segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Epicurismo: o prazer como missão


A doutrina da antiguidade clássica pregava a satisfação (moderada) e zombava do destino.


por Liliane Prata*

Os gregos antigos estavam habituados a fazer uma série de especulações místicas e filosóficas a respeito da morte. No campo supersticioso, a vontade dos deuses e os caprichos do destino permeavam explicações para o fim da vida. Na filosofia, discutia-se a ligação da alma com o corpo e ensinavam-se maneiras de se lidar com o medo da morte. Sócrates (470-399 a.C.), diante da preocupação acerca do tema, ensinava que “filosofar é aprender a morrer”. Mas, no fim do século IV a.C., eis que uma escola inovadora abria suas portas ou, melhor dizendo, seus jardins, em Atenas. O mestre, Epicuro (341-270 a.C.), não só considerava sem sentido as angústias em relação à morte, como ria do destino e pregava que o sentido da vida era o prazer. Nascia o epicurismo.
O papel da filosofia, para Epicuro, é bem claro: cuidar da saúde da alma. Assim como a medicina precisa se ocupar dos males do corpo, a filosofia só tem valor se cuidar dos da alma, longe de consistir num discurso vazio e abstrato. O discípulo Diógenes de Oenoanda resumiu a sabedoria do mestre em quatro “remédios” de cunho bem prático: 1) Os deuses não devem ser temidos; 2) A morte não deve amedrontar; 3) O bem é fácil de ser obtido; 4) E o mal, fácil de suportar.
Comecemos pelo não temor aos deuses. Epicuro não era ateu, como foi acusado por alguns. Ele acreditava na existência dos deuses, mas sustentava que estes eram indiferentes aos humanos. Serenos, as deidades habitariam um plano perfeito, não nutrindo nenhum interesse pelas coisas que acontecem aqui embaixo. Assim, é inútil temê-los ou se preocupar com castigos. Ter medo do destino é igualmente desnecessário:ele não é tecido por forças divinas, mas escrito pelos humanos.
Voltemos, agora, ao tema da morte. Para os epicuristas, simplesmente não faz sentido se preocupar com ela. Acompanhe, leitor, o raciocínio: quando um ser humano existe, a morte não existe para ele. Quando ela existe, ele é que não existe mais. Assim, nós nunca nos encontramos com nossa morte – nossa existência nunca se dá ao mesmo tempo da existência dela. Logo, ocupemos nossas mentes com a vida e desfrutemos dela. E qual é o maior bem que podemos usufruir? O prazer. Ah, o prazer!
Mas, calma lá. A noção de prazer, no epicurismo, é extremamente refinada. Não se trata de uma busca desenfreada pela fruição do momento presente, como era para outro grego, Aristipo de Cirene (435-366 a.C.), conhecido por pregar o hedonismo. O prazer do epicurismo é calmo e sereno. O sábio deve evitar a dor e as perturbações, levando uma vida isolada da multidão, dos luxos e excessos. Colocando-se em harmonia com a natureza, ele desfruta da paz. Epicuro condena a renovação a qualquer preço e a ânsia pela mudança, pregando uma espécie de prazer tranquilo.
Para vivenciar esse prazer, é fundamental evitar a dor, como ensina o quarto remédio de Diógenes. A tarefa não é difícil para Epicuro. Diferentemente da postura desapegada em relação ao passado e ao futuro, característica dos seguidores do estoicismo – corrente filosófica contemporânea e rival à de Epicuro –, os epicuristas afirmavam que, para amenizar momentos dolorosos, nada como se lembrar de alegrias passadas ou criar expectativas felizes em relação ao futuro. E não pense que o mestre ensinava sem conhecimento de causa: ele mesmo sofria dores constantes, em virtude de uma grave doença que o acompanhou em grande parte da vida.

Amizade nas escolas
Um dos valores defendidos pelos epicuristas é a amizade. O sábio, compreendido somente por outro sábio, vive melhor longe da multidão e da confusão da cidade, mas nem por isso deve seguir solitário: Epicuro considerava a amizade uma grande felicidade e repreendia os que pretendiam passar a vida sem ela. Aliás, a própria escola, fundada em 306 a.C., era um espaço de convivência entre amigos. “Na Grécia Antiga, as escolas eram bem diferentes das de hoje”, explica Marco Zingano, professor do departamento de Filosofia da USP. “Lá, as pessoas viviam, dormiam, conversavam. Era um verdadeiro espaço de convivência.” Diferentemente de outras escolas, como o Pórtico, dos estóicos, a de Epicuro ficava em um lugar afastado na cidade, funcionando como um calmo retiro, como convinha aos ensinamentos da doutrina. Como a escola situava-se em um grande jardim, os discípulos, na época, ficaram conhecidos como “Filósofos do Jardim”.


*Liliane Prata é jornalista e graduanda em Filosofia pela Universidade de São Paulo.


Fonte: Revista Filosofia
Imagens: Arquivo pessoal.

sábado, 29 de agosto de 2009

JustTV: Loucuras Filosóficas do Alexandrelli - MITO E FILOSOFIA - 20/08/09



Loucuras Filosóficas do Alexandrelli
Toda quinta com o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr., O Filósofo da Cidade de São Paulo.
Seus neurônios nunca mais farão sinapses da mesma cor.
Na Just TV: http://www.justtv.com.br (direto online no seu PC)

No primeiro programa: MITO E FILOSOFIA.

Programa transmitido ao vivo todas as quintas ás 19h.
Programa exibido dia 20/08/09

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O sofrimento dos filósofos


Reflexões em torno da constante retórica que encontramos nos preâmbulos da dor humana


por José Fernandes P. Júnior*

Dia desses um amigo meu ao notarme meio cabisbaixo deduziu aquele meu momento da seguinte maneira: "Não sabia que os filósofos sofriam". Degustei suas palavras com o tempero do silêncio. No entanto, aquela sua dedução levou-me a ponderar sobre o sofrimento dos filósofos. E por lógica, só pelo fato de refletir sobre a questão, automaticamente estou a constatar que, realmente, os filósofos sofrem ou sofreram. Daí, devemos dar razão a Publio Terêncio, poeta romano, quando disse que "nada do que é humano me estranho".

Ora, refletir sobre o sofrimento é antes de tudo fazer uma pausa na vida e tentar descobrir porque a felicidade nos abandonou. Foi-se a felicidade, veio o sofrimento. Assim, quando Sêneca, em "Cartas a Lucílio", afirmou que "os homens considerados felizes são, na verdade, os mais infelizes", quis realmente afirmar que podemos disfarçar o sofrimento, mas não negar sua existência.
Em resposta ao meu amigo, poderia ter lhe feito as seguintes perguntas: O que dizer de Sócrates, sofrendo a ansiedade da morte, após ter bebido cicuta? E mesmo do "maldito" Maquiavel quando torturado e exilado de sua terra devido a perseguições políticas? Que dizer de Schopenhauer, ofuscado por Hegel e esquecido de todos seus compatriotas? De Kierkegaard, quando sua amada Regine Olsen o rejeitou e, também, foi ridicularizado na Dinamarca? E até mesmo do estóico Sêneca exilado em Córsega por cerca de dez anos? (creio não ser necessário falar de mártires como Giordano Bruno para demonstrar que até mesmo os filósofos sofrem).

O certo é, conforme Eric Fromm, que "o homem é o único animal cuja existência é um problema", e o seu existir muitas vezes é por sofrimentos, perturbações e desassossegos que o deixa sem sentido - é aí que a vida perde a graça. Quando o sofrimento chega na soleira da vida humana, o ser humano se revela frágil frente ao seu novo estado. Se era alegre, fica triste; se perdeu a pessoa que amava, fica como um barco à deriva; se perdeu a saúde ao ser atacado por uma doença maligna, fica debilitado; enfim, o sofrimento atinge o ser humano por meio de suas multifaces - doença, morte, solidão, rejeição, desprezo... Tudo isso gera no ser humano alguma ponta de sofrer.

Haveria algum antídoto para combater ou curar o sofrimento? A ciência sempre procura soluções para cura de doenças; mesmo àquelas que são incuráveis, busca um paliativo para aliviar os sofrimentos do paciente. O "senso-comum" por sua vez - quando o sofrer é psicológico, empírico-sentimental - não hesita em usar o chavão-clichê: "o tempo é o melhor remédio" ou "o tempo a tudo cura". Será? O tratamento dado pela filosofia é diferente, vejamos como alguns de nossos filósofos enfrentam o problema.

Sócrates, ao sentir que seu julgamento resultaria numa condenação injusta, adverte: "Pois bem, senhores juízes, vós também deveis estar dispostos à esperança em relação à morte, pensando somente isso, que nenhum mal pode atingir o homem reto nem em vida nem depois de morto (...)". Sócrates presume que deveria cumprir uma pena capital injusta, mas encara a situação corajosa e resignadamente, pois sabia que o desespero não aliviaria em nada sua dor. Sofrer além do sofrimento é agravar a situação. O certo é que Sócrates enfrentaria o sofrimento resultante de uma condenação injusta e, consequentemente, a morte como um mártir. Suas últimas e memoráveis palavras, após tomar o veneno, foram: "É chegada a hora de partir: eu para a morte e vós para a vida. Quem de nós encontrará o melhor destino só Deus sabe".

