Em qualquer ato comunicativo há um emissor, um receptor e um meio ou canal que permite que uma mensagem chegue do emissor ao receptor. E tanto o emissor como o receptor devem usar o mesmo código, caso contrário não há comunicação, em sentido pleno. Em quase todos os actos comunicativos há um retorno, há sinais que chegam ao emissor e que lhe dão uma noção, mais ou menos aproximada, sobre a forma como a sua mensagem é recebida. A isso chama-se feed-back.Se um determinado ato comunicativo é muito importante, então da parte do emissor tem que haver a preocupação de fomentar o feedback. Por exemplo, o professor deve ter a preocupação de saber se os seus alunos estão a apreender a matéria, fazendo perguntas e estando atento aos sinais que denotem problemas na forma como a matéria é captada pelos alunos. O mesmo acontece nas campanhas publicitárias, se as vendas dum produto não aumentam em consequência duma campanha, isso significa que ela foi mal planeada, pelo que há que proceder a ajustes que permitam alterar a situação.
Todos os nossos atos, voluntários ou involuntários, têm uma dimensão comunicativa, pois todos estão abertos à interpretação por parte dos outros. De fato, o espaço social é uma rede bastante complexa de interacções comunicativas. Se vamos no comboio e vemos as pessoas lá fora com o guarda-chuva aberto, ficamos a saber que está a chover. É raro depararmo-nos com comportamentos que não saibamos explicar: mesmo que não conheçamos os motivos de algum comportamento, nem a intenção do respectivo agente, fazemos conjecturas e, muitas vezes, isso basta-nos. Mas é claro que muitas vezes enganamo-nos e mais tarde mudamos a nossa opinião, mesmo que já possa ser demasiado tarde.
Os nossos comportamentos, mesmo os mais “inocentes”, como o estarmo-nos a dirigir-nos à mercearia, ou estarmos à espera do autocarro, estão continuamente a ser interpretados pelos outros.
Se é verdade que todos os nossos comportamentos ocorrem num ambiente comunicativo, mesmo quando fazemos actos involuntários, ou não queremos, em rigor, comunicar, também é verdade que as nossas acções (os nossos actos voluntários), são intrinsecamente comunicativos, mesmo quando não nos dirigimos directamente a alguém. É que a ação é estruturada pela racionalidade intencional, tal como acontece com quaisquer atos de comunicação: na ação há um agente, um motivo, uma intenção e um conjunto de consequências dessa mesma ação. Podemos concluir que no agir comunicativo o agente é emissor duma mensagem; essa mensagem é emitida por algum motivo e a mensagem é intencionalmente dirigida a um receptor, com o objetivo de provocar nele algum tipo de reacção (correspondendo isso às consequências da ação comunicativa).
Por exemplo: se há o perigo de propagação duma doença, pode ser difundido um alerta pelas autoridades sanitárias (emissor/agente) à população (receptor), com vista à alteração de comportamentos (consequências da acção), com o fim de evitar a propagação da doença (intenção).
Ora, a argumentação ocorre dentro desta estrutura do agir comunicativo. Em qualquer situação argumentativa, temos um agente/emissor, a que se convencionou chamar orador (mesmo quando estamos perante um discurso escrito), temos um receptor, a que chamamos auditório (que pode ser composto por um indivíduo –auditório singular; por um grupo de indivíduos – auditório particular; e por toda a humanidade, ou seja, pelo conjunto dos seres racionais – auditório universal), temos uma mensagem, geralmente um discurso (mas também pode ser um spot publicitário), e temos uma intenção, pois o orador tem por objectivo provocar a adesão do auditório à tese, ou teses, que estão em causa no acto argumentativo. Assim, o discurso argumentativo, ou as acções de carácter argumentativo, têm consequências junto do auditório.
Assim, perante uma qualquer acção argumentativa, podemos perguntar:
1.Quem? (Refere-se ao orador).
2. Diz o quê? (Refere-se à tese que é defendida, no fundo à mensagem).
3. A quem? (Refere-se ao auditório).
4. Porquê? (Refere-se ao motivo que tornou necessário o discurso).
5. Para quê? (Refere-se à intenção e às consequências que o orador quer alcançar).
6. Como? Com que argumentos? (Refere-se à estratégia argumentativa seguida pelo orador).
Cada um destes pontos está ligado a cada um dos outros: se mudarmos o orador, isso afeta o discurso e a forma como ele é recebido pelo auditório, uma vez que cada pessoa é portadora de uma conotação simbólica própria que afecta os seus atos comunicativos. Assim, um discurso proferido por um líder político ou religioso tem um impacto diferente do que teria se fosse proferido por um cidadão comum, mesmo que as palavras fossem as mesmas.
