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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Michel de Montaigne - O investigador de si mesmo

Interiorizar-se, duvidar e entrar em contato com outros costumes e pontos de vista são as recomendações do filósofo francês para uma boa formação

Foto: AFP/ROGER VIOLLET
Foto: AFP/Roger Viollet
O período histórico da Renascença estava em sua última fase quando o escritor francês Michel de Montaigne (1533-1592) chegou à vida adulta. O otimismo e a confiança nas possibilidades humanas já não eram os mesmos e a Europa se desestabilizava em conseqüência dos conflitos entre católicos e protestantes. Esse ambiente refletiu-se na produção do filósofo, marcada pela dúvida e pelo ceticismo. Seus Ensaios são leitura de cabeceira de um grande número de intelectuais contemporâneos, entre eles Claude Lévi-Strauss, Edgar Morin e Harold Bloom.

A obra, originalmente em três volumes, é, a rigor, a única de Montaigne – mais alguns escritos pessoais foram publicados depois de sua morte – e inaugurou um gênero literário. A palavra "ensaio" passou desde então a designar textos em torno de um assunto que vai sendo explorado por meio de tentativas (esse é o significado da palavra essais em francês), mas sem rigores de método. Muitas vezes, não chegam a nenhuma conclusão definitiva, mas convidam o leitor a considerar alguns pontos de vista. No caso de Montaigne, o gênero serve à perfeição ao propósito de contestar certezas absolutas.

Biografia

Michel de Montaigne nasceu em 1533 perto de Bordeaux, no sudoeste da França. Foi educado em casa e até os 6 anos só falava e entendia latim. Formou-se em Direito na Universidade de Toulouse e imediatamente ingressou na magistratura. Aos 24 anos, conheceu o escritor Étienne de la Boétie (1530-1563), com quem desenvolveu fortes laços de amizade. A morte de La Boétie causou um abalo emocional que o levou a começar a escrever. Em 1570, ele vendeu sua vaga no Parlamento (que na verdade tinha funções de tribunal) de Bordeaux, como era costume na época, e retirou-se da vida pública. Passou então a dedicar-se a escrever os Ensaios, que ele reelaborou e ampliou continuamente. Durante esse período, Montaigne alternou o recolhimento a seu castelo com idas a Paris para dar conselhos aos funcionários do reino sobre os conflitos religiosos. Em 1580, começou uma viagem de 15 meses por vários países da Europa. No ano seguinte, soube que havia sido escolhido prefeito de Bordeaux. Assumiu o cargo e manteve-o durante quatro anos. Morreu em 1592, em seu castelo, de uma inflamação nas amígdalas.
Dois dos Ensaios tratam especificamente de educação: Do Pedantismo e Da Educação das Crianças. Neles está claro que o autor pertencia a uma classe emergente, a burguesia, e que se rebelava contra certos padrões de erudição e exibicionismo intelectual ligados à aristocracia. Montaigne assumia também o papel de crítico tanto dos excessos de abstração da filosofia escolástica da Idade Média – que ainda sobrevivia nas universidades – quanto da cultura livresca do humanismo renascentista.

Essas circunstâncias históricas não necessariamente limitam os argumentos do autor, que foi o primeiro a falar numa "cabeça bem-feita" (expressão que Morin escolheu para título de um de seus livros) como objetivo do ensino, em detrimento de uma "cabeça cheia". "Trabalhamos apenas para encher a memória, deixando o entendimento e a consciência vazias", escreveu. Saber articular conhecimentos, tirar conclusões, acostumar-se à aquisição e ao uso da informação – todas essas questões tão problematizadas pelos teóricos da educação de hoje em dia estão no cerne das preocupações de Montaigne. "Para ele, a verdadeira formação residia em saber procurar, duvidar, investigar e exercitar o que é inteiramente próprio de cada pessoa", diz Maria Cristina Theobaldo, professora da Universidade Federal de Mato Grosso.