Os estóicos (gr.: Stoa) resumiam o viver neste mundo com uma fórmula simples, mas severamente cruel no seu cumprimento, qual seja, "suporta e renuncia" (sustine et abstine). Assim, qualquer espécie de sofrimento deveria ser tido como algo que o destino nos tivesse preparado e, por isso, debalde seria a preocupação inútil que roubava a paz e perturbava o espírito. Para os Estóicos, como também para Epicureus e Cínicos, o conceito de ataraxia (do gr.: literalmente significa ausência de inquietação, tranquilidade) fazia parte do caminho de sabedoria que estas Escolas buscavam; isso não significa dizer que esses filósofos não sofriam, mas que viam no sofrimento um exercício de libertação e de busca elevada do espírito.

Schopenhauer, por sua vez, dá-nos - como possibilidade transitória de escape do sofrimento - a contemplação do belo artístico. A arte, segundo o autor de o mundo como vontade e representação, traz um alívio para os fardos deste nosso viver, e a música nesse particular tem uma grande importância: "Uma sinfonia de Beethoven descobre- nos uma ordem maravilhosa (...) Depois de ter meditado longamente sobre a essência da música, recomendo o gozo desta arte como a mais deliciosa de todas. Ouvir longas e belas harmonias, é como um banho de espírito purifica de toda a mancha, de tudo que é mau, mesquinho", diz Schopenhauer. (p. 146, Dores do mundo)

Kierkegaard, como alívio e superação do sofrimento recomenda-nos à Fé. Esta é o antídoto para todo o desespero e angústia que perpassam o "eu" humano. Aliás, a fé é na concepção kierkegaardiana o último salto existencial do indivíduo para chegar àquele que pode livrá-lo de todo sofrimento. Talvez tenha sido a fé autêntica em Cristo que fez o filósofo dinamarquês superar os traumas existenciais decisivos de sua vida: o relacionamento frustrado com Regina Olsen e o combate com a igreja de seu tempo.

Bom, meu caro amigo, como se vê, os filósofos também sofrem. Mas também procuram superá-lo. E quando preferem resignadamente aceitar sofrer, como fazem ou fizeram os estóicos, na verdade buscam com isso não sofrer ainda mais - esta é a exceção. A regra, bem definida por Lessing, é: "Por que não podemos aguardar tranquilamente a vida futura, como aguardamos o dia de amanhã (...)" . Assim, pois, o ser humano está sempre fugindo daquilo que frustre seus planos e traga tristeza. Mas, quando menos esperamos, a vida arrebata nossa provisória felicidade e deixa-nos todos cabisbaixos.


*José Fernandes P. Júnior é Graduado em Filosofia; Bacharelando em Direito - Faculdade Projeção-DF; Professor de Filosofia na rede pública do DF.

Fonte: http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/19/ideias-o-sofrimento-dos-filosofos-147848-1.asp

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A FILOSOFIA E A VISAO COMUM DO MUNDO* a Bento Prado

Autor: Oswaldo Porchat Fonte: Pausa para a Filosofia



1. Se me disponho a filosofar, é porque busco compreender as coisas e os fatos que me envolvem, a Realidade em que estou imerso. E porque quero saber o que posso saber e como devo ordenar minha visão do Mundo, como situar-me diante do Mundo físico e do Mundo humano e de tudo quanto se oferece à minha experiência. Como entender os discursos dos homens e meu próprio discurso. Como julgar os produtos das artes, das religiões e das ciências.
Mas não posso esquecer todos os outros que filosofaram antes de mim. Num certo sentido, é porque eles filosofaram que me sinto estimulado a retomar o seu empreendimento. 0 legado cultural da espécie põe à minha disposição uma literatura filosófica extremamente rica e diversificada, de que minha reflexão se vai alimentando. Se me disponho a filosofar, tenho também de situar-me em relação às filosofias e a seus discursos, tenho de considerar os problemas que eles formularam e as soluções que para eles propuseram.
Nesse contato com as filosofias e no seu estudo, faço a experiência de sua irredutível pluralidade, de seu conflito permanente e de sua recíproca incompatibilidade. A consciência desse conflito e dessa incompatibilidade exprime-se em seus discursos, aliás, de modo quase sempre bastante explícito. Porque cada filosofia emerge no tempo histórico, opondo-se polemicamente às outras filosofias, que ela rejeita e anatematiza no mesmo movimento pelo qual se instaura. Contra os outros discursos filosóficos, cada novo discurso vem propor-se como o "bom" discurso. Qualquer que seja o seu projeto, o de "editar" o Real ou o de propor uma crítica do conhecimento, o de orientar a práxis humana ou o de efetuar uma análise "terapêutica" da linguagem, pertence, em geral, a todo discurso filosófico o dever impor-se como a única maneira correta de filosofar. Sob esse prisma, vale dizer que cada um deles de algum modo se propõe como a solução adequada do conflito das filosofias. Por isso mesmo, obriga-se a argumentar em causa própria, no afã de legitimar-se em face dos rivais e de validar a posição privilegiada que para si reivindica na arena filosófica. Pretensão que os outros discursos evidentemente desqualificam, opondo argumentos aos seus argumentos e reacendendo o conflito.
Dispondo-me a filosofar, abordo criticamente os discursos filosóficos. E cedo descubro, então, que nenhum discurso filosófico é demonstrativo, mesmo num sentido fraco da palavra, contrariamente ao que tantos filósofos pretenderam. Dou-me conta de que a retórica é a lógica da filosofia. De que, com um pouco de boa vontade e algum engenho, sempre se pode construir um discurso filosófico bem argumentado a favor de ou contra qualquer ponto de vista. Por outro lado, jamais se persuade o auditório que se tem em mente. Os critérios de autovalidação próprios a cada discurso são sempre discutidos e rejeitados pelos outros. Donde a perpetuação inevitável de conflito das filosofias, num P , testemunho eloqüente de sua indecidibilidade básica. Situação essa que parece condenar inexoravelmente as filosofias, todas e cada uma delas, a uma insuperável precariedade, dificilmente compatível com a natureza mesma dos projetos por que elas costumeiramente se definem. Seus discursos, em última análise, parecem impotentes para efetivamente resolver os problemas que elas inventaram. Os céticos, de há muito, tinham feito sobre isso seu severo diagnóstico.
É natural, então, que eu seja tentado a ver, nos discursos das filosofias, meros jogos de palavras, jogos engenhosos e complicados mas que, uma vez apreendidos e analisados, não posso mais levar a sério. Brinquedos dos filósofos com a linguagem, da linguagem com os filósofos, que ela enfeitiçou. É natural, então, que eu desespere de poder filosofar. Por que daria minha adesão a tal visão do Mundo e não a tal outra? Por que assumiria tal atitude filosófica e não tal outra? Assumir qualquer posição filosófica configuraria uma escolha e uma escolha, em última análise, arbitrária, uma vez que sua justificação não constituiria senão um exercício a mais de habilidade retórica. Não vendo como aderir criticamente a um discurso de outrem, por que me cometeria a editar um discurso original e novo, sabendo-o de antemão condenado, por sua própria natureza, à sorte adversa de que todos os outros compartilham? Por que continuar o empreendimento, por que insistir em buscar soluções filosóficas para os problemas das filosofias?
0 ceticismo antigo, apesar de sua critica acerba aos "dogmatismos", definiu-se por uma investigação continuada e incansável, caracterizou-se como uma filosofia "zetética".1 Entendeu que suas razões valiam tanto quanto as do dogmatismo filosófico e que não lhe era possível validar sua própria argumentação cética.2 Propôs, por isso, a suspensão do juízo, a epokhé, sobre cada uma das questões examinadas. Para seu propósito de abalar o dogmatismo, isso lhe era suficiente. Mas, por isso mesmo, a lógica interna de seu procedimento condenava-o a prosseguir investigando. Essa atitude me parece pouco natural e nada razoável. Porque o razoável e natural é que a experiência repetida do fracasso engendre o desânimo e o abandono da empresa. Se somos mais do que ratos de laboratório, também dependemos, entretanto, das contingências de reforço: sem nenhuma recompensa, desistimos.
Resta-me, ao que parece, dizer adeus às pretensões filosóficas que em vão alimentei, deixar atrás a filosofia. Optar pelo silêncio da não-filosofia e nele recolher-me. Numa decisão de ordem prática e existencial, que se me impõe como justificada, ainda que não seja, por certo, justificável filosoficamente. Contentar-me-ei em ser apenas um homem entre os outros homens. Deixando-me viver, em sua plenitude, a vida comum dos homens. Redescobrindo e revivendo o homem comum em mim.
Os céticos tinham entendido que sua postura filosófica não implicava a renúncia à vida comum.3 Pondo em xeque os critérios da pretensa objetividade dogmática tomaram o phainómenon, o que aparece, como critério da ação, segundo os ditames da vida. De fato, porém, seu retorno à vida comum não foi completo, porque não souberam mergulhar em sua não-filosofia. A permanência no empreendimento filosófico, a proposta de investigação continuada atestam que eles ficaram a meio caminho. Os céticos não desesperaram da filosofia. Por isso mesmo, não se permitiram suprimir definitivamente o distanciamento que o dogmatismo instaurou entre a filosofia e a vida. Contestaram as soluções dogmáticas, mas preservaram o seu quadro teórico. Guardaram a nostalgia de um espaço extramundano reservado para a investigação filosófica, em oposição ao espaço banal da vida comum à qual, enquanto homens, se apegavam.
Proponho uma ruptura com a filosofia bem mais radical que a do ceticismo. Um mergulho profundo, definitivo e de alma inteira na vida cotidiana dos homens. Não me limito a suspender meus juízos mas, em face dos jogos filosóficos, ouso dizer: "Não jogo mais"4 Regresso à humanidade comum e assumo integralmente a sua não-filosofia.