Se o auditório mudar, tudo o mais tem que mudar. Pois se nos dirigimos a pessoas com pouca instrução temos que usar um código adequado. Um discurso com impacto junto de um auditório de estudantes universitários, pode não ter impacto (ou o mesmo impacto) junto dum auditório de operários fabris ou de idosos.
Muito importante é a questão “para quê?”
A argumentação pode dirigir-se às emoções ou à razão do auditório. Há casos em que há complementaridade entre essas duas dimensões da nossa subjectividade. No entanto há tipos de discurso que se dirigem privilegiadamente a uma ou outra dessas dimensões. Isto leva a que existam dois tipos de argumentação: a argumentação persuasiva e a argumentação convincente.
Ao persuadir dirigimo-nos às emoções do auditório, procuramos uma adesão emocional às teses que defendemos. Para isso podem usar-se estratégias que não pertencem à esfera da racionalidade lógica. Pode incutir-se o medo, a nostalgia, a saudade, a alegria, enfim… E o discurso persuasivo pode conseguir uma adesão muito forte do auditório, podendo mesmo levar os homens a agir de determinada forma. No fundo, toda a argumentação pressupõe uma mudança comportamental do auditório, mas na argumentação persuasiva isso está mais presente, pois as emoções são uma fonte de motivação muito intensa. E aqui estamos a entrar num território que muitas vezes se confunde com a manipulação. Pois é possível levar os indivíduos inseridos numa multidão a fazer coisas que nunca fariam isoladamente.
O discurso da publicidade, sob todas as suas formas, é intensamente persuasivo. Visa mexer com as emoções do auditório, muitas vezes fazendo “curto-circuitos” cognitivos para impedir uma análise racional da mensagem. Daí a sua eficácia e também da necessidade da sua reiteração: a persuasão tem uma eficácia imediata muito grande, mas os seus efeitos a longo prazo são ténues, pois os seres humanos só apreendem de forma consistente e permanente aquilo que é mediado racionalmente. Por isso há muitos comportamentos que fazem moda que acabam por cair em desuso.
A persuasão pode também ser usada junto a auditórios pouco permeáveis a mensagens muito racionalizadas. Por isso são necessárias campanhas publicitárias (ou de cariz publicitário) para fazer passar mensagens ligadas a conhecimentos cientificamente comprovados, por exemplo, no campo da saúde (a luta contra a Sida é um exemplo tristemente eloquente) ou no campo da protecção do ambiente.
Na actualidade temos alguns exemplos de como a penetração das teses enunciadas pela ciência junto da população em geral encontra resistências muito sérias. O tabagismo é um exemplo, há muito que a ciência já demonstrou que o hábito de fumar acarreta consequências muito graves para a saúde de que o pratica (e para os chamados fumadores passivos). No entanto, a diminuição do número de pessoas que fumam está longe de ser uma evidência e a cada dia novas fumadores dão os primeiros passos nessa forma de dependência.
De igual modo, a prevalência da sida é um problema global que alastra de forma quase incontrolável, mesmo em sociedades ocidentais. Portugal é um triste exemplo disso mesmo. Se em zonas mais deprimidas do globo, com grande escassez de recursos, é “natural” que a mensagem da prevenção encontre muitos obstáculos, isso torna-se gritante nas sociedade ditas mais desenvolvidas, onde há muitas pessoas que, sabendo dos riscos, não tomam as devidas precauções no que toca ao sexo seguro. E há muitos comportamentos discriminatórios em relação às pessoas infectadas que, para além de irracionais, são desumanos e eticamente inaceitáveis.
Outra das áreas em que se pode notar resistências à verdade científica é na da protecção do ambiente. De facto, apesar das evidências, tarda a dar-se uma mudança radical dos comportamentos, dos indivíduos e dos estados, para travar o actual processo de destruição ambiental que já começa a ter efeitos à escala global e que se agrava a um ritmo muito acelerado, tornando cada vez mais problemáticas as perspectivas futuras de recuperação.
