Para o pensador grego, só voltando-se para seu interior o homem chega à sabedoria e se realiza como pessoa
Márcio Ferrari (novaescola@atleitor.com.br)
O pensamento do filósofo grego Sócrates (469-399 a.C.) marca uma reviravolta na história humana. Até então, a filosofia procurava explicar o mundo baseada na observação das forças da natureza. Com Sócrates, o ser humano voltou-se para si mesmo. Como diria mais tarde o pensador romano Cícero, coube ao grego "trazer a filosofia do céu para a terra" e concentrá-la no homem e em sua alma (em grego, a psique). A preocupação de Sócrates era levar as pessoas, por meio do autoconhecimento, à sabedoria e à prática do bem. Nessa empreitada de colocar a filosofia a serviço da formação do ser humano, Sócrates não estava sozinho. Pensadores sofistas, os educadores profissionais da época, igualmente se voltavam para o homem, mas com um objetivo mais imediato: formar as elites dirigentes. Isso significava transmitir aos jovens não o valor e o método da investigação, mas um saber enciclopédico, além de desenvolver sua eloqüência, que era a principal habilidade esperada de um político. Sócrates concebia o homem como um composto de dois princípios, alma (ou espírito) e corpo. De seu pensamento surgiram duas vertentes da filosofia que, em linhas gerais, podem ser consideradas como as grandes tendências do pensamento ocidental. Uma é a idealista, que partiu de Platão (427-347 a.C.), seguidor de Sócrates. Ao distinguir o mundo concreto do mundo das idéias, deu a estas status de realidade; e a outra é a realista, partindo de Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão que submeteu as idéias, às quais se chega pelo espírito, ao mundo real.
Biografia
Sócrates nasceu em Atenas por volta de 469 a.C. Adquiriu a cultura tradicional dos jovens atenienses, aprendendo música, ginástica e gramática. Lutou nas guerras contra Esparta (432 a.C.) e Tebas (424 a.C.). Durante o apogeu de Atenas, onde se instalou a primeira democracia da história, conviveu com intelectuais, artistas, aristocratas e políticos. Convenceu-se de sua missão de mestre por volta dos 38 anos, depois que seu amigo Querofonte, em visita ao templo de Apolo, em Delfos, ouviu do oráculo que Sócrates era "o mais sábio dos homens". Deduzindo que sua sabedoria só podia ser resultado da percepção da própria ignorância, passou a dialogar com as pessoas que se dispusessem a procurar a verdade e o bem. Em meio ao desmoronamento do império ateniense e à guerra civil interna, quando já era septuagenário, Sócrates foi acusado de desrespeitar os deuses do Estado e de corromper os jovens. Julgado e condenado à morte por envenenamento, ele se recusou a fugir ou a renegar suas convicções para salvar a vida. Ingeriu cicuta e morreu rodeado por seus amigos, em 399 a.C.
Ensino pelo diálogo Nas palavras atribuídas a Sócrates por Platão na obra Apologia de Sócrates, o filósofo ateniense considerava sua missão "andar por aí (nas ruas, praças e ginásios, que eram as escolas atenienses de atletismo), persuadindo jovens e velhos a não se preocuparem tanto, nem em primeiro lugar, com o corpo ou com a fortuna, mas antes com a perfeição da alma". Defensor do diálogo como método de educação, Sócrates considerava muito importante o contato direto com os interlocutores – o que é uma das possíveis razões para o fato de não ter deixado nenhum texto escrito. Suas idéias foram recolhidas principalmente por Platão, que as sistematizou, e por outros filósofos que conviveram com ele. Sócrates se fazia acompanhar freqüentemente por jovens, alguns pertencentes às mais ilustres e ricas famílias de Atenas. Para Sócrates, ninguém adquire a capacidade de conduzir-se, e muito menos de conduzir os demais, se não possuir a capacidade de autodomínio. Depois dele, a noção de controle pessoal se transformou em um tema central da ética e da filosofia moral. Também se formou aí o conceito de liberdade interior: livre é o homem que não se deixa escravizar pelos próprios apetites e segue os princípios que, por intermédio da educação, afloram de seu interior.