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Fonte:  Pausa para a Filosofia


Imagem: Google

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A relativização da verdade, por Fernando de Oliveira Souza*

Este artigo se inicia com uma história verídica, ocorrida há alguns anos em um complexo tenístico da Flórida, nos Estados Unidos. Era um clube com inúmeras quadras e ali estava sendo disputado um torneio amador em que, por atraso dos jogos, dois tenistas ficaram disputando uma partida até a madrugada, quando não havia mais ninguém no clube, à exceção dos dois jogadores e do árbitro geral, que estava aguardando o resultado na casa da arbitragem, situada bem distante da quadra da disputa. Terminado o jogo, os dois jogadores se dirigiram ao árbitro para comunicar o resultado. Perguntou o árbitro: “Quem ganhou?”. Respondeu um dos jogadores: “Fui eu”, ao que o outro falou: “Não, fui eu”. Como não havia testemunhas, o jogo teve de ser repetido no outro dia, dessa vez com assistência atenta. No fato em questão, obviamente, um estava falando a verdade e o outro era um tremendo cara de pau, mentindo com toda a convicção, aliás, comme Il faut, segundo os especialistas. Todos os dias, jornais, revistas e redes de televisão nos bombardeiam com esse contraditório. Ora, para o cidadão comum, como pode haver duas verdades, completamente antagônicas sobre o mesmo fato? O recente episódio envolvendo a ministra-chefe da Casa Civil e a ex-secretária da Receita Federal é um exemplo clássico dessas atitudes. Uma está falando a verdade, a outra não. As duas versões prevalecerão até que se encontrem provas de uma ou de outra e, mesmo assim, essas provas poderão ser contestadas conforme sua consistência. Por que as coisas são assim? Quando crianças, aprendemos que existe o certo e o errado, a verdade e a mentira, o mocinho e o bandido, que o bem prevalecerá, mas quando crescemos e “amadurecemos” nos damos conta de que não é bem assim. A ideia de que “a mentira é um componente histórico da política e instrumento de trabalho de seus agentes” é, no mínimo, polêmica, visto que na maioria das vezes essa atitude favorece o mentiroso e não sua audiência. A verdade é relativizada para servir às finalidades de quem as divulga. Nada tão grosseiro como o poste que bate no carro, mas adaptações dos fatos para servir aos interesses individuais ou coletivos. O fato em si deixa de ser importante, o que vale é a adequação do mesmo através de versões que, dependendo de como são divulgadas, poderão prevalecer permanentemente. Exemplo disso, em tom de blague, é outra história, também verídica, de um famoso criminalista de Porto Alegre que, ao receber um cliente apavorado porque tinha matado uma pessoa, lhe disse: “Um momentinho, dizem que o senhor matou alguém”. É a chamada teoria da meia garrafa, que pode ser interpretada como meio cheia ou meio vazia. E nós, então, humildes mortais, como ficamos? Cada um preso às suas convicções, procurando analisar os fatos de maneira o mais isenta possível e torcendo para que os mocinhos ganhem no final.

*Médico e professor universitário

Fonte: Jornal zero Hora - Nº 16069 - 21 de Agosto de 2009.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O homem pensante X o homem desejante

De um lado, a filosofia busca explicar o homem pela razão, pela cognição e pela consciência. De outro, a psicanálise resgata o sujeito do desejo, da irracionalidade e do inconsciente.

por José Valmir Dantas de Andrade

Um motorista grita, xinga e se irrita com o trânsito. Um passageiro tem uma crise de pânico quando o avião levanta voo. O marido mata a mulher em um acesso de ciúme. Um expectador chora compulsivamente durante o espetáculo musical. A irritação domina o motorista. A crise de pânico domina o passageiro. O ciúme domina o marido. O choro domina o expectador. Esta força "dominadora e incontrolável" que impulsiona ações, sensações, comportamentos e sintomas e que toma de assalto a humanidade, cotidianamente, possui um determinismo para além de qualquer racionalização possível.

Foi investigando essa força que, no alvorecer do século XX, Sigmund Freud chocou o mundo ao declarar que o homem não era senhor de sua própria consciência. Se formos pesquisar as origens do conceito de inconsciente, veremos que ele é muito anterior à psicanálise. Filósofos e teóricos de diversas procedências há muito já o haviam descrito. Mas foi Freud que forjou "O Inconsciente" com I maiúsculo e deu a ele lugar específico e privilegiado no psiquismo humano, por meio de uma concepção sistemática.

Filósofos o descreveram. Freud mergulhou nele. A partir do estudo das repressões patogênicas e de outras manifestações psíquicas, a psicanálise foi vasculhar, a partir da escuta clínica, os meandros do que Freud chamou inicialmente de um "mental inconsciente". De acordo com ele, os sintomas neuróticos não estavam diretamente relacionados com fatos reais, mas com fantasias impregnadas de desejos. "No tocante à neurose, a realidade psíquica é de maior importância que a realidade material", afirma ele em seu "Um Estudo Autobiográfico", de 1925.

BASES DISTINTAS

Antes, porém, Schopenhauer já havia defendido a supremacia do instinto sobre a razão humana. O filósofo desenvolveu o conceito com base em reflexões e formulações teóricas; Freud, a partir da observação empírica de seus pacientes. Ambos estudaram a mesma subjetividade humana, mas a partir de diferentes premissas e perspectivas. Em várias passagens da obra de Freud é possível identificar o que seria o legado de grandes pensadores que parecem ter deixado uma herança intelectual à sua teoria, apesar de ele próprio, em muitos momentos, negar tal influência.

Santo Agostinho acreditava na existência de uma vontade interior que contradiz a si mesma. Platão citava Eros e defendia a existência de um conhecimento que provém da imaginação e dos sonhos. A partir do final do século XIX, Sigmund Freud começa a construir o seu pensamento por meio de premissas como o inconsciente, a sexualidade e a interpretação dos sonhos. O diálogo entre filosofia e psicanálise parece inegável. E, realmente, há vários momentos em que as duas ciências parecem muito próximas. Mas também há pontos de inevitável distanciamento.

Ainda em seu Estudo Autobiográfico, Freud procura esclarecer que o pensamento filosófico não teria tido influência direta na formulação da teoria psicanalítica. "O alto grau em que a psicanálise coincide com a filosofia de Schopenhauer não deve ser remetido à minha familiaridade com seus ensinamentos. Li Schopenhauer muito tarde em minha vida", afirma, destacando que as neuroses foram o primeiro e, por muito tempo, constituíram o único ponto de seu interesse.

Em suas últimas obras, Freud fez diversas referências à ênfase que Schopenhauer dava à sexualidade, apesar de não nominá-lo diretamente. Em "O Mundo como Vontade e Representação", o filósofo alemão debate o caráter da paixão sexual que, segundo ele, é o ponto central da vontade de viver e, consequentemente, a concentração de todo desejo. "Ela é a causa da guerra e o fim da paz, a base do que é sério e o alvo da zombaria, a inexaurível fonte do espírito, a chave para todas as alusões e o significado de todas as insinuações misteriosas (....) e somente essa tendência perpetua e mantém unida toda a existência fenomênica", diz Schopenhauer no capítulo XLII de" A Vida da Espécie". Ele foi o primeiro filósofo a defender que a irracionalidade preponderaria sobre a razão e a inteligência humanas.

A dimensão que o alemão dá à importância do impulso sexual para a vida do homem encontra paralelo na teoria de Freud, já que aquilo que o pai da psicanálise chamou de sexualidade também está longe de se resumir à união sexual ou ao prazer genital. Freud procurou demonstrar em seus estudos que os componentes sexuais, passíveis de ser desviados para outros interesses, efetuam as contribuições mais importantes às realizações culturais do indivíduo e da sociedade. Aí há também muita semelhança com Eros, do Banquete de Platão.

Quanto a Nietzsche - que parece ter sido o filósofo que mais contribuiu para a construção da teoria psicanalítica, no que se refere às questões relacionadas ao inconsciente e às forças (pulsões) que movem o ser humano - Freud declara tê-lo evitado durante muito tempo a fim de manter a mente "desimpedida". No entanto, dizia que ele foi o filósofo cujas conjecturas e intuições concordam, da forma mais surpreendente, com os laboriosos achados da psicanálise. Afirma, também, ter seguido o pensador alemão Gustav Theodor Fechner (1801-1887) em muitos pontos importantes. Ele teria influenciado Freud no desenvolvimento do princípio da constância e na fundamentação do conceito de topografia mental.

SUBJETIVIDADE HUMANA

Nenhum homem, por mais genial que seja, desenvolve seu pensamento à margem do saber coletivo. Todo salto criativo e original vem necessariamente alavancado, em alguma medida, pelo legado histórico do conhecimento humano, cumulativo e em contínua expansão. Com Freud, certamente não foi diferente. Antes dele, filósofos, pensadores, escritores e poetas intuíram e desenvolveram ideias para conceitos que o pai da psicanálise interpretou com genialidade visionária e abordou sob perspectivas inéditas.