E em relação a estes temas há muita polémica, apesar da sua importância e de estarem suficientemente iluminados pela ciência, pelo menos ao ponto de poderem ser tomadas medidas decisivas para enfrentar os problemas por eles levantados. No que respeita ao tabagismo, a intolerância face aos fumadores que tem alastrado da sociedade americana para o resto do mundo, em vez de permitir debelar o problema, tem criado um clima pouco propício a uma argumentação séria, pois se tudo fizermos para desacreditar o auditório que queremos convencer ou persuadir, estamos a minar o caminho da argumentação. Ninguém pode ser persuadido ou convencido através da força ou do terror. E depois há dois tipos de estratégia (ou mais) de persuasão: o antitabagismo militante enfrenta no terreno as estratégias persuasivas da industria tabaqueira que tem mais poder que muitos estados. E os impostos sobre o tabaco, dada a sua importância nas finanças públicas, credibilizam mais o hábito de fumar do que contribuem para fomentar a atitude contrária.
Contudo, o campo da argumentação persuasiva oferece perigos sérios para o desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades democráticas. Só pode haver um exercício pleno de direitos cívicos e antropológicos se as sociedades apostarem fortemente na educação e no fomento da autonomia dos seus cidadãos. O campo da argumentação persuasiva desde a antiguidade está ocupado pela retórica e nos nossos dias conhece uma enorme expansão com a publicidade, o marketing político, tendo já conhecido formas muito agressivas de propaganda, sustentáculo de regimes totalitários que semearam o terror e a destruição. Por isso é importante que não se perca de vista a necessidade duma ética do agir comunicativo, assente não respeito da dignidade de cada sujeito e pela liberdade individual, no quadro duma racionalidade integradora (compreensiva) e fomentadora da autonomia dos sujeitos racionais, assente, a par disto, na rejeição de todas as formas de autoritarismo, de dogmatismo e de fanatismo. Pois as sociedades democráticas só podem desenvolver-se com uma opinião pública esclarecida (grande bandeira do Iluminismo) e se todas as áreas de actividade política (o que é o mesmo que dizer, humana e social) estiverem submetidas ao princípio da necessidade, do carácter imprescindível, da livre discussão de tudo o que estiver relacionado com a vida da sociedade.
Por isso, é necessário desburocratizar os estados democráticos, pois a governação de gabinete fomenta o secretismo da tomada de decisões e leva ao favorecimento de interesses particulares (de empresas, de partidos, de organizações mais ou menos formalizadas), atrasa as decisões, obstaculizando a acção dos indivíduos dentro da esfera do Direito, e promove poderes fáticos não sujeitos a um controlo democrático nem a sufrágio.
Mesmo a um nível mais restrito, por exemplo nas organizações mais pequenas, como as escolas, por exemplo, a ausência de discussão das principais decisões sobre a sua vida, empobrece-as, torna-as monolíticas, incapazes de acolherem opiniões divergentes, pontos de vista diferenciados sobre os assuntos, ficando nas mãos de uns quantos iluminados. Quanto menos pessoas participarem nas discussões decisivas, mais eficazes se tornam os processos, mais arrumadas ficam as coisas, mas a chama da criatividade esmorece e com isso a solidariedade, a tolerância, a valorização da diferença, a promoção da igualdade, tornam-se ilusórias. E basta abrirmos os manuais de história para vermos como os espíritos amantes da organização e da eficácia, conceitos tão caros às actuais sociedades tecnocráticas, foram capazes de tanto… Daí a importância da ética.
Assim, deve-se rejeitar qualquer forma de manipulação. Se há pessoas que não conseguem seguir uma argumentação racional, a sociedade tem antes que promover a educação, a “ilustração”, não vale o argumento de que temos que decidir pelos que não sabem. Se há pessoas que não são capazes de compreender o que está em causa nas discussões decisivas, então esse é um problema que a sociedade tem que resolver, a bem da democracia.
Não investir na educação (investir a sério) é comprometer o futuro, embora seja compreensível que o exercício do poder se torne mais fácil sem uma opinião pública forte, mas a democracia não assenta no exercício do poder, mas na sua sustentação numa vontade colectiva que se exprime, mais do que através do voto sazonal, através da participação dos cidadãos na discussão dos temas decisivos. E “participar”, neste sentido, não é apenas tomar parte efectiva das decisões, mas também prestar atenção ao que se passa, seguir com atenção a vida da sociedade e as tomadas de decisão que a afectam. Daí a importância da publicitação de tudo o que é decisivo (podemos falar em “princípio da publicidade” – mas não nos estamos a referir aos anúncios publicitários, mas à necessidade de tudo ser publicamente apresentado, sem subterfúgios, nem segredos desnecessários). Ora, este “princípio da publicidade” só se cumpre se houver um respeito fundacional pelo dever de informar e pelo direito à informação.
