sexta-feira, 5 de junho de 2009

Filosofia: necessidade de transgressão do pensar bem para o agir bem1

Jaime José Rauber2

Introdução

A filosofia é uma forma de conhecimento que, por natureza, identifica-se com a transgressão. O conceito de transgressão pode assumir diversas conotações, tanto positivas quanto negativas. No âmbito social, a transgressão pode assumir uma conotação claramente negativa quando há o rompimento com a ordem estabelecida e a não-observância das regras socialmente postas e objetivamente reconhecidas. No âmbito do conhecimento, a transgressão pode significar algo absolutamente positivo quando não se aceitam simplesmente as informações “jogadas” como se fossem verdades, mas, de forma crítica e metódica, buscam-se as últimas conseqüências dessas informações para verificar a sua veracidade. Desde as origens, a filosofia sempre foi compreendida como uma forma de conhecimento que busca ir além das verdades reveladas pelas explicações mitológicas. A filosofia pré-socrática caracteriza-se pela busca de explicações racionais para suas teses, superando as verdades reveladas pelos mitos, poemas homéricos e profecias.

Compreendendo a transgressão neste último sentido, pretende-se enfocar neste estudo a necessidade da transgressão no nível da prática pedagógica, o que, talvez, deveria ser precedido por uma reflexão sobre os objetivos e finalidades da educação formal, ou seja, da educação institucionalizada nos seus diversos níveis. Não se quer entrar aqui no mérito da discussão sobre a existência ou não de propostas pedagógicas em todas as instituições nem sobre como foram elaboradas. Observa-se, porém, que nas propostas pedagógicas minimamente elaboradas encontra-se uma certa unanimidade em torno da necessidade de se fazer com que os alunos desenvolvam um pensamento autônomo, preciso e bem desenvolvido.

Nas escolas, de uma maneira geral, há uma preocupação fortemente orientada para o desenvolvimento do pensar bem dos alunos e que estes consigam desenvolver um pensamento próprio. Essa preocupação, por vezes, é tão incisiva que se acaba deixando de lado uma reflexão mais específica sobre o que se entende por pensar bem. Há instituições que, em nome da qualidade, da inovação e da mudança no enfoque da prática educativa, entendem que o pensar bem por si só se justifica, ou seja, partem do pressuposto de que proporcionar o desenvolvimento do pensar bem aos alunos é o fim último da educação. Nessa perspectiva, a qualidade da educação é medida pela capacidade do desenvolvimento do raciocínio lógico, hábil e preciso dos alunos.

Contudo, cabe observar que a prática educativa voltada para o desenvolvimento do pensar bem dos alunos, desprovida de qualquer reflexão acerca do que se entende por esse pensar bem, pode ser algo extremamente perigoso. Medir a qualidade do ensino e o nível da aprendizagem puramente por meio de testes que avaliam a capacidade do raciocínio lógico e preciso dos alunos sobre conteúdos específicos em determinados programas de aprendizagem é algo altamente questionável. A qualidade do ensino de determinada instituição não pode ser mensurada apenas pelo número de candidatos (ex-alunos) aprovados em vestibulares e pelos escores obtidos nesses processos seletivos, mas pela capacidade de transgressão do pensar bem para o agir bem.

Nesse sentido, o presente estudo vai abordar, inicialmente, o conceito de pensar bem em suas diferentes dimensões, para, posteriormente, mostrar a necessidade de transgressão do pensar bem para o agir bem. Se se entende que a educação formal deve contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, é preciso compreender a razão pela qual a educação não deve se limitar ao desenvolvimento do pensar bem, mas se deve dar um salto a mais, transgredir para o agir bem.3

1. O que significa pensar bem

Se há uma preocupação geral das escolas em torno do desenvolvimento do pensar bem dos alunos, cabe, antes de mais nada, investigar o que isso significa. O pensar bem pode ser compreendido sob dois aspectos bem distintos, ou seja, podemos compreendê-lo de um ponto de vista puramente lógico/técnico e de um ponto de vista lógico e ético.

