segunda-feira, 16 de março de 2009

As Principais Características da Filosofia

Aristóteles diz-nos que a Filosofia começa com o espanto, com o reconhecimento da ignorância. De fato, quem reconhece a sua ignorância, não admite ficar nessa condição, uma vez que a ignorância é, no fundo, a incapacidade de dar sentido à vida e ao universo. É essa a mensagem da alegoria da caverna quem não se sabe ignorante vive fechado numa representação ilusória da vida: tudo, então, conspira para que os homens vivam acorrentados a um cotidiano estéril e sem perspectivas.

Por isso a Filosofia começa por ser uma reivindicação de liberdade: o filósofo reconhece a sua razão como a capacidade mais importante do ser humano, na verdade é um conjunto de capacidades: a capacidade de pensar, de explicar os fenômenos, de calcular, de prever, de projectar, de sonhar, de imaginar, de criar e, também, de destruir, pois a racionalidade não está isenta de erro e errar é uma possibilidade que está aberta ao ser humano porque, lá bem no âmago destas capacidades a que chamamos "razão", o que temos a dar sentido a tudo o que os homens são, é a liberdade.

Ora, se há liberdade, tem que haver uma motivação e um quadro valorativo que oriente o uso da liberdade.

Quer na Grécia, quer na Índia, se fizermos o esforço de ver como filhas de um mesmo movimento de emancipação, a filosofia ocidental e a filosofia oriental, desde o início que essa motivação e esse quadro valorativo estão bem estabelecidos: o valor fundamental que dá sentido à indagação filosófica é a verdade. A filosofia é uma busca da verdade, uma busca de sentido.

E essa busca apresenta-se-nos, na palavra grega "filosofia" como amor à sabedoria.

Creio que as interpretações mais correntes da definição etimológica da palavra "filosofia" têm banalizado este "amor" é que esse amor é mesmo Amor, não se trata duma simples expressão relativa à intensidade dessa busca da sabedoria, mas antes, de um projecto de elucidação dos problemas fundamentais com vista ao aperfeiçoamento moral de quem o empreende e à libertação de todos os homens da ignorância causadora de injustiças e de desigualdades geradoras de sofrimento. Hoje talvez nos tenhamos afastado desse ideal, mas isso não significa que ele não faça parte do movimento cultural (espiritual) que deu origem à Filosofia.

Convém não esquecer que a Filosofia e os saberes racionais dela derivados, têm origem numa busca da verdade, orientada para um uso autêntico da liberdade e para uma cada vez mais completa aproximação do viver comum ao ideal da sabedoria, encarada ao mesmo tempo como a posse da verdade acerca da vida e do universo e como o uso de todas as capacidades humanas (que constituem o núcleo significativo da racionalidade), ao serviço do verdadeiro, levando a que os homens conheçam a verdade e a pratiquem, ao nível do pensamento, do discurso e da acção.

Isto faz com que a Filosofia seja um saber radical. A Filosofia é radical porque vai à raiz dos problemas: o filósofo aprofunda ao máximo o seu questionamento, indo muito para além dos limites da ciência, pois esta está limitada pelo observável, não podendo ir para além da experiência efectiva da realidade. O filósofo pode ir mais longe, acabando por se expor mais ao erro, mas abrindo muitas vezes vias que mais tarde a ciência irá explorar com sucesso. E isto está de acordo com a diversidade do humano: há homens que são exploradores, que gostam da aventura e que se perdem pelo mundo na busca do esclarecimento dos enigmas, mas também há homens que preferem construir uma casa, cultivar os campos, produzir artefactos. Sem estes últimos os primeiros não poderiam partir à aventura e sem os aventureiros, os construtores ficariam fechados num mundo muito limitado. Muitos cientistas são aventureiros, como é natural, pois a ciência faz parte dessa aventura da busca do sentido, mas os filósofos chegam a ir para lá do que parece razoável e, nesse sentido, estão muito próximos dos artistas, quando estes não param de dar largas à sua criatividade. A ciência só vai até onde o método experimental, e os métodos dele derivados, permitem ir: o único limite da ciência é o método científico e neste sentido podemos dizer que a ciência partilha da mesma exigência de autonomia que caracteriza a filosofia, pois a ciência deve ser independente de toda a pressão externa e de todo o tipo de preconceito, no entanto, a autonomia da ciência é relativa: os cientistas não podem ir para além dos princípios fundamentais que orientam a investigação em cada uma das áreas da ciência. A ciência é um saber colectivo e o cientista só pode investigar de forma autêntica, integrado numa comunidade científica e especializando-se numa área restrita.