Mas voltemos à argumentação. A ética do agir comunicativo assenta num pequeno conjunto de princípios que passamos a apresentar:
1. Argumentar pressupõe a rejeição de qualquer recurso à violência e à coacção. Quem participa numa discussão (seja como orador ou como membro do auditório) deve fazê-lo sem estar sujeito a qualquer pressão ou coação externa.
2. Os participantes duma situação argumentativa devem respeitar-se mutuamente e devem situar-se num plano de igualdade, assente no respeito da dignidade de cada ser humano e, também, da Razão, encarada como uma faculdade intersubjectiva, que se exerce no confronto livre de ideias. Assim, ninguém deve considerar-se dono da Razão.
3. Em qualquer situação argumentativa são inadmissíveis quaisquer formas de deturpação da verdade ou de adulteração dos argumentos. Uma argumentação faliciosa é inválida e é inadmissível.
4. Quem argumenta deve considerar o outro (os membros do seu auditório) em pé de igualdade e deve estar aberto aos argumentos dos outros, bem como à possibilidade de mudar de opinião. Por isso que argumenta deve fazê-lo com pleno respeito pela racionalidade.
5. Quem faz parte dum auditório deve analisar criticamente a argumentação que lhe é dirigida, tendo sempre em conta que a racionalidade é um exercício livre e responsável do pensamento e do discurso.
6. O que está em causa numa situação argumentativa são as teses e os argumentos, não as pessoas. Numa discussão séria todos ganham, mesmo os que mudam de opinião, pois através dela os seus participantes fortalecem a sua Razão e fomentam a racionalidade das suas decisões e das suas relações com os outros homens.
7. Sempre que alguém tenha que tomar uma decisão que tenha um impacto colectivo, deve submetê-la a discussão. Se isso for impossível dentro de determinado contexto, a decisão deve ser baseada na aceitabilidade da tese que lhe serve de base por parte de um auditório representativo da racionalidade colectiva. Ninguém deve decidir contra a vontade colectiva devidamente esclarecida. Por isso é necessário que a opinião pública seja devidamente informada de tudo o que lhe diz respeito.
No que se refere ao ponto 7 por vezes surgem situações interessantes que mostram o que está verdadeiramente em causa. Por exemplo, o antigo presidente de França, François Miterrand, teve uma filha ilegítima de cuja existência a opinião pública francesa só teve conhecimento após a sua morte. Levantou-se a discussão sobre se esse facto deveria ter sido tornado público quando François Miterrand exercia cargos públicos e se submeteu a sufrágio.
Na verdade, a comunicação social teve conhecimento do facto, mas o mesmo não foi publicado por nenhum órgão de comunicação. Pode afirmar-se que a comunicação social não cumpriu o seu dever?
A resposta a esta questão é complexa. Podemos afirmar sem problemas que numa sociedade democrática contemporânea a vida privada dos cidadãos, exerçam eles cargos públicos ou não, não tem interesse público, a não ser que envolva comportamentos criminosos ou anti-sociais. Com a laicização das sociedades democráticas, a moral sexual e o comportamento sexual dizem respeito à livre escolha dos indivíduos, devendo ser uma preocupação do estado e da opinião pública quando são cometidos crimes ou atentados à dignidade das pessoas (por isso a pedofilia é inadmissível e, nesse caso, o comportamento dos indivíduos já é do interesse público). No caso em apreço, a comunicação social só deveria publicar a notícia, se esse facto tivesse algum impacto negativo no comportamento de François Miterrand no exercício dos seus cargos públicos. Já houve situações em que governantes contaram segredos de estado a amantes. Mas aí o problema não está no adultério, mas na quebra da confidencialidade que é um dever imposto pelo exercício de cargos públicos (isto não colide com o que já foi afirmado acima, uma vez que há situações em que certos factos devem ser mantidos em segredo, quando está em causa a segurança nacional, por exemplo).
E é de todos conhecida a história de Bill Clinton e do seu relacionamento íntimo com uma estagiária. Mas isso dava pano para mangas… Fonte: http://www.espanto.info/av/ac.htm
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