O sofrimento humano, o inconsciente, a sexualidade, as pulsões. Todos já haviam sido tema de preocupação e de investigação filosófica. Mas foi Freud que cruzou a fronteira do que poderíamos chamar de "uma forma de pensar o sofrimento" para "uma forma de tratar o sofrimento". Os filósofos se limitaram a formular conceitos. Freud criou um método terapêutico que mistura ciência, medicina e filosofia. É com base nessa simbiose entre método científico, prática clínica e pensamento filosófico que a psicanálise aventura-se pelos labirintos da mente a fim de decifrá-la. Freud dedicou sua vida à ciência que pretendia, por meio da interpretação da subjetividade humana, aliviar o sofrimento psíquico do homem e descortinar aquilo que de mais obscuro lhe habita a alma.

Apesar de negar a influência de determinados pensadores sobre sua obra, em muitos momentos fica clara a ascendência que alguns filósofos tiveram sobre seu pensamento, como Emmanuel Kant. As ideias do pensador alemão teriam contribuído para a construção da metapsicologia freudiana. Mesmo em aspectos não referidos diretamente, teve um papel de muita importância, principalmente no que se refere a uma subjetividade que se constitui por meio de um movimento interno e que faz com que o sujeito seja sempre um fenômeno, uma aparência para si mesmo, de modo que aquilo que o constitui em sua base sempre ficará desconhecido em algum grau.

ENCONTRO

Outra influência filosófica ao pensamento freudiano vem da fenomenologia hegeliana, que compreende a subjetividade a partir de diversas figuras que se sucedem dialeticamente. A verdade não seria um dado, mas o resultado de um processo dialético, conceito próximo à hipótese do determinismo psíquico de Freud. Para a psicanálise freudiana, os fatos e ocorrências da infância são determinantes para a formação do sujeito e seguem, no decorrer da vida, uma trajetória de ressignificações que avança dentro de uma lógica psíquica.

Porém esta jornada da humanidade pelo entendimento acerca de si próprio remonta os séculos. No distante ano de 650 a.C., a inscrição na entrada do Oráculo de Delfos - "Conhece-te a ti mesmo" - já anunciava a aventura a ser empreendida pelo homem em intrincados e complexos caminhos: a busca por si próprio. Não é possível afirmar que Freud, assim como fez o filósofo Sócrates, tenha ido buscar aí inspiração para sua obra. Mas não se pode negar a afinidade entre o que pregava o famoso templo grego e o que buscava o homem que "descobriu" o inconsciente. Mas nem só da fonte da filosofia bebeu Freud. A literatura - arte que, segundo a psicanálise, mais traduziria o inconsciente - foi também, sem dúvida, uma grande inspiração.

Para desenvolver um dos mais conhecidos conceitos psicanalíticos - o Complexo de Édipo - Freud foi buscar elementos no ano 496 a. C., quando o famoso dramaturgo grego Sófocles escreveu uma de suas mais famosas tragédias. Nela, Édipo mata o pai para casar-se com a própria mãe. Ao longo de seus estudos sobre o inconsciente e com base em observações clínicas, Freud transpõe a ficção e traz para a realidade uma nova forma de explicar o homem, seus desejos e as repressões que estariam no cerne das neuroses.

MERO COADJUVANTE

Com base em duas hipóteses fundamentais: a existência do inconsciente e o determinismo psíquico, a psicanálise tirou do homem o centro de sua consciência e colocou- o como coadjuvante de uma cena em que o irracional (desejo) prepondera. Por meio da observação e dos estudos a partir da experiência com centenas de pacientes, Freud falou da existência de um "estranho" que habita em todos nós. A partir desse momento, o inconsciente deixa de ser somente uma pequena porção indecifrável da consciência, deixa de ser uma descrição filosófica e assume o comando de uma realidade psíquica em que o homem não é mais dono de si mesmo. A clínica freudiana - investigação empírica, situada no campo da ciência e com a qual a filosofia não tem nenhum compromisso ultrapassa os conceitos teóricos e se aventura a sondar os obscuros labirintos da mente humana.

Assim, a "invenção" da psicanálise, ao mesmo tempo em que revela traços de uma ascendência filosófica inescapável, por outro representa um salto conceitual e científico de proporções revolucionárias. O homem que pensa e o homem que deseja se encontram e se despedem na curva da subjetividade humana.

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Princípio da constância Esse princípio foi formulado por Freud e baseia-se na hipótese de que o aparelho psíquico se esforça para manter constantes seus níveis de excitação, a fim de se livrar da tensão desagradável, preservando o prazer. A teoria se assemelha à "tendência no sentido da estabilidade", princípio defendido por Fechner em relação aos sentimentos de prazer e desprazer.

Topografia mental A topografia mental de Freud descreve os sistemas constituintes da mente. Em 1923, em sua "Segunda Tópica", ele propôs a Teoria Estrutural, segundo a qual o sistema psíquico seria composto por três instâncias distintas: Id, Ego e Superego.

Oráculo de Delfos Situado na Grécia, no que foi a antiga cidade chamada Delfos, o Oráculo de Delfos era dedicado a Apolo e centrado em um grande templo, ao qual se dirigiam os antigos gregos para levar suas questões aos deuses.

Fonte: http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/19/artigo147851-2.asp

Entrevista - Lápis, papel e muito debate

Desde o momento que o ensino da filosofia passou a fazer parte da vida dos jovens estudantes brasileiros, o panorama atual das salas de aula espalhadas pelo País mudou e abriu novas possibilidades para professores

por Karina Alméri e Edgar Melo

É comum encontrarmos professores, pedagogos e especialistas das diversas áreas do ensino criticarem a falta de percepção e senso crítico dos alunos que têm no ensino público sua única fonte para contextualizar a realidade de seu cotidiano. Retiradas do currículo obrigatório do ensino médio durante o regime militar (1964-1985) e substituídas por educação moral e cívica e OSPB, a sociologia e a filosofia voltaram com força total. Agora, Platão, Nietzsche e Bobbio dividem espaço com as matérias e temas convencionais e com as novas mídias sociais e aparelhos eletrônicos que fazem a cabeça dos jovens.

Para falar dessa evolução e, principalmente, do impacto da filosofia na vida dos alunos de ensino médio escalamos o doutor em Filosofia Antiga pela USP, professor e orientador do programa de mestrado da Universidade São Judas Tadeu e da Escola Nacional Florestan Fernandes, ex-professor do ensino Fundamental e Médio da Escola Carandá, Paulo Henrique Fernandes Silveira.

Nesta entrevista, o professor é enfático em lembrar Epicuro: “nunca é cedo demais, nem nunca é tarde demais para filosofar”.

LEIA A SEGUIR OS PRINCIPAIS TRECHOS DA ENTREVISTA:

CONHECIMENTO PRÁTICO FILOSOFIA - Do ponto de vista filosófico, o que é educação?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - Não há “um único” ponto de vista filosófico. Felizmente, como analisa Olgária Matos no livro “Filosofia – a polifonia da razão, filosofia e educação”, a diversidade de discursos e de vozes é uma característica da filosofia ocidental. Mesmo entre os antigos, havia muitas maneiras de se pensar a educação ou a formação das pessoas, o que os gregos chamam de paideia. No clássico: Paideia – a formação do homem grego, Werner Jaeger mostra como, nas diversas concepções do termo, a paideia expressa um ininterrupto processo de transformação do homem. Para os gregos, a educação estava ligada às ideias de liberdade e de felicidade. A alegoria da caverna, livro VII da República de Platão, ilustra esse movimento de libertação dos hábitos e dos preconceitos arraigados na sociedade.

CP FILOSOFIA - Em que a filosofia pode contribuir para formação dos alunos?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - Na obra “Fedro”, Platão sugere a necessidade de uma certa ousadia do aluno. Afinal, se a filosofia nos ensina a pensar por conta própria, até o mestre deve ser “traído” em algum momento. Não me lembro se aprendi isso com Olgária Matos ou com Marilena Chauí, mas a paideia relaciona-se com o brincar, em grego: paizo. A brincadeira é uma forma de aprendermos a trocar de papel com aqueles que admiramos, até passarmos a pensar sozinhos. Ao comentar o livro de Jaeger, o filósofo Martin Heidegger acrescenta que a paideia é um exercício de amor à humanidade, como se de tanto atravessarmos os caminhos pensados pelos outros, aprendêssemos a entender aqueles que escolhemos e os que não escolhemos seguir.

CP FILOSOFIA - Qual o objetivo do ensino de filosofia para crianças?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - Nunca é cedo demais, nem nunca é tarde demais para filosofar, diz Epicuro, como nunca é cedo ou tarde para procurarmos a felicidade. Alguns textos de filosofia não são leituras indicadas para um garoto ou uma garota de colégio, bastam os clássicos da literatura que o vestibular os obrigam a ler. Preocupado com essa questão, o americano Matthew Lipman idealizou um interessante método pedagógico, em muitos pontos, como defende o professor da Unicamp René Silveira, semelhante ao de Paulo Freire. Segundo Lipman, o objetivo do ensino de filosofia para crianças é instigar a reflexão e o diálogo entre os alunos. Para tanto, não é preciso ler a “Crítica da Razão Pura” de Kant ou as “Meditações Metafísicas” de Descartes.

