sábado, 9 de janeiro de 2010

O exercício imoral dos direitos, Ulisses Jung*


O descumprimento das leis escritas merece a mais ampla censura da sociedade, como não poderia deixar de ser. São transgressões constatadas objetivamente: cruzar o sinal vermelho, agredir alguém, violar a propriedade alheia. No Brasil, as leis são sistematicamente descumpridas, daí ser considerado por tantos o país da impunidade.

O objetivo do presente artigo é destacar outra faceta que merece ser igualmente repudiada: o exercício imoral dos direitos. É problema de difícil verificação, pois, por resultar de mera aplicação da lei, muitas vezes oculta condutas mais perniciosas do que o simples descumprimento de uma regra.

Nesse sentido, o Brasil pode ser visto não só como o país da impunidade, no que diz respeito à desobediência às leis, como também o país da imoralidade, a se levar em conta a forma como certos direitos são reivindicados.

Ao contrário do descumprimento de uma lei, que pode ser reclamado perante o Poder Judiciário, não há aparente remédio contra o uso imoral do direito pelo seu suposto titular, que permanecerá no mais das vezes impune, ressalvada a crítica do meio social onde habita.

A única barreira que pode conter o uso imoral de um (pseudo) direito é a ética pessoal de quem está em condições de exercê-lo. É o senso moral do indivíduo, na hora de analisar se há de fato um direito legítimo a ser por ele exercido ou se está praticando de mera extorsão ou violência, a partir do uso espúrio de um texto legal. Enfim, é sua decência enquanto ser humano.

Infelizmente, exemplos vindos de todos os cantos parecem endossar a cultura de levar vantagem a qualquer custo e sem qualquer pudor, sobretudo quando se age sob a capa de um “direito”. Para os que assim pensam, resta apenas a lição de Miguel Reale, de que “o Direito não é algo diverso da moral, mas é uma parte desta, armada de garantias específicas”. O eminente jurista alertava que “existem atos juridicamente lícitos que não o são do ponto de vista moral”.

*Advogado

Fonte: Jornal Zero Hora

Um comentário:

Ricardo disse...

Cara Marise:
Nunca me canso de te parabenizar pelos posts. Comento esse, mas já vou informando que darei uma espiada naquelas questões de Filosofia, dos posts mais recentes. Espero que eu acerte a maioria. Rsss.
Sobre este post, gostaria de comentar que essa "imoralidade respaldada pela lei" acaba por parecer pior do que o "banal" descumprimento da lei. Afinal, no primeiro caso, o "meliante" simplesmente dirá que está dentro dos limites dos seus direitos, dificultando - e muito - uma reação, enquanto no segundo caso, pelo menos, teremos o alento de ingressar em juízo contra o tal sujeito.
Um caso emblemático disto é o do deputado Leonardo Prudente, do DF, que está usando seus direitos para presidir, no Legislativo, as sessões que irão julgar seus, igualmente suspeitos, pares, bem como o governador Arruda.
Entretanto, mesmo reconhecendo as dificuldades enooooooormes da situação melhorar, há que se ver que a "legalidade" dos atos da Administração Pública englobam o que se chama "moralidade administrativa", que, apesar de "fluida" demais, existe. A solução, portanto, para casos como o do deputado, e tantos outros que envolvem autoridades públicas, passará sempre por esse caminho... certamente longo e árduo, mas sempre um caminho transitável.
Há, de nossa parte, como cidadãos legais - no sentido de "que cumprem a lei"... e esse universo já não é tão grande assim - exigirmos transparência nos atos públicos e códigos de ética em todas as instâncias de poder.
Bem... agora, vou estudar tuas questões.
Grande abraço e parabéns!

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