Longe dos pais e perto da vida
O castelo onde Montaigne se isolou para escrever: introspecção pedagógica. Foto: AFP/Roger Viollet
O castelo onde Montaigne se isolou para
escrever: introspecção pedagógica.
Foto: AFP/Roger Viollet

Para Montaigne, as crianças não devem ser educadas perto dos pais, porque sua afeição torna os filhos "demasiadamente relaxados" e isso não os prepara "para a aventura da vida". O objetivo principal da educação seria permitir à criança a formulação de julgamentos próprios sem ter que aceitar acriticamente as leituras que a escola recomenda. "No trabalho de transformar o que está nos livros em letra viva, o preceptor tem papel fundamental", diz Maria Cristina Theobaldo. A receita ideal para treinar a capacidade de análise é acostumar-se a considerar opiniões diferentes e acima de tudo conhecer culturas e experiências diversas daquelas a que o aluno se familiarizou. É o que Montaigne descreve como "atritar e polir nosso cérebro contra o de outros". O filósofo se rebelava contra a cobrança de memorização mecânica dos conteúdos ensinados aos alunos. "É prova de crueza e de indigestão regurgitar o alimento como foi engolido", escreveu. Segundo ele, as crianças devem aprender o quanto antes a filosofia, porque assim entram em contato com a necessidade de conhecer a prudência e a moderação. E também conhecer a si mesmos por meio da introspecção. O pensador relegava a segundo plano o ensino das Ciências, recomendando-o apenas aos que tivessem habilidade natural para ocupar-se dela profissionalmente. Já a História e a Literatura teriam função formadora mais ampla, inclusive do caráter.

"Que sei eu?" 


O projeto intelectual do filósofo teve a finalidade de testar maneiras de pensar que escapassem do caminho da erudição e da aplicação de idéias alheias. Quando se recolheu para escrever os Ensaios, sua decisão era voltar-se para si mesmo e reconstruir a própria história por intermédio de temas escolhidos ao acaso. "Em Montaigne, o processo formativo coincide com o conhecimento de si, lançar-se nas experiências e tomar posição perante os acontecimentos da vida", informa Maria Cristina.

Ao mergulhar em assuntos tão díspares quanto a perseverança e os odores, o autor realizou investigações que misturam experiências de vida a conhecimentos adquiridos por todos os meios, dos formais (tratados e clássicos literários) aos informais (conversas, leituras ligeiras, lendas populares). A primeira pergunta é "que sei eu?", para começar com uma grande dúvida e não com uma grande certeza – nem mesmo a certeza de não saber nada. Como cronista, Montaigne invariavelmente se declara ignorante e inculto, embora seus ensaios estejam recheados de citações gregas e latinas – uma das muitas contradições propositais que os tornam tão ricos.
A sabedoria dos canibais
Tupinambás em ritual de antropofagia retratado por Théodore de Bry: Montaigne desafia o senso comum. Foto: Corbis /Stock Photos
Tupinambás em ritual de antropofagia
retratado por Théodore de Bry: Montaigne
desafia o senso comum.
Foto: Corbis /Stock Photos

Em 1582, Nicolas Durand de Villegagnon, o líder da expedição naval que tentou fundar no Brasil a França Antártica, levou três caciques tupinambás à corte do rei Carlos IX. Montaigne estava presente e a visita originou o ensaio Dos Canibais. Em vez de manifestar horror aos costumes dos indígenas, como seria esperado de um intelectual católico, o pensador comparou-os aos europeus e concluiu que os supostos selvagens lhes eram superiores, graças à coerência com a própria cultura, à dignidade e ao senso de beleza. Os verdadeiros selvagens, segundo eles, eram os europeus, que estavam promovendo banhos de sangue não só em suas conquistas na América como nas guerras religiosas. Sobre o encontro com os tupinambás, Montaigne narra duas observações feitas pelos índios, uma sobre a estranheza que lhes causava o fato de tantos homens adultos, barbudos e armados se submeterem à autoridade de uma criança (o monarca tinha 12 anos) e outra a respeito de ter-lhes chamado a atenção que algumas pessoas na França eram visivelmente bem-alimentadas, enquanto outras mendigavam. Diz o escritor que os visitantes indagavam como os miseráveis "podiam suportar tal injustiça sem agarrar os outros pelo pescoço ou atear fogo em suas casas".
Leitor devoto da tradição filosófica cética, Montaigne foi partidário da idéia de que a razão por si mesma não garante a existência de nada nem sustenta argumento algum. O homem, para ele, não era o centro do universo, como queriam os renascentistas, mas um elemento ínfimo e ignorante de um todo misterioso e muito mais próximo dos animais e das plantas do que de Deus. A escrita amena e ponderada dos Ensaios muitas vezes impede que, numa primeira leitura, se perceba seu potencial demolidor – tanto que a obra só foi proibida pela Igreja mais de 80 anos após a morte do autor. Não que ele fosse ateu. Considerava-se cristão, mas não aceitava dogmas nem, sobretudo, a lógica que a religião costuma imputar aos desígnios divinos. Daí que só resta ao ser humano voltar-se para si, porque as únicas certezas que tem de antemão se referem aos limites do corpo e à inevitabilidade da morte. Sobre o mundo exterior, a melhor atitude é comportar-se sempre como um estrangeiro em seu primeiro dia numa terra estranha – pelo menos evitam-se as idéias preconcebidas e legitimadas apenas pela tradição.