CP FILOSOFIA - Até onde podemos caminhar com a filosofia e as crianças em uma escola?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - Pode-se discutir com os alunos uma notícia de jornal que instigue o diálogo sobre os limites da razão ou a abrangência da dúvida. A sala de aula se transformaria em uma “comunidade de investigação”, onde o mestre não é o porta-voz do conhecimento, mas o articulador do debate. A ideia original de Lipman é que a capacidade de dialogar, ou seja, de saber ouvir e de expressar as ideias, é uma ferramenta fundamental para a filosofia. Por outro lado, se bem me lembro das aulas do professor Celso Favareto, na Faculdade de Educação da USP, há um grande risco de que o método de Lipman possa criar uma imagem simplista da filoso fia, e que convide todos a serem filósofos, sem passar pela árdua tarefa de ler e de compreender as complexas teorias filosófi- cas. Mais ou menos como os jovens alunos que adoram rabiscar versos poéticos, mas não se interessam muito por Drummond ou Bandeira. De todo modo, retomando a tese de Olgária Matos, que Celso Favareto coloca em prática em suas aulas, a proposta de Lipman insere-se na polifonia filosófica e indica uma alternativa para um problema sério: a dificuldade cada vez maior que as pessoas têm em ser tolerantes umas com as outras e de reconhecerem a importância e o prazer do diálogo.

CP FILOSOFIA - Como você vê um aluno que não aprendeu a refletir?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - A pessoa que não enfrenta a paideia, diria Platão, fica presa ao cárcere da mediocridade. Numa versão dos gibis de Maurício de Souza, o homem da caverna passa o tempo vendo TV e comentando sobre a vida alheia. Além de ter uma vida besta, aquele que não sabe brincar de mudar de papel se coloca como senhor absoluto de todos os julgamentos, um tirano dos outros e de si mesmo. Estimulando o diálogo e a reflexão, a escola contribui para uma formação mais humanista.

CP FILOSOFIA - Quais danos intelectuais isso pode gerar para um estudante?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - Talvez esse aluno não se transforme em um bem sucedido homem de negócios. Mas certamente ele tem grandes chances de se fazer um adulto criativo e inquieto, sempre buscando desafios, como Lipman, que abdicou de uma posição importante na Universidade de Columbia para ensinar crianças da periferia do Bronx a pensar e a dialogar.

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República de Platão O mais reconhecido e famigerado dos trabalhos que Platão escreveu lançou as bases da cultura ocidental. A República é uma das obras obrigatórias e lembrada como determinante para a formação dos novos filósofos. Por mais de dois mil anos, tem sido a pedra angular da reflexão política e filosófica do homem.

Bronx Bairro de Nova York conhecido por ter sido o lugar onde nasceu o hip hop e a salsa. Nos primeiros anos do século 20, abrigou os mais diversos imigrantes como irlandeses, alemães, italianos e judeus do Leste Europeu. Todos procuravam aluguel barato e oportunidade. Durante os anos de 1970 foi marcado pela violência e conflitos étnicos e raciais.

Fonte: http://conhecimentopratico.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/19/artigo147860-1.asp

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A Arte de palavrear

Artifício bastante usado nos discursos políticos, a retórica é um dos instrumentos centrais na estratégia de argumentação. Dentro do pensamento filosófico, Aristóteles estabeleceu os conceitos fundamentais para convencer, persuadir e emocionar.

por Isabella Meneses*

Talvez isso possa parecer um tanto difícil, mas pense em um político que você, leitor, julga ser habilidoso. Ok, pense no que o torna hábil: é sua capacidade de descobrir o que determinada população precisa? Ou seria a capacidade de propor soluções pertinentes e, de fato, resolver esses problemas? Agora, pense em como esse político, essa figura pública, atinge os seus eleitores, como ele chega até essas pessoas. Em que pesem as novas tendências do marketing político e os últimos avanços tecnológicos, esse político - velho ou moço, homem ou mulher, caucasiano ou afrodescendente - consegue alcançar o seu alvo com algo tão simples quanto elementar: os políticos usam as palavras.

Que os políticos gostam de falar (e realmente precisam falar) todos sabem; o que poucos têm noção é que, na maioria das vezes, as palavras que são ditas nos discursos políticos não são jogadas a esmo, mas, ao contrário, exaustivamente pensadas, estudadas e ensaiadas. A essa "arte-técnica" da oratória dá-se o nome de retórica. E, diferentemente do que se imagina, a retórica não é um recurso criado pelo marketing eleitoral.

Aristóteles tem um livro que, infelizmente, não faz parte do catálogo editorial brasileiro, mas nem por isso deixa de ser fundamental. Em "Retórica", o filósofo grego analisa com precisão os elementos que constituem um discurso. A leitura do livro mostra que alguns conceitos tidos hoje como inovadores já eram analisados pelo pensador, como o fato de a retórica ser dividida em três tipos: a política (ou deliberativa); a forense (ou legal); e o epidíctico (ou a oratória que censura ou louva um determinado elemento, aspecto, personagem).

No caso da retórica deliberativa, Aristóteles teoriza que a maneira mais importante e efetiva para obter sucesso em persuadir o eleitorado e dissertar sobre as coisas públicas é entender profundamente as formas de governo, assim como seus costumes, suas instituições e seus interesses. Isso porque, argumenta Aristóteles, "os homens são convencidos por considerações de seus interesses; e seu interesse está baseado na manutenção da ordem estabelecida".

Nelson Rodrigues se referia àqueles cuja capacidade retórica era superlativa como "homem-discurso". No caso, o jornalista se referia ao também jornalista e político Carlos Lacerda, um dos principais algozes do então presidente Getúlio Vargas. Lacerda - ou Corvo, como era conhecido - era dotado de uma verve tão apaixonada quanto inflamada não apenas ao falar, mas também ao escrever. Não por acaso, uma de suas biografias se chama "O demolidor de presidentes".

A discussão mais comum, hoje em dia, gira em torno da chamada retórica de Perelman, que tirou seus exemplos de discursos filosóficos e políticos, entre outros. Devido a isso ele assume o caráter de convencimento que a retórica proporciona aos discursos dos oradores. "Eu diria que a retórica se configura por um conjunto de estratégias linguísticas que visam à persuasão por meio da comoção", opina a professora e doutoranda em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Suzana Leite Cortez. João Bôsco Cabral dos Santos, doutor em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica melhor: "o orador chama atenção construindo uma imagem que espelhe aquilo que seus ouvintes gostariam de ouvir. A gesticulação e a forma como se aproxima, toca e fala com as pessoas têm que estar em sintonia com a forma como as palavras são ditas e como esse orador direciona seu olhar". Para João Bôsco dos Santos, "nos dizeres políticos é preciso falar o que o outro quer ouvir de si, como se fosse o outro dizendo para si mesmo".

No maior dos dicionários da língua portuguesa, o Houaiss (Ed. Objetiva), a palavra "retórica" recebe significado de: "1. a arte da eloquência, a arte de bem argumentar; 2. emprego de procedimentos enfáticos e pomposos para persuadir ou por exibição; discurso bombástico, enfático, ornamentado e vazio; 3. discussão inútil; debate em torno de coisas vãs" - sendo os dois últimos indicados como de uso pejorativo.

Se todos esses significados, para o bem ou para o mal, fazem parte da política, fica fácil dizer que a "retórica é intrínseca à arte da política". E essas são as palavras do professor e doutor em História Econômica, Fábio Duarte Joly, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Segundo Joly, "sendo a política um exercício do convencimento com o intuito a se chegar a um consenso, a retórica joga nela um papel fundamental".

O eleito

Quanto a esse último item, como não pensar no presidente dos Estados Unidos, eleito no fim de 2008, Barack Obama? "Yes, we can" foi o mote que fez história, que realmente moveu multidões às urnas. "Ele sensibilizou seus eleitores, utilizando o que denominamos uma retórica da redenção redimida: creiam-me, erramos, mas somos fortes, os melhores, sempre", sentencia Bôsco. Já para o cronista português, José Manuel dos Santos, ouvir Obama "é voltar a ler a Retórica de Aristóteles. Ele convence porque argumenta (logos ), porque emociona (pathos ) e porque há um 'eu' que diz 'vós' e é reconhecido (ethos )".

A parceria entre Obama e seu jovem redator de discursos de 27 anos, Jon Favreau, certamente funcionou melhor do que o esperado. Favs, como é conhecido, tornou-se um especialista na escrita do próprio presidente e entre os discursos deste escondem-se inúmeras palavras redigidas ou editadas pelo chamado prodígio.

Preparando um discurso

A preparação de um discurso requer inúmeros cuidados, principalmente porque suas variações dependerão dos resultados que o orador pretende obter e do público ao qual ele irá se dirigir, como adverte Joly. "A emoção, a necessidade de tocar fundo os atos humanos, é uma característica marcante", enumera Cortez.

Mesmo com essas subjetividades, de acordo com Bôsco, é possível elaborar uma lista das principais características de um discurso retórico, que deve:

* Remeter a uma crença das pessoas do auditório; * Fabular imagens de realização de quem o escuta; * Conter dizeres que enganam porque persuadem por sua verossimilhança com um real possível; * Produzir efeitos de espelhamento do outro naquele que escuta; * Legitimar memórias, desejos imaginários, valores de verdade; * Fomentar a capacidade de um ser de sentir-se realizado; * Conter dizeres que deixam escapar vestígios da imaginação de quem ouve, que revelam seus saberes; * Provocar no ouvinte sensações de poder.