O pensar bem, na primeira perspectiva, consiste num pensar com logicidade, com criticidade, com coerência argumentativa. É o pensar do indivíduo que tem as habilidades de pensamento bem desenvolvidas, que tem um pensar cuidadoso, que tem abertura e busca novos conhecimentos. Esse pensar, extremamente importante para as chamadas “comunidades de investigação”, é o pensar do aluno que dialoga bem, que argumenta bem, que apresenta e exige boas razões. É o pensar do aluno que sabe classificar, comparar, levantar hipóteses, apresentar bons juízos, estabelecer relações com as falas dos demais. É o pensar do sujeito que desenvolve o espírito crítico, faz autocorreções, procura aprofundar e compreender o problema em questão e tira conclusões logicamente válidas com base nas idéias e argumentos apresentados. O pensar bem logicamente é um pensar tecnicamente bom, um pensar que traz qualidades e habilidades que todo pai sonharia para seus filhos, um pensar excelente para se prestar concursos e conseguir vagas disputadíssimas em vestibulares ou em testes seletivos voltados para o preenchimento de vagas em ofertas de trabalho.

Se compreendermos o pensar bem apenas dentro dessa primeira perspectiva, como sinônimo de um pensar altamente lógico, preciso e rigoroso, e não nos preocuparmos com o pensar bem num sentido mais amplo, a educação institucionalizada não estará dando conta de um dos seus principais objetivos, que é a formação dos estudantes para a prática da cidadania e para a promoção da justiça social. O pensar bem logicamente é um pensar atípico, não alcançável por qualquer sujeito, pois exige dedicação, aprofundamento e tem o pensar como atividade exclusiva, que não se dá em qualquer momento.4 Porém, o fato de se ter um pensamento hábil, crítico e cuidadoso não garante que o pensamento seja correto e bom do ponto de vista ético. O pensar bem logicamente ainda é um pensar falho, insuficiente e irracional se comparado ao conceito mais amplo de pensar bem.

O pensar bem lógica e eticamente, que é a segunda perspectiva mencionada acima, contempla todos os aspectos mencionados na primeira definição de pensar bem, mas vai além disso, porque também contempla a idéia do pensar bem do ponto de vista ético. O pensar bem eticamente não pode ser desvencilhado do pensar bem logicamente, pois cair-se-ia num senso comum. Como o fim da educação jamais deve ser a aprendizagem dos conhecimentos do senso comum, pode-se afirmar que o pensar bem eticamente pressupõe o pensar bem logicamente. O sujeito não terá boas razões para sustentar determinada ação sob o ponto de vista ético se não desenvolver um pensar cuidadoso, crítico e reflexivo, próprio de um pensar bem logicamente. Se não desenvolvermos um pensamento habilidoso e com maior precisão, dificilmente saberemos argumentar bem, levantar boas hipóteses e apresentar boas razões para sustentar determinada idéia ou pensamento. Não possuindo essas características, nosso pensamento, por mais que seja um pensamento eticamente correto, jamais poderá ser caracterizado como um pensar bem. Tal forma de pensar, desprovida das características da lógica, será um pensar do senso comum e, portanto, jamais poderá ser caracterizado como um pensar bem.

De forma inversa, o pensar bem logicamente desvinculado do pensar bem eticamente pode implicar ações estratégicas, ações instrumentais, ações não voltadas para o exercício do bem. Há juízes, advogados, médicos, administradores ou, mesmo, professores que exercem muito bem sua função do ponto de vista técnico; possuem grandes experiências e amplos conhecimentos teóricos e técnicos em relação ao que fazem, o que os têm destacado na profissão que exercem. Contudo, não é raro encontrarmos profissionais desse gabarito que utilizam seus conhecimentos de forma estratégica para benefícios próprios, sem se preocupar com as implicações sociais ou éticas de suas ações. Não podemos deixar de louvar o conhecimento técnico desses profissionais, que certamente exigiu muito esforço e dedicação, mas, desvinculado de um pensar bem eticamente, representa grandes perigos para a sociedade.