Coerentemente com tais idéias, Montaigne chegou a uma concepção de ética que também difere muito das idéias estabelecidas em sua época sob a influência do platonismo e do cristianismo. Para o filósofo, os valores morais não podem ser objetivos e universais, mas dependem do sujeito e da situação em que ele se encontra.

Para pensar

A escola costuma dar, com razão, muita ênfase à sociabilidade. Afinal, essa é a essência da instituição ao reunir pessoas em torno de objetivos comuns. Mas a vida humana se faz também de reflexão e introspecção. Você já pensou que é importante deixar esse caminho aberto a seus alunos mesmo num ambiente movimentado como a sala de aula?
Quer saber mais?
A Educação das Crianças, Michel de Montaigne, 144 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 19,40 reais
Ensaios, Michel de Montaigne, vols. 1 e 2, coleção Os Pensadores, 512 págs. e 400 págs., Ed. Nova Cultural, tel. (11) 3039-0933, 19,90 reais, cada volume
Montaigne, Marcelo Coelho, 96 págs., Ed. Publifolha, tel. (11) 3224-2186, 17,90 reais
Montaigne em Movimento, Jean Starobinski, 328 págs., Ed. Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500, 35 reais
Fonte:
Prática pedagógica História geral
Edição 022 | 10/2008- Revista Nova Escola

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Qual o atual papel da filosofia?

Por muitos séculos, ela foi um forma global de conhecimento. Hoje, aliada à ética, assume um papel crítico em relação aos conhecimentos especializados

Eliza Kobayashi

Foto: Bettmann/Corbis /Stock Photos
Aristóteles, um dos principais filósofos da Grécia Antiga, era médico, biólogo, matemático e astrônomo Foto: Bettmann/Corbis /Stock Photos

A palavra filosofia vem do grego “filos” (amor ou amigo) e “sofia” (conhecimento, sabedoria, verdade), e é geralmente traduzida como “amigo da sabedoria” ou “amor ao conhecimento”. Ela nasceu na Grécia Antiga no século 6 a.C., como um meio de buscar conhecimentos diferentes daqueles apresentados pela mitologia, num tempo onde a religião explicava desde os fenômenos da natureza até os fatos do cotidiano. “O mundo era interpretado pela mitologia, por isso existiam deuses para tudo. A resposta para as coisas eram sempre 'porque deus quis'. Chegou um momento, no entanto, em que o mito não dava mais conta de explicar tantas novidades”, diz o professor Marcelo Bueno, coordenador do curso de Graduação em Filosofia do Centro de Ciências e Humanidades da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele explica que a grande procura dos primeiros filósofos era a busca da verdade de modo racional.

Antes do aparecimento da ciência como a temos hoje, a filosofia foi a única forma de conhecimento no mundo durante muitos séculos. Os filósofos tratavam o conhecimento de forma geral e explicavam um pouco sobre tudo. “Aristóteles, por exemplo, era filósofo, médico, biólogo, matemático e astrônomo”, cita o professor. Foi a partir de Galileu Galilei, no século 17, que a filosofia começou a se fragmentar. “Galileu percebeu que, especializando-se em uma parte do conhecimento, aproximava-se mais da verdade, e que a ideia de estudar um pouco de tudo fazia com que nos afastássemos dela, porque não se tinha a essência nem a profundidade de nada”, conta Marcelo. Assim, o conhecimento passou a ser fragmentado, e as pessoas se tornaram especialistas em partes dele. “No mundo contemporâneo, esse pensamento ainda é muito presente, a ponto de alguém dizer que tal coisa ser provada cientificamente significa que é verdade”. E a filosofia, como ficou? “Ela continua tratando o conhecimento como um todo”, responde Marcelo Bueno. “Hoje, a ciência faz bem o seu papel de buscar avanços na tecnologia e nas nossas vidas, trazendo conforto e cura de doenças. O mundo avançou graças a ela, isso é inegável. O grande problema é que temos pessoas cada vez mais especialistas, mas que ficam de fora do conhecimento geral, ou seja, alienadas”. Como exemplo, ele cita a criação das armas nucleares ou as descobertas genéticas sobre a clonagem. “Se isso vai ser usado em benefício ou não do homem já não é mais um problema da física, da química ou da medicina. É da ética, da filosofia. Ou seja, a ciência faz o papel da melhoria da qualidade de vida e do mundo, mas a consequência que isso traz ao homem é uma questão filosófica”, explica. Por isso, hoje não temos mais a figura do filósofo que faz descobertas e traz novas teorias, como antigamente. “São muito poucos. Surgir grandes filósofos é difícil, porque no mundo contemporâneo já está tudo meio que pronto, e vamos apenas melhorando, aperfeiçoando”, diz Marcelo. "O que temos são grandes comentadores e professores de filosofia, que têm hoje a função de criticar as consquências que a ciência produz", finaliza.