O pensamento filosófico é pessoal uma vez que cada filósofo não só vê o mundo à sua maneira, como também se questiona a partir das suas inquietações, envolvendo-se integralmente no seu questionamento: coloca-se em causa ao reconhecer a sua ignorância e faz uma verdadeira revolução interior ao procurar quebrar os limites do senso comum dentro do qual foi educado e que, com o passar dos anos, formou um conjunto de camadas de inconsciência que lhe roubou a visão correcta da realidade. Para readquirir essa visão é necessário enfrentar os fantasmas que condicionam os homens e os impedem de viver uma existência autêntica, que deve ser encarada como uma vida plena, completamente liberta de constrangimentos que impeçam a liberdade e o seu pleno usufruto, a que os homens costumam chamar felicidade. Esses fantasmas são: o medo, a culpa e a inveja.

Comecemos pela inveja: ela pode definir-se como a incapacidade de vermos os outros como seres iguais a nós, com o direito inalienável de serem livres e felizes. Não é filósofo, nem alguma vez perceberá de filosofia, quem inveja os outros, ou quem se julga superior a qualquer outro ser humano. Quem julga que os outros lhe podem roubar a felicidade, ou a importância, não é autónomo, pois só o é quem consegue assumir-se como a personagem principal da sua vida. Quem inveja vive em função daquilo que julga ver nos outros, não é, pois independente, não pensa nem age por si.

A culpa é um reflexo da liberdade, pois nasce da consciência que temos da nossa responsabilidade. No entanto, se é verdade que cometemos acções de que mais tarde nos arrependemos, também não deixa de ser verdade que podemos aprender com os nossos erros. E a culpa muitas vezes nasce duma apreciação errada da realidade e das nossas acções. Ela representa sempre um bloqueio da nossa capacidade de decidir e causa um sofrimento que pode ser destrutivo. Por isso, o que temos que fazer é olhar o passado como uma lição que nos pode ajudar a evoluir e nunca como uma limitação da nossa liberdade e da nossa criatividade.

O medo é, talvez, o fantasma mais "lógico", pois se for exagerado acaba por nos paralisar. Há medos colectivos, que levam a que comunidades inteiras se fechem ao exterior (o filme "A Vila" é um bom exemplo disso), por essa razão grande parte do globo terrestre ficou por explorar pelo homem ocidental, muitos séculos depois deste possuir a tecnologia que lhe permitiria cruzar o Atlântico e circunavegar a Terra.

Na nossa vida o medo pode paralisar-nos e convencer-nos de que não vale a penha sonhar e querer evoluir espiritual e materialmente. Por isso, a Razão é fundamental para iluminar a nossa existência e para nos levar a compreender as circunstâncias em que nos encontramos inseridos a cada momento. Temos, então, que desenvolver a nossa capacidade racional de compreender, e de formular, explicações coerentes sobre o funcionamento da realidade, sem que fiquemos presos a preconceitos e a formas supersticiosas de explicar aquilo que nos acontece. Este é, talvez, o maior contributo da filosofia para a nossa vida: não está em causa, quando estudamos filosofia, um aumento dos nossos conhecimentos, mas um refinamento da nossa capacidade de interrogar e de esclarecer problemas e enigmas. Por vezes a nossa maneira de encarar as coisas muda radicalmente, sem que, com isso tenhamos saído do ponto onde nos encontrávamos, tal como quando nos encontramos numa sala escura e acendemos a luz: os objectos que passamos a ver já lá estavam, mas nós não os víamos, embora pudéssemos saber que esses objectos lá estavam, o simples facto de podermos vê-los altera tudo. Quando reconhecemos a nossa ignorância e tomamos a decisão de procurar a verdade, e nada mais do que a verdade, a inveja, o medo e a culpa esfumam-se e deixam na nossa mente uma confiança renovada na nossa capacidade de resolver os problemas que a vida nos colocar.