2. O pensar bem e a transgressão para o agir bem

O pensar bem eticamente, que pressupõe o pensar bem logicamente, deve trazer associado outro elemento, que é o agir bem. O pensar bem eticamente requer, necessariamente, o agir virtuoso. O pensar bem com logicidade e coerência faz com que o sujeito seja capaz de escolher a melhor opção, do ponto de vista ético, entre várias alternativas possíveis e, além disso, requer coerência entre o pensar e o agir. Pensar bem eticamente e não orientar seu agir de acordo com esse pensamento implica uma explícita incoerência entre pensar e agir. A desvinculação entre pensar bem e agir bem pode ser algo extremamente perigoso, pois, nesse caso, não haverá relação de proximidade entre a teoria e a prática.

De uma maneira geral, pode-se falar de dois tipos de incoerência: por um lado, há a incoerência no pensar, que constitui o pensar falacioso, incorreto, falso, insustentável; por outro, pode-se falar da incoerência na relação entre o pensamento e a ação. Nessa última perspectiva, é racional que a ação do homem seja guiada pela sua forma de pensar, pelo seu raciocínio, pela sua concepção de mundo. Dado que o homem é o único ser dotado de racionalidade, é racional que ele guie suas ações pela sua forma de pensar. Observando as relações cotidianas, podemos ver que, conscientemente, o homem não realiza ações que seu intelecto não concebe. A modo de ilustração, pode-se mencionar o fato de que o criminoso não comete crimes sem que seu intelecto admita ou conceba essa ação. Um assassino só é capaz de matar alguém de forma consciente e voluntária pelo fato de que essa ação faz parte da sua concepção de mundo, ou seja, da sua forma de pensar.

Partindo dessa tese de que o homem não realiza ações sem que seu intelecto as conceba (aceita), o indicativo imediato que se pode tirar, então, é a necessidade de as instituições educacionais se ocuparem com a tarefa de trabalhar o pensamento dos alunos para que aprendam a pensar bem eticamente. O pensar bem e o agir bem devem ser compreendidos como indissociáveis. Nesse sentido, se essa compreensão for correta, basta trabalhar o pensamento dos alunos e instigá-los a serem coerentes na relação entre pensar e agir para a construção de uma sociedade melhor.

Pensar bem logicamente, mas não vinculá-lo ao pensar e agir bem eticamente, é algo irracional. Todavia, em que sentido se pode afirmar que o pensar bem logicamente, desprovido de uma referência à ética, é um pensar irracional? Não deveríamos chamar de esperteza à categoria de ações orientadas pelo pensar bem logicamente, mas desprovidas do pensar bem eticamente?

Para Sócrates, a essência do homem está na alma. É a alma que distingue o homem dos demais seres. Se a essência está na alma, o homem deve cuidar mais da alma do que do corpo. Nesse sentido, de acordo com o pensamento do filósofo, a tarefa do educador é ensinar os homens a cuidar da própria alma. Os verdadeiros valores não estão ligados às coisas exteriores (riqueza, fama, poder, beleza, saúde física etc.), mas ligados à alma, e, segundo Sócrates, resumem-se no conhecimento.

Nas palavras de Sócrates, “ninguém peca voluntariamente: quem faz o mal, fá-lo por ignorância do bem”. O filósofo dá tamanha importância à razão e à capacidade de conhecer do homem que chega a afirmar que é impossível conhecer o bem e não fazê-lo. Com base nisso, é possível compreender o sentido da frase “Conhece-te a ti mesmo”, pois, segundo o autor, quem efetivamente conhecer a essência do homem jamais fará o mal. Contudo, essa idéia merece uma observação. Não parece ser “impossível conhecer o bem e fazer o mal”, mas “quem conhece o bem, jamais deveria fazer o mal”. Quem teve acesso à ciência e ao conhecimento, ou seja, quem aprendeu a pensar bem e a contemplar a essência do homem, jamais deveria fazer o mal.