Fonte: Revista Nova Escola - Julho 2009 - http://revistaescola.abril.com.br/historia/fundamentos/filosofia-488722.shtml

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Agir com autonomia

Muitos se queixam da "falta de liberdade" sem levar em consideração que a liberdade é sempre relativa

(gestao@atleitor.com.br)

TEREZINHA AZERÊDO RIOS "Qual é o espaço que  a escola tem para exercer sua autonomia? Vejo no projeto pedagógico a expressão mais privilegiada para essa prática." Foto: Marcos Rosa
TEREZINHA AZERÊDO RIOS "Qual é o espaço que a escola tem para exercer sua autonomia? Vejo no projeto pedagógico a expressão mais privilegiada para essa prática." Foto: Marcos Rosa

Em encontros com diretores de escolas, supervisores e coordenadores pedagógicos, ouvem-se com muita frequência queixas como "a gente não tem autonomia!" e "os gestores não têm liberdade porque precisam dar satisfação de suas ações à Secretaria da Educação, à comunidade etc." Ora, autonomia e liberdade são palavras-chave do trabalho educativo. Na verdade, são também da ação humana. Como, então, encarar essas reclamações? Será que os educadores têm razão nas colocações? Ou não estão sabendo aproveitar a autonomia que têm? Vamos analisar juntos.

A liberdade é o aspecto que distingue os seres humanos dos outros animais. Enquanto estes estão submetidos a um determinismo, nós conseguimos interferir na natureza e criar a cultura e a história. Ser livre, no entanto, não significa não ter limites. Somos livres juntamente com os outros e, portanto, somos responsáveis – temos de responder por nossas ações e ter consciência de suas implicações. O exercício da liberdade se dá sempre em situações de convívio e de relacionamento. Por isso, ninguém é livre sozinho.

Há um caminho que vai da heteronomia - quando alguém obedece às regras impostas passivamente - à autonomia - em que os valores considerados significativos se internalizam ou, num exercício crítico, são criados outros. É importante destacar que autonomia não é independência. Ela é sempre relativa - e isso não quer dizer que seja pouca. Significa, sim, que se configura pela relação e pode ser ampliada quando descobrimos - ou inventamos - possibilidades de atuação que fortaleçam a afirmação da cidadania, de uma articulação estreita de direitos e deveres e de um trabalho efetivamente coletivo. Qual é o espaço que a escola tem para exercer sua autonomia? Vejo no projeto pedagógico a expressão mais privilegiada para essa prática. É em sua elaboração que se criam condições de contemplar as necessidades e os desejos do conjunto dos educadores envolvidos e da comunidade. Num processo participativo e de articulação orgânica com os outros, cada um realiza sua tarefa. É isso que faz com que esse projeto se configure como uma intervenção livre - e autônoma! - de todos, considerando as diretrizes existentes e fazendo um exercício de criação e de formação contínua, compromissado com o aprimoramento da qualidade da Educação. Cabe ao gestor, como articulador do projeto, empenhar-se no sentido de que a ação livre (o empreendimento autônomo) se dê num movimento de construção coletiva do bem comum, que é o objetivo principal do trabalho educativo.

TEREZINHA AZERÊDO RIOS (gestao@atleitor.com.br) é professora do programa de pós-graduação em Educação da Universidade 9 de Julho.

Fonte: Gestão Escolar Edição 002-| Junho 2009

http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/diretor/agir-autonomia-483505.shtml

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