Diógenes e Alexandre, o grande.
A princípio denominei o título desse singelo fragmento de “Diógenes, o zombador social”. E na verdade calhava bem esse título. Adiante veremos isso, pois o que se segue é um resgate do anedotário e lendas que a história da Filosofia fez questão de gravar em seus arquivos, a fim de que os pósteros de Diógenes não olvidassem o seu nome. Entretanto, a ironia platônica ao filósofo, justificou tal mudança: um dia quando perguntaram a Platão o que ele achava de Diógenes, a resposta foi: “um Sócrates louco.”[2] Veremos por quê.
Diógenes de Sinope, o cínico (c.400 – c.325 a.C.), viveu uma vida de total desdém às convenções sociais de seu tempo. Algumas peculiaridades de sua vida são descritas por seu homônimo Diógenes Laércio em Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Este nos conta de Diógenes que seu traje era uma túnica, um alforje e um bastão. Era extremamente pobre e dependente das esmolas e benemerência de seus compatriotas. “Em certa ocasião – diz-nos Laércio – Diógenes escreveu a alguém pedindo-lhe para arranjar uma pequena casa; em face da demora dessa pessoa ele passou a morar num tonel existente no Metrôon, de acordo com suas próprias afirmações em suas cartas.”[3]
Conta, ainda, Teôfrastos no seu Megárico que “certa vez Diógenes, vendo um rato correr de um lado para o outro, sem destino, sem procurar um lugar para dormir, sem medo das trevas e não querendo nada do que se considera desejável, descobriu um remédio para suas dificuldades.”[4]
Sem dúvida, Diógenes era um homem de se admirar por suas tiradas e estilo de vida. Não obstante, o povo de Atenas o amava. “Tanto era assim que quando um rapaz lhe quebrou o tonel os atenienses surraram o rapaz e deram outro tonel a Diógenes.”[5] Com efeito, o próprio filósofo “dizia que todas as maldições da tragédia haviam caído sobre ele e de qualquer modo era um homem ‘sem cidade, sem lar, banido da pátria, mendigo, errante, na busca diuturna de um pedaço de pão.”[6]
Ademais, Laércio diz que o cínico Diógenes “no verão rolava sobre a areia quente, enquanto no inverno abraçava as estátuas cobertas de neve querendo por todos os meios acostumar-se às dificuldades.”[7] Em meio a um estilo de vida que parecerá ao homem moderno uma desgraça, foi Diógenes um homem livre e admirado no seu tempo.
Em suma, viveu uma vida de disciplina e aversão aos prazeres mundanos. Em seu tempo foi um zombador social; viveu isolado e resignadamente sem casa e dinheiro, portanto pobre e sem teto. Seus bens mais valiosos eram o tonel onde morava, um alforje e sua lanterna, usada para “procurar um homem justo no mundo”.
Sabe-se que quando Alexandre, o grande, ao se encontrar[8] com Diógenes na ocasião de seu banho de sol, teria dito o imperador ao filósofo: “Não sabes quem sou?” Ao ser ignorado, Alexandre emendou: “Sou Alexandre, o grande. Pede-me, agora, o que queres”. Diógenes respondeu: “Devolva o meu sol”. Por fim murmurou o imperador: “Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes”.
Outras curiosidades[9] sobre Diógenes:
- Quando foi capturado e posto à venda como escravo perguntaram-lhe o que sabia fazer, “Comandar homens”, disse ele, e deu ordens ao leiloeiro para chamá-lo no caso de alguém querer comprar um senhor.
- Certa vez Diógenes gritou: “Atenção homens!”, e quando muita gente acorreu, ele brandiu o seu bastão dizendo: “Chamei homens, e não canalhas!”
- Platão definira o homem como um animal bípede, sem asas, e recebeu aplausos; Diógenes depenou um galo e o levou ao local das aulas, exclamando: “Eis o homem de Platão!”
- A alguém que lhe perguntou a que horas devia almoçar, sua resposta foi: “Se fores rico, quando quiseres; se fores pobre, quando puderes.”
- A alguns jovens que o cercavam e diziam: “Cuidado para que não nos morda!”, ele falou: “Um cão não come acelga.”
- A certa pessoa que considerava Calistenes feliz porque desfrutava do esplendor do séquito de Alexandre, o Grande, ele ponderou: “Calistenes é sem dúvida infeliz, pois almoça e janta quando Alexandre tem vontade.”
- Em certa ocasião, quando se masturbava em plena praça do mercado, disse: “Seria bom se, esfregando também o estômago, a fome passasse!”
- Quando alguém o reprovou por seu exílio sua resposta foi: “Mas me dediquei à filosofia por causa disso, infeliz!”
- Em certa ocasião pediu uma esmola a uma estátua; a alguém que lhe perguntou a razão do pedido o filósofo explicou: “Para habituar-me a pedir em vão.”
- A alguém que lhe disse: “Muita gente ri de ti”, sua resposta foi: “Mas eu não rio de mim mesmo.”
Outras narrativas há sobre as tiradas e ditos do cínico Diógenes. Qualquer semelhança entre Sócrates louco e Diógenes é mera coincidência. Será?
BIBLIOGRAFIA
LAÊRTIOS, Diógenes. Vida e doutrina dos filósofos ilustres. Trad. Mário da Gama Kury. 2 ed. Brasília: Editora UNB, 2008
[1] Professor de Filosofia na rede pública do DF. Bacharelando em Direito. Autor de vários artigos nas áreas da Filosofia e do Direito.
[3] Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, p. 158
[4] Apud. LAÉRCIO, Diógenes. Op cit. loc.cit.
[5] LAÉRCIO, Diógenes. Ibidem, p. 163
[6] Idem, ibidem, p. 161
[7] Idem, p. 158
[8] Diógenes Laércio dá detalhes desse encontro e, ainda, conta-nos: “Em certa ocasião Alexandre, o Grande, ficou à sua frente e perguntou-lhe: “Não me temes?” Sua resposta foi: “Que és tu ? Um bem ou um mal?” Alexandre respondeu: “Um bem.” Então Diógenes concluiu: “E quem teme um bem?”
Imagem http://harrynasaladejustica.blogspot.com/2009/11/diogenes-e-como-acabar-com-fome.html
***Agradeço pela oportunidade de publicar mais um excelente texto, de autoria do Professor e Filósofo José Fernandes P. Júnior.
***Agradeço pela oportunidade de publicar mais um excelente texto, de autoria do Professor e Filósofo José Fernandes P. Júnior.