Divulgação Ricardo Stuckert/Abr

A propósito, muito se fala em torno das habilidades oratórias do presidente dos EUA, mas esquece-se de que o Brasil tem um presidente - considerado por alguns um demagogo - que também tem o dom da palavra. Nesse caso, ficam claras, portanto, as diferentes maneiras de se apoderar da retórica. Em seus discursos, o presidente Lula se preocupa em utilizar um recurso que, na opinião de Bôsco, é voltado para conquistar os que fazem questão de rejeitá-lo, mas só consegue aumentar o apreço dos que o amam e "fomenta, ainda mais, o recalque de uma sociedade de uma social democracia falida, calcada na força disciplinarizante de instituições reguladoras", brada o professor. À sua maneira, Cortez prefere indicar o uso de expressões populares, "como uma forma de estar mais próximo do grande público".

Usar ou não usar? Eis a questão

Duas coisas podem acontecer àqueles que decidem realmente usar a arte de bem argumentar em seus dizeres. Podem receber grandes elogios sobre as performances utilizadas ou pelas belas e sábias palavras - mas, nesse caso, o elogio seria mais bem aplicado se dirigido aos ghost writers por trás dos discursos -, ou críticas ferrenhas atacando-os, acusando-os de fazer logomaquias por meio de happenings bizarros a e exagerados que transformam a política, por exemplo, em uma técnica para única e exclusivamente conquistar o poder. "A retórica desprovida de qualquer estudo científico é comumente vista como discurso 'floreado'. Daí podemos falar em algo pejorativo", arrisca Cortez. Como foi dito anteriormente por Joly - que também é o organizador da obra "História e Retórica: ensaios sobre historiografia antiga" (Ed. Alameda) -, Bôsco concorda que a retórica sempre fez parte da política e afirma que "a política sempre foi constituinte, constitutiva e constituída pela retórica".

"O ser humano sempre teve necessidade de fazer valer suas opiniões", completa Cortez, que coloca, além disso, que o uso da retórica tem bases culturais e se diferencia conforme mudam as habilidades de orador para orador e os entornos sociais. O que difere seu uso atual com o de tempos anteriores é que hoje ela funciona como um ponto de tensão "da competição entre marqueteiros", indica Bôsco. "Outrora a retórica era sempre apagada dos dizeres políticos porque soava como dizeres de uma égide proselitista, demagógica", ele compara. Atualmente, é como se os oradores fizessem parte de um "campeonato de força ilocucionária". A professora Suzana discorda dessa mudança. Para ela, são os "sujeitos que fazem parte da política" que podem mudar as formas de discursar, e não o contrário.

Do fim ao princípio

De volta ao político imaginado no início deste texto, é preciso saber que ele está sujeito aos desvios que a sensação do poder pode proporcionar. Todavia, se ele é lembrado por suas habilidades oratórias, isso pode ser considerado algo bom. Retornando às palavras do cronista português, "a reanimação de um verbo político inanimado é o início de um início. Porque a dignidade da política começa na dignidade da palavra que a diz".

Para Joly, mesmo que o senso comum ligue retórica à enganação, se as pessoas souberem avaliar os discursos políticos tendo em vista sua construção retórica, elas terão meios suficientes para analisar melhor um determinado político. Dessa forma, torna-se óbvio dizer que a retórica por si só não é boa ou má. Bons ou maus são aqueles que se utilizam dessa arte com, ou sem, suas próprias noções de integridade.

*Isabella Meneses é jornalista e colaboradora de Conhecimento Prático FILOSOFIA

Fotos: Divulgação

Marketing Político Carreira levada ao ápice ao longo da década de 1990, o marketing político já é de conhecimento mesmo do público que não é militante. Além disso, no entanto, há os bastidores. No filme "Recontagem", protagonizado por Kevin Spacey, a alta cúpula decide com ações de marketing de guerrilha quais são as estratégias que devem ser tomadas para vencer as eleições para a presidência em 2000.

Perelman Filósofo do direito, o polonês Chaim Perelman (foto acima) observou que as áreas da Filosofia, do Direito e da História se estabeleciam utilizando a retórica como instrumento elementar. No site do Programa Especial de Treinamento em Ciências Jurídicas, há mais informações a respeito. Disponível em: http:// www.puc-rio.br/sobrepuc/ depto/direito/pet_jur/ c1mmeyer.html

Logos, Ethos, Pathos Logos, Ethos e Pathos são as três principais formas de persuadir a audiência/ público/leitores. Logos é o apelo utilizado à razão; pathos é o voltado às emoções; e ethos é aquele calcado na reputação de quem se pronuncia.

Happenings bizarros Entre acontecimentos dignos de nota vale a pena recordar a performance do ex-deputado federal Roberto Jefferson durante um depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o escândalo dos correios. Naquela ocasião, o político atraiu a atenção usando artimanhas específicas de retórica, como se vê no link a seguir: http://www.youtube. com/watch?v= OkhaxJOI5Ss&NR=1

Entornos sociais Os artifícios da retórica necessitam respeitar o contexto da audiência. De nada adianta, por exemplo, apresentar uma fala rebuscada para um público que não partilha do mesmo código de compreensão de quem transmite a mensagem. Nesse sentido, cabe ao político - caso se trate de um político - analisar se as metáforas cabem e se serão bem aceitas dentro daquele cenário. Talvez por esse motivo, a mensagem central é sempre a mais simples. Tome-se como exemplo o fato de Lula e Barack Obama terem feito uso, em 2002 e 2008 respectivamente, menção à ideia de "mudança".

Fonte: http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/17/a-arte-de-palavrear-artificio-bastante-usado-nos-discursos-133499-1.asp

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Interdisciplinaridade para a Filosofia da diferença - Entrevista

Roberto Machado, que foi aluno e hoje é estudioso de Deleuze, explica como filósofo francês usa a união de vários pensamentos e disciplinas, como arte e a ciência, para a construção da singularidade e do pensar diferente POR PATRÍCIA PEREIRA
FOTOS: SILVIA CONSTANTI
"Embora para Deleuze todos os saberes estejam no mesmo nível do ponto de vista da criação de pensamento, é sobretudo por meio de uma repetição diferencial de alguns filósofos por ele privilegiados -principalmente Espinosa, Nietzsche, Bergson - que sua Filosofia se constitui como um pensamentoda diferença "

Há uma famosa frase de Foucault que diz que "um dia, talvez, o século seja deleuziano". Para Roberto cabral de Melo Machado, autor de Deleuze e a Filosofia - já esgotado - e Deleuze, a Arte e a Filosofia, a ser lançado em agosto deste ano, isto não é possível: "Foi uma brincadeira que Foucault fez", afirma. Machado explica que não tem sentido ser deleuziano, pois, como Nietzsche e Foucault, Deleuze é um filósofo da singularidade, a quem não caberia ter discípulos. Seus escritos devem ser usados, por seus seguidores, como instrumentos para que cada um crie seu próprio pensamento. Machado é mestre e doutor em Filosofia pela Universidade católica de Louvain, na Bélgica, tendo feito seu pós-doutorado na Universidade de Paris VIII, com Deleuze. "Lembro de Deleuze dizendo numa aula que filosofar é passear com um saco e, ao encontrar alguma coisa que sirva, pegar." hoje, professor titular do Instituto de Filosofia e ciências Sociais da UFRJ (IFcS/UFRJ), Machado diz nesta entrevista que, para Deleuze, há ressonâncias entre a arte, a ciência e a Filosofia, sem que haja prioridade de uma sobre as outras. as três seriam atividades criadoras, com interferências mútuas. ou seja, no "saco" da Filosofia também podem entrar ideias vindas da arte e da ciência. Também aponta como a Filosofia de diferentes pensadores aparece na criação de conceitos por Deleuze: "Deleuze funciona como um dramaturgo que escreve as falas e dirige a participação de cada pensador em sua Filosofia."

FOTOS: SILVIA CONSTANTI

FILOSOFIA - O que mais o instiga em Deleuze? O que o motiva a estudá-lo e publicar livros sobre ele?

Roberto Machado - Deleuze foi um dos bons encontros que tive na vida. Admiro-o muito como alguém solitário, distante das disputas acadêmicas e da luta pelo poder, dedicado a seus estudos, preparando intensamente seus cursos, transformando esses cursos em livros maravilhosos que cada vez mais são descobertos por quem quer pensar de modo diferente. Ao mesmo tempo, ele era alguém profundamente comprometido com as questões atuais do mundo, às quais dava respostas originais e muito sugestivas. Fui tocado pela maneira como pensou o socialismo e o capitalismo, a questão palestina, a importância do chamado terceiro-mundo, o movimento de maio de 68, as minorias, as drogas, etc. O que me levou a estudá-lo foi, antes de tudo, o encanto de suas aulas, cheias de sugestões sobre como pensar filosoficamente esses e muitos outros temas. Mas, sobretudo, o desejo de compreender seu pensamento de modo sistemático, pois mesmo notando o quanto suas aulas e seus escritos eram sugestivos, senti necessidade de esclarecer o que possibilitava todas aquelas ideias. Deleuze é um dos filósofos mais complicados que li. Sentia que estávamos maravilhados com o que ele dizia, mas compreendíamos superficialmente seu pensamento. Por isso resolvi estudar sua Filosofia sistematicamente e esclarecer seu modo de pensar em todos os seus livros.