O Nascimento das idéias, segundo o filósofo
Sócrates comparava sua função com a profissão de sua mãe, parteira – que não dá à luz a criança, apenas auxilia a parturiente. "O diálogo socrático tinha dois momentos", diz Carlos Roberto Jamil Cury, professor aposentado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O primeiro corresponderia às "dores do parto", momento em que o filósofo, partindo da premissa de que nada sabia, levava o interlocutor a apresentar suas opiniões. Em seguida, fazia-o perceber as próprias contradições ou ignorância para que procedesse a uma depuração intelectual. Mas só a depuração não levava à verdade – chegar a ela constituía a segunda parte do processo. Aí, ocorria o "parto das idéias" (expresso pela palavra maiêutica), momento de reconstrução do conceito, em que o próprio interlocutor ia "polindo" as noções até chegar ao conceito verdadeiro por aproximações sucessivas. O processo de formar o indivíduo para ser cidadão e sábio devia começar pela educação do corpo, que permite controlar o físico. Já para a educação do espírito, Sócrates colocava em segundo plano os estudos científicos, por considerar que se baseavam em princípios mutáveis. Inspirado no aforismo "conhece-te a ti mesmo", do templo de Delfos, julgava mais importantes os princípios universais, porque seriam eles que conduziriam à investigação das coisas humanas.
Opondo-se ao relativismo de muitos sofistas, para os quais a verdade e a prática da virtude dependiam de circunstâncias, Sócrates valorizava acima de tudo a verdade e as virtudes – fossem elas individuais, como a coragem e a temperança, ou sociais, como a cooperação e a amizade. O pensador afirmava, no entanto, que só o conhecimento (ou seja, o saber, e não simples informações isoladas) conduz à prática da virtude em si mesma, que tem caráter uno e indivisível. Segundo Sócrates, só age erradamente quem desconhece a verdade e, por extensão, o bem. A busca do saber é o caminho para a perfeição humana, dizia, introduzindo na história do pensamento a discussão sobre a finalidade da vida. O despertar do espírito O papel do educador é, então, o de ajudar o discípulo a caminhar nesse sentido, despertando sua cooperação para que ele consiga por si próprio "iluminar" sua inteligência e sua consciência. Assim, o verdadeiro mestre não é um provedor de conhecimentos, mas alguém que desperta os espíritos. Ele deve, segundo Sócrates, admitir a reciprocidade ao exercer sua função iluminadora, permitindo que os alunos contestem seus argumentos da mesma forma que contesta os argumentos dos alunos. Para o filósofo, só a troca de idéias dá liberdade ao pensamento e a sua expressão – condições imprescindíveis para o aperfeiçoamento do ser humano.
A capital da democracia e do saber
Sob o governo de Péricles (499-429 a.C.), a cidade-estado de Atenas, vitoriosa na guerra contra os persas e enriquecida pelo comércio marítimo, tornou-se o centro cultural do mundo grego, para o qual convergiam os talentos de toda parte. Fídias, o arquiteto e escultor que dirigiu as obras do Partenon, o maior templo da Acrópole, os dramaturgos Sófocles, Ésquilo, Eurípedes e Aristófanes e o orador Demóstenes são nomes dessa época. O regime democrático ateniense – restrito aos cidadãos livres, deixando de fora estrangeiros e escravos – foi fortalecido por reformas que limitaram os poderes da burguesia rica e ampliaram os da assembléia e do júri popular. A educação artística do povo foi estimulada pela exibição de obras de arte em locais públicos e pelas representações teatrais.
Para pensar
Ao eleger o diálogo como método de investigação, Sócrates foi o primeiro filósofo a se preocupar não só com a verdade mas com o modo como se pode chegar a ela. Eis por que ele é considerado por muitos o modelo clássico de professor. Quando você prepara suas aulas, costuma levar em conta a necessidade de ajudar seus alunos a desenvolver procedimentos para que possam pensar por si mesmos?
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História da Educação na Antigüidade, Henri-Irénée Marrou, 656 págs., Ed. EPU, tel. (11) 3168-6077, 135 reais Paidéia - A Formação do Homem Grego, Werner Jaeger, 1413 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 101,40 reais Sócrates, coleção Os Pensadores, Ed. Nova Cultural, tel. (11) 3039-0900 (edição esgotada) Sócrates, Rodolfo Mondolfo, Ed. Mestre Jou (edição esgotada)
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/mestre-busca-verdade-423245.shtml
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