É claro que, dentro do pensamento de Sócrates, a idéia de conhecimento está intrinsecamente ligada à prática do bem, ou seja, só é sábio aquele que, além de conhecer, pratica o bem. Contudo, fazendo um paralelo com a idéia de conhecimento que se possui hoje, é preciso reconsiderar a idéia do nosso velho Sócrates, pois o conhecimento ou o pensar bem são condições necessárias para determinar o que é bom, correto e justo, mas não condição suficiente para fazer o bem. Conforme mostrado acima, é perfeitamente viável alguém ter um excelente conhecimento técnico e lógico sobre as coisas, mas não ter uma prática eticamente adequada. Não basta ter conhecimento; é necessário ter disposição para agir bem. O pensar bem no sentido técnico não se identifica, necessariamente, com o pensar bem no sentido ético. O pensar bem por excelência congrega, simultaneamente, os três aspectos mencionados acima: o pensar bem logicamente, o pensar bem eticamente e a prática do bem, ou seja, ações que correspondem plenamente com as duas dimensões do pensar bem.

3. O pensar bem e os desafios da educação

Com base no que foi apresentado, é possível identificar dois grandes desafios da educação: o primeiro deles consiste em fazer com que os alunos aprendam a pensar bemlógica e eticamente para que saibam determinar o bom, o justo, o correto, o objetivamente válido; o segundo consiste em formar sujeitos que ajam coerentemente em relação ao que esse pensar bem determina.

O pensar bem por excelência requer autonomia no pensar e no agir. O aluno deve, por meio do trabalho desenvolvido na educação para o pensar, elaborar um excelente raciocínio, de forma que suas conclusões efetivamente se identifiquem com o pensar bem. Tais conclusões devem ser fruto de um processo de busca realizado pelos sujeitos da comunidade de investigação. A determinação do que é bom não deve ser feita de forma heterônoma, mas deve ser fruto de um processo de busca realizado pelo próprio aluno, auxiliado pelo trabalho de mediação do professor.

Se o aluno adquire autonomia no pensar e aprende a discernir o que caracteriza o pensar bem lógica e eticamente, a conseqüência desse processo é a autonomia no agir. O sujeito que entendeu o significado do pensar bem e desenvolve seu raciocínio por meio dessa orientação certamente também terá autonomia no seu agir; sua ação não será determinada externamente, mas pelo próprio sujeito por meio da prática do pensar bem.

Com a autonomia no pensar e no agir, as leis positivas (heterônomas) vão perdendo seu poder de força. O sujeito autônomo age motivado pelo pensar bem, não por causa das leis ou penas previstas. Numa sociedade onde os indivíduos pensam bem (autonomia no pensar e no agir) as leis positivas vão perdendo seu sentido. Tomás de Aquino afirmava que as leis positivas só existem por causa daqueles que não são capazes de cumprir as leis naturais (leis da razão). Além disso, afirmava que pelas leis positivas e pelo poder de polícia cria-se o hábito de fazer o bem; contudo, por mais que se possa criar o hábito de fazer o bem por meio do uso do poder coercitivo, é uma prática que não educa para o exercício da autonomia e da liberdade. Uma sociedade assim constituída, e que não se preocupa com o desenvolvimento da autonomia, corre o risco de ser eternamente dependente do poder coercitivo para manter uma vivência social pacífica.

Dado que o pensar bem implica o pensar bem logicamente, eticamente e a prática do bem (coerência entre pensamento e ação), cabe questionar como isso pode ser alcançado e que disciplina ou programa de aprendizagem poderá propiciar essa formação. Todas as disciplinas, certamente, têm potencialidades para desenvolver esses três aspectos do pensar bem. Entretanto, o que se tem observado é que o trabalho realizado em grande parte das instituições não surtiu os efeitos esperados em relação aos três aspectos de forma simultânea. Várias instituições escolares até conseguiram desenvolver um pensar bem nos alunos do ponto de vista lógico e técnico, mas mantêm carências em relação aos outros dois aspectos. Outras instituições até manifestaram uma grande preocupação em relação à formação para a ética e cidadania, mas, por falta de um trabalho mais sistemático e de conjunto, que contemple os três aspectos simultaneamente, também não têm alcançado esse objetivo.