FILOSOFIA - Em 1990, o senhor publicou o livro Deleuze e a Filosofia. Em agosto deste ano, irá publicar Deleuze, a Arte e a Filosofia. Em que sentido o segundo livro complementa o primeiro?

Machado - Logo depois que fiz concurso para professor titular da UFRJ, em 1984, com a tese que foi publicada em livro com o título Nietzsche e a verdade, dediquei meus cursos e minha pesquisa à Filosofia de Deleuze. Foi assim, por exemplo, que fiz pós-doutorado com ele no ano letivo de 1985-1986, na Universidade de Paris VIII, onde ele ensinava. Em 1990, publiquei o livro Deleuze e a Filosofia, que é o resultado desses estudos. As principais hipóteses desse livro, há muito esgotado, são as seguintes: 1) O tema central da Filosofia de Deleuze é o pensamento, e o pensamento não é exclusividade da Filosofia: filósofos, cientistas, artistas são pensadores, mesmo que pensem com elementos diferentes; 2) Ao estudar a Filosofia ou saberes não filosóficos, Deleuze busca elaborar o conceito de pensamento diferencial e fazer a crítica do pensamento representativo, aquele que subordina a diferença à identidade; 3) Embora para Deleuze todos os saberes estejam no mesmo nível do ponto de vista da criação de pensamento, é sobretudo por intermédio de uma repetição diferencial de alguns filósofos por ele privilegiados - principalmente Espinosa, Nietzsche, Bergson - que sua Filosofia se constitui como um pensamento da diferença. Depois que terminei meu estudo, Deleuze (que morreu em 1995) ainda escreveu alguns livros. Ora, lendo seus novos livros, ou relendo mais atentamente livros que ele havia escrito sobre a pintura, o cinema e a Literatura, que eu não havia analisado, descobri ser possível mostrar que as hipóteses que eu procurava comprovar levando em conta seus textos sobre filósofos, também podiam ser confirmadas pelos textos não analisados anteriormente. Desse modo, levando em consideração tudo o que Deleuze escreveu, cheguei à conclusão nesse meu novo livro, Deleuze, a Arte e a Filosofia, que a questão central de sua Filosofia, "O que significa pensar?", tem sempre como resposta a afirmação da divergência e da disjunção. Isto é, o que lhe interessa é, antes de tudo, o estabelecimento da relação entre termos, ou entre séries, como uma diferença que reúne imediatamente o que distingue. Enunciado assim, isso pode parecer enigmático, e realmente a Filosofia de Deleuze é muito complicada. Mas, felizmente, fui capaz de mostrar, no que diz respeito a cada um de seus livros e à totalidade do que ele escreveu, o que isso quer dizer.

NÃO HÁ CONCEITOS ETERNOS. POR ISSO A FILOSOFIA CONTINUA VIVA, SEMPRE SE TRANSFORMANDO, SEMPRE PENSANDO NOVOS PROBLEMAS E NOVAS QUESTÕES: SEMPRE CRIANDO NOVOS CONCEITOS
FOTOS: SILVIA CONSTANTI

FILOSOFIA - De acordo com Deleuze, o pensamento não é privilégio da Filosofia. Ele também é produzido pela Arte e pela Ciência. Mas qual seria a diferença entre as três formas de pensar: são estruturas diferentes de produção de pensamento (maneiras diferentes de pensar os mesmos temas) ou formas de pensamento com focos distintos (cada uma se volta para certos temas)?

Machado - Há uma tendência da Filosofia moderna, desde Kant, de distinguir a Filosofia dos outros saberes por uma diferença de nível, o que faz da Filosofia um metadiscurso, uma metalinguagem, que tem por objetivo formular ou explicitar critérios de legitimidade ou de justificação. É essa, por exemplo, a posição do neopositivismo, da Epistemologia francesa, da Filosofia Analítica da linguagem. Diferentemente dessas correntes, a Filosofia de Deleuze se caracteriza por não distinguir a Filosofia com relação às Ciências e às Artes por uma diferença de nível, isto é, ele não pensa que os outros saberes produziriam conhecimento e a Filosofia seria uma reflexão sobre esses conhecimentos da Ciência, das Artes, da Literatura. Para Deleuze, a Filosofia é criadora e não reflexiva, como acontece com as outras formas de saber, sejam elas científicas ou não. Mas isso não significa assimilar os diferentes domínios de saber, pois o poder criador da Filosofia é específico. A diferença é que o objetivo da Ciência é criar funções, o objetivo das Artes e da Literatura é criar agregados sensíveis, sensações, e o objetivo da Filosofia é criar conceitos. Assim, há especificidade dos saberes, no sentido em que cada um responde às suas próprias questões ou procura resolver com seus próprios meios - conceitos, funções, sensações - problemas semelhantes aos colocados pelos outros saberes.

FILOSOFIA - Ao mencionar a Arte e a Ciência como produtoras de pensamento, que relação Deleuze busca entre a Filosofia e as formas não filosóficas do pensamento? São saberes que devem existir em paralelo ou um deve misturar-se ao outro, buscar influências?

Machado - Mesmo havendo especificidade dos saberes, isto é, mesmo se a Filosofia é diferente das Ciências ou das Artes, há interferência, ressonâncias entre atividades criadoras sem que haja prioridade de umas sobre as outras. Os conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens, e isso faz que a Filosofia esteja em estado de aliança com os outros domínios. Um agregado sensível artístico, uma função científica, podem estimular a criação de conceitos na Filosofia e, inversamente, um conceito pode estimular a criação nas outras disciplinas. Pensar, em todos esses domínios, é sempre ter uma ideia. Criar é ter uma nova ideia. É isso o que Deleuze pensa da relação entre diferentes domínios do pensamento. Mas também é isso que se nota na sua própria maneira de fazer Filosofia. A Filosofia de Deleuze, como, aliás, toda Filosofia, é um sistema de relações entre conceitos. Acontece que, no caso de Deleuze, esse sistema se constitui de forma bastante singular, pois seus conceitos são criados de dois modos diferentes: uns são conceitos provenientes da própria Filosofia, isto é, de filósofos por ele privilegiados em suas leituras - principalmente Espinosa,Nietzsche, Bergson -, mas outros são suscitados pela relação entre os conceitos filosóficos que ele cria a partir de outros filósofos e elementos não conceituais - funções e sensações - provenientes de domínios exteriores à Filosofia: Ciência, pintura, cinema, Literatura. Por exemplo, o que faz Hjelmslev, com meios linguísticos, Proust com meios literários, Bacon com meios picturais, ou Godard com meios cinematográficos vai ser muito importante para a criação dos conceitos da Filosofia deleuziana. Assim, as relações que ele estabelece entre conceitos filosóficos e a Literatura, as Ciências e as Artes estão a serviço da própria Filosofia ou da criação de conceitos. Se não há reflexão "sobre" e sim pensamento "a partir", ou melhor, "com", e se a Filosofia é especificamente o domínio dos conceitos, pensar a exterioridade da Filosofia é estabelecer conexões, articulações, agenciamentos com elementos não conceituais dos outros setores - funções, imagens, sons, linhas, cores - que, integrados ao discurso filosófico, são transformados em conceitos.

FILOSOFIA - Deleuze cria um pensamento da diferença estabelecendo relações entre as Filosofias, as Artes e as Ciências como uma forma de resistência ao pensamento da representação ou da identidade. Em que consiste a Filosofia da diferença de Deleuze?

Machado - Quando você lê Espinosa ou Kant, você não encontra referência a outros pensadores. Espinosa define a substância, os atributos, os modos; Kant define a sensibilidade, a imaginação, o entendimento, a razão, sem dúvida levando em consideração o que outros pensaram - não se faz Filosofia sem ter conhecimento da história da Filosofia -, mas eles não pensam a partir dos outros. Foi Hegel quem iniciou esse estilo de Filosofia em que não há praticamente diferença entre Filosofia e história da Filosofia ou do pensamento, refletindo a partir da tragédia, do estoicismo, do empirismo, do cristianismo, da Física, etc. Apesar das diferenças evidentes, Heidegger e muitos outros também estão em continuidade com esse estilo filosófico. Deleuze também. A ideia de pensar a partir de intercessores é essencial para ele. Mas evidentemente nem todo pensador é um bom intercessor. Lembro de Deleuze dizendo numa aula que filosofar é passear com um saco e, ao encontrar alguma coisa que sirva, pegar. Essa "alguma coisa" é essencial, pois mostra que é preciso um critério para integrar algum pensamento ao seu próprio modo de pensar. Esse critério é a diferença. Dito de outro modo, a Filosofia de Deleuze, em vez de supor que o pensamento tem uma história linear e progressiva, como em Hegel, ou mesmo uma história descontínua, como em Foucault, privilegia a constituição de espaços ou de tipos de pensamento. O que interessa a Deleuze em todos seus estudos é construir um espaço em que seja possível criar - a partir de pensamentos passíveis de entrar em relação - conceitos que expressem um pensamento da diferença que funcione como alternativa ao pensamento da identidade ou da representação. Se a Filosofia de Deleuze é mais geográfica do que histórica é porque estabelece duas dimensões, ou melhor, dois espaços do pensamento: o espaço do pensamento sem imagem, que é pluralista, ontológico, ético, trágico; e o espaço da imagem do pensamento, que é dogmático, metafísico, moral, racional... Procuro mostrar, analisando cada livro de Deleuze, que ele se insere especificamente nesse espaço do pensamento sem imagem, privilegiando a questão da relação entre termos ou entre séries, ou seja, é sempre a questão da relação que permite esclarecer a leitura deleuziana dos filósofos e dos não filósofos. Assim, enquanto o aspecto crítico de sua Filosofia tem sempre como alvo um tipo de relação que subordina a diferença à identidade, o procedimento filosófico deleuziano é fundamentalmente o projeto de afirmar a divergência ou a disjunção das séries para dar conta da identidade da diferença. Quero dizer com isso que, ao procurar responder à questão central de sua Filosofia: "O que significa pensar?", Deleuze privilegia a disjunção, o "acordo discordante". Em Diferença e repetição, por exemplo, quando se refere ao exercício superior das faculdades - que se opõe a seu uso representativo -, é a um exercício disjunto que ele apela. O que ele chama de exercício superior é aquele em que, ao comunicar a outra faculdade a violência que a leva a seu limite próprio - a seu máximo de potência ou limiar de intensidade - cada faculdade produz um acordo discordante que exclui o privilégio da identidade. No exercício superior ou transcendente das faculdades é a diferença que articula ou reúne. O lugar em que essa ideia aparece elaborada com mais rigor e criatividade é Diferença e repetição, seu livro mais importante. Mais esse é o tema de todos os seus estudos: sobre filósofos, artistas ou literatos.

