Gustavo Mormesso de Abreu
É provável que você alguma vez já tenha ouvido falar em PARADIGMA. Essa palavra, comumente empregada em referência à ciência, cada vez mais vem sendo utilizada nos mais diversos argumentos e discussões, sejam de cunho filosófico ou espiritual. Lentamente, esse conceito vem adentrando nosso dia-a-dia, despertando novas indagações. O que tem a ver, porém, essa simples palavra com a vida de cada um de nós? O que há de tão importante nesse conceito para merecer o foco de nossa atenção?
Antes de responder a essa pergunta, vamos primeiramente levar nossa consciência ao passado, em busca da compreensão da origem do termo e de seus significados:
A palavra paradigma deriva do grego parádeigma, significando modelo, padrão, estalão.
Thomas Khun, físico e filósofo da ciência explora em sua Estrutura das Revoluções Cientificas, de 1962, a importância dos paradigmas para o desenvolvimento da chamada “ciência normal”. De acordo com sua exposição, os paradigmas atuam como conjuntos de regras, modelos e padrões responsáveis por sustentar e focar os esforços de obtenção de conhecimento científico. Seriam como “guias”, dando rumo às investigações dos cientistas.
A utilização de um paradigma, ou seja, de um conjunto específico de pressupostos teóricos, permitiria aos estudiosos deter sua atenção a questões mais profundas e detalhadas, investigando-os minuciosamente. De outro modo, sem o embasamento de um paradigma vigente, a ciência torna-se por demais tênue e inobjetiva, necessitando cada investigador desenvolver uma explicação a cerca de todos os fundamentos básicos do tema estudado.
O progresso do conhecimento científico dá-se através das chamadas revoluções científicas, ou trocas do paradigma vigente por um outro mais adequado. Essas revoluções surgem de crises geradas por anomalias, ou problemas graves cada vez mais freqüentes na explicação do paradigma vigente, surgindo a necessidade de substituição. Quando um novo paradigma emerge, capaz de melhor explicar os fenômenos e anomalias em questão, e este é aceito pela comunidade científica em sua maioria, ocorre uma revolução científica. Um exemplo dessa revolução foi a surgimento da física relativista proposta por Einstein, cuja explicação de mundo parecia mais acurada do que a explicação newtoniana anteriormente aceita.
A atuação e importância dos paradigmas não se resumem, porém, meramente a questões científicas. Esses valores, regras ou padrões estão de tal modo arraigados em nosso ser, que comandam cada ação e pensamento de nossa vida sem que sequer tomemos consciência de sua existência.
Pensemos por um instante em nossas ações diárias. Recordemo-nos dos momentos em que pagamos uma conta, entramos em uma igreja, realizamos um trabalho espiritual, beijamos nosso companheiro ou companheira, assistimos a uma aula. Lembremos também do modo como realizamos cada uma dessas tarefas, e façamos então a pergunta: o que nos levou a agir de tal modo e não de maneira diferente? Essa escolha entre atitudes foi baseada em experiência pessoal, ou aprendida de alguma outra forma?
Certamente é uma pergunta difícil de ser respondida. Não devido à alguma complexidade existente, pelo contrário, a questão é bem simples e direta. O que ocorre é que estamos tão condicionados a aceitar influências externas que não sabemos mais separar o que é verdadeiramente nosso e o que não é. Até porque o costume de olhar para si mesmo e observar-se profundamente não é freqüente nem estimulado.
A própria estrutura social em que vivemos, sob todos os aspectos, é grandemente responsável por tal comportamento. Nossa educação, seja básica, fundamental ou superior, é baseada em um método reprodutivo, de transmissão de informações prévias, onde não há espaço para questionamentos ou para formação de um conhecimento original. Através da educação paternal atual, do modelo “professor-aluno” de transmissão de conhecimentos - no qual os estudantes vão à aula unicamente para ouvir o que um professor irá dizer - e em tantos outros padrões espalhados por nossa sociedade, aprendemos a assimilar de modo subserviente e passivo o meio externo. Aprendemos a não questionar, nem o outro, nem nós mesmos. O curioso é que quando fazemos isso estamos na verdade nos esquecendo de viver!
Muito radical essa afirmação? Então atentemo-nos um pouco aos detalhes e levemos nossa consciência novamente ao passado e às ações diárias:
É provável que você se lembre muito bem de seu primeiro beijo, por exemplo. Pois bem, lembre-se agora de como surgiu essa ocasião do primeiro beijo. Faça um esforço, e tente lembrar de quantos anos você tinha, dos pensamentos que passavam por sua cabeça na época, e responda para você mesmo: Porque eu dei meu primeiro beijo com essa idade? Por necessidade, para que me sentisse bem? Claro, mas de onde surgiu essa necessidade? O que fez com que eu sentisse esse grande desejo ou curiosidade de beijar alguém? Busque a raiz de seu comportamento, vá até o mais fundo possível e tente perceber a origem da necessidade. Se era esta verdadeiramente devido a fatores internos, ou se era algo aprendido e gerado devido ao meio.
