado”. Foi um jogo mundial, de vida ou morte, entre democracia e totalitarismo, cujas cartas já estavam na mesa quando Stalin, em Yalta, sentou-se ao lado de Churchill e Roosevelt compondo o trio vitorioso na guerra (1945).

Nas duas décadas seguintes, o comunismo fez dezenas de milhões de vítimas. Houve a vitória de Mao na China (1949), o ataque comunista à Coreia do Sul (1950), a sangrenta transformação de diversos países europeus em “Repúblicas populares”, a invasão do Tibete (1950), a divisão do Vietnã (1954), o Pacto de Varsóvia (1954), a vitória de Fidel (1959), a construção do muro em Berlim (1961), a Guerra do Vietnã (1961), o envio de mísseis soviéticos para Cuba (1962), o fracasso da resistência húngara e da Primavera de Praga (1956 e 1968) e a revolta dos universitários franceses (1968). Chega? Não. Tem muito mais. Embora me falte espaço, ainda é imprescindível referir a exportação de guerrilhas e revoluções comunistas para dezenas de nações recém-nascidas no continente africano. E, é claro, a infiltração no nosso subcontinente, sob o patrocínio de Cuba, Rússia e China.

A esquerda em armas jamais instituiu uma democracia! Nunca, em lugar algum. No Brasil, ela ridicularizava os que persistiram no jogo político. Mas foi através dele que a maioria da opinião pública mudou de lado, retirou apoio ao status quo, chegou-se à anistia e se restabeleceu o regime constitucional. Anote aí: a esquerda em armas não puxou seus gatilhos pela democracia e pela Constituição! E ninguém sacou um bodoque para restaurar o governo de Jango. As coisas não foram como lhe contam, leitor.

Reprovar um lado não significa aprovar tudo que foi feito pelo outro. O contexto não justifica as duas décadas inteiras de exceção, nem o emprego da tortura. Mas anistia é perdão e pacificação. Lutando por algo muito pior do que o regime que dizia combater, a esquerda em armas praticou incontáveis assaltos e sequestros, executou mais de uma centena de militares e civis, e “justiçou” adversários e companheiros. Tivesse vencido, ia faltar prisão e paredón no país. Perdeu. Empenhou-se pela anistia e a obteve. Foi perdoada. Mas parece não saber perdoar. Quer restaurar ódios na ausência dos quais a política lhe fica incompreensível.

3 comentários:

Giovani disse...

Esse Pugina, sempre ele.Fácil falar de quem sempre viveu protegido nos anos de chumbo pelos militares. As idéias ultraconservadoras de Puggina envengonham até mesmo os seus colerigionários. A reprodução de seus artigos só alimenta essas idéias.

Marise von disse...

Giovani,

Eu concordo com o artigo Percival Puggina, e gosto muito do que ele escreve na Zero Hora, e agora também vou ser uma leitora do seu blog.
Tudo que tenho lido, visto na mídia e fora dela, só posso concordar com o Puggina, mas respeito todas as opiniões, pois sabemos que na diversidades de pensamentos que crescemos.
És sempre bem-vindo e agradeço a visita.
Abraços,
Marise.

Ricardo disse...

Cara Marise:
O texto é realmente muito apropriado para esse momento em que se discute o tal Plano Nacional de Direitos Humanos, que, pelo visto, tem que ser reformulado em vários pontos.
Não conhecia o autor, mas concordo, não só com ele, mas com você também. Temos que "ouvir o outro lado". Normalmente a história é contada pelos vencedores, mas há também um "enobrecimento automático" dos vencidos, pelo simples fato deles terem sido humilhados e ultrajados. Há que se pensar que havia uma guerra - evento no qual, de certa forma, ambos acabam por perder a razão - e que os dois "lados" cometeram crimes que ultrapassam o simples maniqueísmo do "bondoso que realiza o mal por heroísmo" e do "mau que realiza o mal por sadismo".
Se não for perdir muito, gostaria que lesse um post meu de hoje, que traz mais algumas considerações sobre esse terrível período da nossa história.
Está em http://spinozaeamigos.blogspot.com/2010/01/guia-politicamente-incorreto-da.html
Abraço.

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