QUERO DIZER COM ISSO QUE, AO PROCURAR RESPONDER À QUESTÃO CENTRAL DE SUA FILOSOFIA: "O QUE SIGNIFICA PENSAR?", DELEUZE PRIVILEGIA A DISJUNÇÃO, O "ACORDO DISCORDANTE"

FOTOS: SILVIA CONSTANTI

FILOSOFIA - Deleuze afirma que a função da Filosofia é criar conceitos. Que método ele usa para criar seus conceitos? De onde vem o substrato para os conceitos que cria (do raciocínio puro, da experiência, de ideias levantadas por outros autores)?

Machado - Retomando uma expressão utilizada por Deleuze, Foucault chamou esse método ou esse procedimento de "teatro filosófico". Gosto muito dessa expressão e a utilizo em meu livro para explicitar o modo como Deleuze cria os conceitos de sua Filosofia da diferença não só apropriando-se dos pensadores que ele privilegia por lhe serem úteis para esse objetivo, mas também os relacionando de uma forma bastante singular. Dizer que essa relação entre pensadores é um teatro filosófico significa dizer que Deleuze funciona como um dramaturgo que escreve as falas e dirige a participação de cada pensador em sua Filosofia. Para fazer isso, ele utiliza um procedimento de colagem que - como Duchamp e sua Mona Lisa bigoduda - faz aparecer, sob a máscara de Sócrates, o riso do sofista, ou faz que Duns Scot, o grande filósofo medieval, receba os bigodes de Nietzsche. Quer dizer, quando Deleuze repete o texto de um pensador, ele não está buscando sua identidade; está querendo afirmar sua diferença. É essa ideia de um procedimento capaz de criar um duplo sem semelhança, um duplo que deve comportar uma modificação, que estou querendo ressaltar quando falo de teatro filosófico. Pois é esse procedimento de apropriação e modificação das ideias dos pensadores que ele toma por aliados que permite dar conta do diferencial próprio ao seu pensamento, do que constitui sua singularidade como filósofo. Neste sentido, a Filosofia de Deleuze não só é uma Filosofia da diferença, mas também, coerentemente com essa posição, ela é feita diferencialmente, sempre privilegiando a diferença em relação à identidade. O objetivo mais ambicioso de meu livro Deleuze, a Arte e a Filosofia é apresentar a diferença como a invariante capaz de esclarecer as principais interpretações de filósofos, literatos, pintores e cineastas realizadas por Deleuze, para dar conta do que constitui a singularidade dessa Filosofia instigantee sugestiva.

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FILOSOFIA - Para Deleuze, os conceitos podem ser imutáveis ou são presos a um tempo (mudam com o contexto)? Ou seja, cada sociedade deve se esforçar para definir seus conceitos ou essa é uma tarefa atemporal?

Machado - Deleuze estuda essa questão em O que é a Filosofia?, um de seus últimos livros, pela diferença entre o devir e a história de um conceito. Para ele, um conceito é um todo fragmentado, uma articulação de componentes, eles mesmos conceituais, distintos, heterogêneos, mas inseparáveis, intrinsecamente relacionados. Um exemplo esclarecedor é o conceito cartesiano de eu ou de cogito: "penso, logo sou", que ele explicita como tendo três componentes: duvidar, pensar e ser. Esses três elementos constituem um conceito: o conceito de cogito. Mas esse conceito não existe de modo isolado na Filosofia cartesiana, pois uma Filosofia é formada por conceitos inter-relacionados. Na Filosofia cartesiana, o conceito de cogito se conecta com o conceito de Deus, que por sua vez se conecta com o conceito de extensão. Assim, o devir do conceito é essa conexão tanto dos elementos de um conceito quanto dos diferentes conceitos em um mesmo sistema conceitual criado por um filósofo. Já dizer que um conceito tem uma história significa que ele não é criado do nada; significa que foi preparado por conceitos anteriores ou que alguns componentes desse conceito vêm de conceitos de outros filósofos, embora ele permaneça original. A esse respeito, Deleuze chama a atenção para a originalidade do conceito kantiano de cogito com relação ao cartesiano, porque introduz um novo componente no cogito: o tempo como forma da interioridade. O que muda, então, com a introdução do tempo no cogito? A exitência de uma distinção entre o eu transcendental e o eu fenomenal no interior do sujeito, e que o único conhecimento que podemos ter de nós mesmos é o do eu fenomenal, empírico. Portanto, é no sentido de que um conceito é preparado por outros - como o conceito kantiano de cogito é elaborado a partir do cartesiano - que um conceito tem uma história.

QUANDO DELEUZE REPETE O TEXTO DE UM PENSADOR, ELE NÃO ESTÁ BUSCANDO SUA IDENTIDADE; ESTÁ QUERENDO AFIRMARSUA DIFERENÇA

FOTOS: SILVIA CONSTANTI
"Deleuze foi um dos bons encontros que tive na vida. alguém solitário, distante das disputas acadêmicas e da luta pelo poder, dedicado a seus estudos, transformando seus cursos em livros maravilhosos que cada vez mais são descobertos por quem quer pensar de modo diferente "

FILOSOFIA - Por que a Filosofia deve se esforçar para criar conceitos - o surgimento de conceitos, de alguma forma, pode alterar nosso modo de vida?

Machado - O aparecimento da Filosofia não é uma necessidade. Muitas sociedades viveram sem Filosofia, se a tomarmos no sentido técnico de criação de conceitos, e muitas ainda vivem até hoje. A Filosofia, segundo Deleuze, nasce quando os gregos criam uma nova disciplina, que pensa por conceitos, distinguindo-a da sabedoria, que pensa por figuras. Mas isso aconteceu devido a circunstâncias existentes em determinado momento da história. Evidentemente, a Filosofia condiciona nosso modo de vida, como também acontece com as Artes e as Ciências. Mas não me parece que Deleuze veja uma espécie de função revolucionária da Filosofia em geral, do mesmo modo que Foucault, aliás. Há um aspecto nietzschiano da Filosofia de Deleuze que vê grande parte do que foi pensado com conceitos, funções ou sensações como sendo niilista, uma negação da vida. Como a de Nietzsche, sua Filosofia é uma crítica de toda Filosofia que julga a vida a partir de valores transcendentes. Mas há uma diferença importante entre os dois. Nietzsche sempre procurou intensificar a diferença de sua Filosofia em relação aos outros pensadores para não ser contaminado pelo niilismo do pensamento, que impera na história; por isso ele é um filósofo que praticamente não reconhece aliados. Já Deleuze é um filósofo da aliança. Se sua geografia do pensamento agrupa os filósofos em espaços antagônicos tomando como critério a representação e a diferença, é porque considera que, além dos filósofos que negam a vida, e por isso estão excluídos do espaço em que ele pretende situar seu pensamento, existem filósofos ao lado de quem ele pensa, já que seus pensamentos afirmativos fazem deles alternativas ao niilismo: fundamentalmente Espinosa, Nietzsche, Bergson. É neste sentido que ele defende, utilizando uma ideia de Nietzsche, que o filósofo cria conceitos que nem são eternos nem históricos, mas extemporâneos.

FILOSOFIA - Há uma famosa frase de Foucault: "Um dia, talvez, o século seja deleuziano". Este século que se inicia tende a ser deleuziano? Em que sentido nosso século poderia ser deleuziano?

Machado - Dizer que o século um dia será deleuziano foi uma brincadeira que Foucault - que jamais deixava de rir quando pensava - fez, ao escrever um artigo maravilhoso sobre Diferença e repetição e Lógica do sentido intitulado "Teatrum philosophicum". Com isso, ele queria chamar a atenção para a importância da Filosofia de seu amigo, que, em 1969, ainda não era muito notada fora da universidade. Mas Foucault sabia muito bem que não tem sentido ser deleuziano, nem mesmo foucaultiano, pois tanto ele quanto Deleuze são filósofos da singularidade - como Nietzsche, o principal inspirador deles dois -, e, portanto, pensadores para quem não tem sentido ter discípulos. Eles viam seus escritos como instrumentos a serem utilizados para que cada um crie seu próprio pensamento.

Fonte: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/37/artigo144487-3.asp

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