Pode parecer um exemplo bobo - bem provável que o seja -, mas se o leitor se atentar verá que pode ilustrar bem a situação que tento explanar. Continuemos, então, com algumas outras considerações;
Pensemos agora nos discursos que usamos diariamente, em cada argumento utilizado a cada diferente situação. O que dizemos é fruto de experiência, refletindo o que realmente vivenciamos, ou é mera reprodução de um discurso externo? Nossos pensamentos são realmente nossos, ou são ecos de vozes alheias, reproduzindo-se em nosso espaço mental?
Por mais difícil que seja, olhe atentamente. Lembre-se dos conselhos que damos aos amigos, das informações que passamos para frente. De onde tiramos essas informações? De nossa experiência? Ou passamos adiante algo que simplesmente lemos em algum lugar, ou ouvimos de um professor “competente”?
Quantas e quantas vezes emitimos julgamento sobre o discurso de outras pessoas, criticando-o, achando-o até absurdo, baseando-nos para isso em uma vivência que não é nossa, mas sim dos autores dos livros que lemos e das palestras que assistimos. Quantas vezes desconsideramos a pessoa por seus argumentos serem contrários aos nossos valores mais profundos, esquecendo que estes muitas vezes baseiam-se em pura CRENÇA.
Façamos um real balanço de nossa vida, de todo o conjunto de valores que possuímos e experiências por que passamos. Deixemos de lado por alguns instantes tudo o que aprendemos indiretamente durante toda a jornada de nossa vida, despojando-nos de todas as informações, pré-conceitos, valores e idéias introduzidos através de leitura, diálogos, ou qualquer outro meio externo. Façamos isso, e respondamos honestamente: O que sobrou? Quanto de nosso ser é realmente nosso, fruto de verdadeira experiência, obtida diretamente? De quem é a vida que vivemos nesse momento?
Provavelmente nos surpreenderemos com a resposta. Estamos tão acostumados a acreditar em tal sorte de coisas, tão habituados a tomar tantas e tantas crenças como verdades incontestáveis que acabamos por não nos preocupar em vivenciar o que aprendemos. Acreditamos firmemente quando cientistas nos dizem que a matéria é composta por átomos, mesmo que estes nunca tenham sido verdadeiramente vistos. Afirmamos certeza ao discursar sobre os mais detalhados aspectos de teorias religiosas e espirituais, mesmo que não tenhamos vivenciado plenamente a realidade das palavras que proferimos, ou dos fenômenos que ocupamo-nos em explicar.
Essas crenças básicas que caracterizam a nossa vida, fazendo parte da maioria absoluta de nosso repertório de experiências, são na verdade os paradigmas a que este texto se refere. Como pôde ser visto, não se trata apenas de um conjunto de regras e padrões determinantes de um contexto científico. Muito além disso, trata-se das unidades básicas pelas quais geralmente formamos as nossas idéias e opiniões. O nosso contato com esse termo inusual é certamente muito maior do que poderíamos anteriormente imaginar.
Não quero com essas palavras dizer que os paradigmas são de todo ruins ou indesejáveis. Pelo contrário, eles têm grande utilidade, pois nos permitem focar certos objetivos, investir melhor nosso tempo. Podemos mesmo dizer que a nossa forma atual de vida seria impossível sem a presença de paradigmas. (ou não será isso um paradigma?)
O importante é atentar-se a eles, entender a sua origem e as conseqüências de cada valor internalizado. É ser coerente e verdadeiro para consigo mesmo, buscando a experiência de modo direto e não por mera reprodução de experiências alheias. É construir os valores através de uma experiência pessoal, deixando de ACREDITAR e passando a SABER.
O modo pelo qual a sabedoria se dá não importa. A certeza vem, de dentro, e por todos os lados, cabendo a cada um descobrir como buscá-la.
Possamos primeiramente ter coragem e discernimento para aceitar a ignorância sobre nosso próprio ser e o mundo. A partir daí, possamos buscar juntos a sabedoria, o verdadeiro conhecimento sobre a realidade que nos cerca. Quando essa busca se originar de dentro, de dentro também a experiência virá. Deixaremos então de pensar por pensar, e passaremos a sentir. Deixaremos de acreditar, e passaremos a saber. Deixaremos, por fim, de nos imaginar. Passaremos a ser, simplesmente SER.
Fonte: www.viciadosemlivros.com.br
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