Por mais que as diferentes disciplinas tenham potencialidades para desenvolver os três aspectos do pensar bem, em geral há uma preocupação maior centrada no desenvolvimento do pensar bem lógico e técnico. A filosofia como disciplina, porém, por seu método e pela sua natureza reflexiva, investigativa e crítica, tem maiores potencialidades para contribuir com o desenvolvimento do pensar bem nos três aspectos mencionados. Pela busca de um pensar logicamente sustentável, preciso, coerente e objetivamente válido, a filosofia pode dar conta do pensar bem lógica e tecnicamente. Por se preocupar constantemente com a definição do bom, do justo, do ético e se ocupar de forma crítica dos princípios norteadores da ação humana, a filosofia como disciplina tem um incomparável potencial para desenvolver o pensar bem do ponto de vista ético dos alunos, bem como a exigência da coerência entre pensamento e ação, que implica na prática do bem.

Incluir a filosofia como disciplina isolada nas propostas curriculares das escolas, sem um projeto mais orgânico que contemple uma reflexão sobre concepções e princípios norteadores da prática educativa, provavelmente não surtirá os efeitos positivos que a filosofia tem condições de proporcionar. Incluir a filosofia na proposta educacional da escola, desde que bem conduzida, é uma excelente oportunidade para desenvolver o pensar bem dos alunos no sentido amplo do termo, como descrito acima.

Entretanto, implantar a filosofia como alternativa para desenvolver o pensar bem dos alunos, principalmente em relação ao pensamento ético e à coerência do pensar e do agir, traz implícito um conjunto de questionamentos. A partir de que idade as crianças são capazes de aprender a pensar? As crianças são capazes de orientar seu agir pela razão, pelo pensar bem? Devemos perdoar as crianças e adolescentes por não usarem a razão em determinadas ações?

É comum observarem-se tomadas de decisão por parte de pais e professores orientados pelo princípio de que a “ criança não sabia” ou de que “ ela ainda é muito nova”. Contudo, tomadas de decisões dessa natureza estão baseadas implicitamente no princípio de que as crianças são seres irracionais, ou seja, de que são incapazes de pensar em suas ações. Não é tão simples determinar a idade ou o período em que a criança está apta a tomar decisões baseadas num raciocínio bem desenvolvido, mas o fato é que desde a infância as crianças desenvolvem raciocínios que orientam seu agir. É certo que na fase da infância grande parte dos raciocínios podem não ser adequados, mas isso não significa que não possam ser trabalhados e melhorados. As crianças, mesmo no período da infância, já são capazes de orientar seu agir pela razão. Nas palavras de Lipman, “se as crianças são consideradas incapazes de um comportamento moral guiado por princípios, incapazes de terem razões para o que fazem, então deveriam ser tratadas como animais inferiores” (1994, p.208). Ou seja, se não reconhecermos a capacidade de a criança pensar sobre suas ações e orientar o seu agir com base nesse raciocínio, estaremos considerando-a, implicitamente, como ser destituído de racionalidade, ou seja, como ser irracional.

O Programa de Filosofia com Crianças parte do pressuposto de que as crianças são capazes de pensar. É claro que ainda é um pensar que precisa ser lapidado, mas de forma alguma são seres que se equiparam a animais inferiores. Nesse sentido, ao invés de adotarmos atitudes pacifistas baseadas no princípio de que a “a criança não sabia” ou de que “ela ainda é muito nova”, convém desenvolver a capacidade de fazer a criança pensar sobre a ação realizada. Por mais que a capacidade de pensar na fase da infância ainda não esteja bem desenvolvida, é necessário que se procure desenvolvê-la para que a criança comece a compreender desde essa fase o que significa ter uma atitude racional.