Temos, pois, a autonomia como a característica-chave da filosofia: os filósofos fazem um uso pleno da sua liberdade e seguem um caminho de independência face aos poderes que limitam a relação dos homens com o mundo. A filosofia é um saber independente dos outros saberes e dos poderes instituídos nas sociedades, bem como dos valores dominantes, sejam eles de origem social, cultural ou religiosa. Por esta razão temos uma longa lista de filósofos que morreram pelas suas ideias e pelo ideal de emancipação que habita no âmago da inquirição filosófica. Sócrates é um desses filósofos e o seu exemplo é de tal forma eloquente que qualquer forma de menosprezo da sua participação na história da filosofia não pode deixar de ser encarada como uma prova indesmentível de estupidez.

Por tudo isto se pode concluir a filosofia é um exercício profundo da racionalidade e, enquanto saber racional, os seus conteúdos, embora assentem numa aventura pessoal do pensar, são universais: quando um filósofo se interroga, não está à procura de uma resposta que satisfaça a sua curiosidade emocional e subjectiva, dirige-se à Razão enquanto faculdade de pensar, procura estabelecer um quadro racional que dê sentido a realidade. O filósofo não quer persuadir os outros de que tem razão, mas procura, acima de tudo, que os outros homens, sejam eles filósofos ou não, reconheçam a validade dos argumentos empregues em defesa de uma tese racionalmente formulada e orientada para a descoberta da verdade acerca do real. Por exemplo, ao questionar-se sobre o homem, o filósofo procura esclarecer a natureza de todos os homens, independentemente das características individuais que tornam os homens diferentes entre si.

Mas não devemos confundir a universalidade da filosofia, enquanto exigência de racionalidade, com qualquer forma de dogmatismo. A filosofia é, desde a sua origem, um saber anti-dogmático, para os filósofos não há verdades inquestionáveis e absolutas, imutáveis e desligadas da realidade que efectivamente vivemos, uma realidade em constante mudança, marcada pela acção transformadora do homem sobre a Natureza e pelos grandes movimentos que marcam a tecitura histórica do mundo.

A filosofia é marcada pela historicidade inerente à condição humana, nada que se refira ao homem, encarado como indivíduo ou como espécie, foge à mudança, pois o tempo faz parte da existência humana e todos os homens estão condenados a ser e a passar, pois somos mortais e temos a consciência da nossa mortalidade e da evanescência de tudo o que criamos.

Assim, a filosofia é marcada pela história, tem uma tradição duas vezes milenar que serve de base à indagação filosófica em cada momento histórico. E a par da tradição existe a inovação: em cada época surgem novos problemas que vêm enriquecer o património da racionalidade filosófica e cada filósofo, ao assumir a sua aventura filosófica, é original e inovador, acrescenta algo aos modos de ver que são próprios da filosofia. Por isso a filosofia está sempre aberta ao espanto e ao alargamento dos horizontes do saber e do viver sob o signo da verdade.

Fonte: http://www.espanto.info/av/pcf.htm

Um comentário:

Sara Petrucci disse...

olá meu nome é Sara.
adoro filosofia, amo muito.
sou filósofa mas não formada ainda viu!! rsss
mas pretendo fazer faculdade de filosofia, voceis falaram minha língua.
achei o blog super legal!!!
beijos para todos.

LinkWithin

Blog Widget by LinkWithin