Considerações finais

Para que haja a transgressão do pensar bem para o agir bem, não há necessidade de grandes investimentos materiais. A transgressão do pensar bem para o agir bem não requer praticamente mudanças na estrutura física das escolas, mas requer uma mudança na forma como se concebe a educação e seus objetivos. Essa mudança pode ser bastante rápida, mas, se posturas dogmáticas e de comodismo prevalecerem e não houver uma conscientização por parte dos sujeitos envolvidos na prática educativa, pode levar muito mais tempo do que se fosse necessária uma mudança geral na estrutura física das escolas.

O Programa de Filosofia com Crianças é uma iniciativa bastante interessante para que haja uma mudança na forma de se pensar a educação e, conseqüentemente, na educação para a prática do bem. O ensino de filosofia, como educação para o pensar, pretende formar sujeitos que desenvolvam um pensar bem, no sentido mais amplo do termo, e que, conseqüentemente, tenham um agir correspondente. Como já afirmado, não é só pela filosofia que podemos educar para a prática do bem, nem deve ser exclusividade dela. Contudo, o que não pode ser adiado é a preocupação com a formação holística dos alunos, o que deve começar a ser colocado em prática desde a elaboração da proposta pedagógica da escola. E aí vale a dica: a filosofia é um bom caminho para a transgressão do pensar bem para o agir bem.

Referências

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CENCI, Ângelo Vitório. Sobre a educação moral. In: PIOVESAN, Américo et al. Filosofia e ensino em debate . Ijuí: Edunijuí, 2002. p. 155-173.

FÁVERO, Altair Alberto; RAUBER, Jaime José; KOHAN, Walter Omar. Um olhar sobre o ensino de Filosofia. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002.

GOERGEN, Pedro. Educação moral: adestramento ou reflexão comunicativa? Educação e

Sociedade : revista quadrimestral de Ciência da Educação, Campinas, ano 12, n. 76, p. 147-

174, out. 2001.

KOHAN, Walter Omar; WAKSMAN, Vera (Org.). Filosofia para crianças na prática escolar. 2.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. v. 1.

LIPMAN, Matthew; OSCANYAN, Frederick S.; SHARP, Ann Margaret. Filosofia na sala de aula. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.

LIPMAN, Matthew. O pensar na educação. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

. A Filosofia vai à escola. São Paulo: Summus, 1990.

PLATÃO. A defesa de Sócrates. São Paulo: Abril Cultural, 1972. (Col. Os Pensadores).

RAUBER, Jaime José. O problema da universalização em ética . Porto Alegre: Edipucrs, 1999.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: atigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulinas, 1990. v. I.

Notas de fim

1 As idéias gerais deste texto foram apresentadas no VI Encontro de Professores de Filosofia, realizado na Casa de Cultura, de Marau.

2 Mestre em Filosofia, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus de Toledo.

3 Grande parte do texto que segue foi apresentado por mim no V Simpósio de Sul- Brasileiro sobre o Ensino de Filosofia, realizado entre os dia 11 e 13 de maio de 2005, na Unifra, em Santa Maria, RS.

4 Em contraposição ao pensar atípico, Lipman apresenta o pensar típico, que é aquele pensar do cotidiano, despreocupado, que pode se dar simultaneamente com outras atividades, que não é exclusivo e que está presente em todos os seres humanos. Se compreendermos que a capacidade de pensar do homem se identifica com o pensar atípico, fica fácil compreender a afirmação de Gramsci de que “todo homem é filósofo, pois o pensar é próprio da natureza humana”. Contudo, se compreendermos que à filosofia cabe um modo de pensar mais elevado (atípico), podemos afirmar que nem todos os homens são filósofos, pois nem todos conseguem desenvolver um pensar organizado, aprofundado, coerente, lógico e crítico.

Fonte: http://www.nuep.org.br/revista/n1/filosofia-necessidade.php

Revista Pragmateia Filosófica (On line) Núcleo de Educação para o Pensar - NUEP Passo Fundo - Ano 1 - Nº 01 - Outubro de 2007

Um comentário:

Anônimo disse...

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