terça-feira, 18 de agosto de 2009

Entrevista - Lápis, papel e muito debate

Desde o momento que o ensino da filosofia passou a fazer parte da vida dos jovens estudantes brasileiros, o panorama atual das salas de aula espalhadas pelo País mudou e abriu novas possibilidades para professores

por Karina Alméri e Edgar Melo

É comum encontrarmos professores, pedagogos e especialistas das diversas áreas do ensino criticarem a falta de percepção e senso crítico dos alunos que têm no ensino público sua única fonte para contextualizar a realidade de seu cotidiano. Retiradas do currículo obrigatório do ensino médio durante o regime militar (1964-1985) e substituídas por educação moral e cívica e OSPB, a sociologia e a filosofia voltaram com força total. Agora, Platão, Nietzsche e Bobbio dividem espaço com as matérias e temas convencionais e com as novas mídias sociais e aparelhos eletrônicos que fazem a cabeça dos jovens.

Para falar dessa evolução e, principalmente, do impacto da filosofia na vida dos alunos de ensino médio escalamos o doutor em Filosofia Antiga pela USP, professor e orientador do programa de mestrado da Universidade São Judas Tadeu e da Escola Nacional Florestan Fernandes, ex-professor do ensino Fundamental e Médio da Escola Carandá, Paulo Henrique Fernandes Silveira.

Nesta entrevista, o professor é enfático em lembrar Epicuro: “nunca é cedo demais, nem nunca é tarde demais para filosofar”.

LEIA A SEGUIR OS PRINCIPAIS TRECHOS DA ENTREVISTA:

CONHECIMENTO PRÁTICO FILOSOFIA - Do ponto de vista filosófico, o que é educação?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - Não há “um único” ponto de vista filosófico. Felizmente, como analisa Olgária Matos no livro “Filosofia – a polifonia da razão, filosofia e educação”, a diversidade de discursos e de vozes é uma característica da filosofia ocidental. Mesmo entre os antigos, havia muitas maneiras de se pensar a educação ou a formação das pessoas, o que os gregos chamam de paideia. No clássico: Paideia – a formação do homem grego, Werner Jaeger mostra como, nas diversas concepções do termo, a paideia expressa um ininterrupto processo de transformação do homem. Para os gregos, a educação estava ligada às ideias de liberdade e de felicidade. A alegoria da caverna, livro VII da República de Platão, ilustra esse movimento de libertação dos hábitos e dos preconceitos arraigados na sociedade.

CP FILOSOFIA - Em que a filosofia pode contribuir para formação dos alunos?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - Na obra “Fedro”, Platão sugere a necessidade de uma certa ousadia do aluno. Afinal, se a filosofia nos ensina a pensar por conta própria, até o mestre deve ser “traído” em algum momento. Não me lembro se aprendi isso com Olgária Matos ou com Marilena Chauí, mas a paideia relaciona-se com o brincar, em grego: paizo. A brincadeira é uma forma de aprendermos a trocar de papel com aqueles que admiramos, até passarmos a pensar sozinhos. Ao comentar o livro de Jaeger, o filósofo Martin Heidegger acrescenta que a paideia é um exercício de amor à humanidade, como se de tanto atravessarmos os caminhos pensados pelos outros, aprendêssemos a entender aqueles que escolhemos e os que não escolhemos seguir.

CP FILOSOFIA - Qual o objetivo do ensino de filosofia para crianças?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - Nunca é cedo demais, nem nunca é tarde demais para filosofar, diz Epicuro, como nunca é cedo ou tarde para procurarmos a felicidade. Alguns textos de filosofia não são leituras indicadas para um garoto ou uma garota de colégio, bastam os clássicos da literatura que o vestibular os obrigam a ler. Preocupado com essa questão, o americano Matthew Lipman idealizou um interessante método pedagógico, em muitos pontos, como defende o professor da Unicamp René Silveira, semelhante ao de Paulo Freire. Segundo Lipman, o objetivo do ensino de filosofia para crianças é instigar a reflexão e o diálogo entre os alunos. Para tanto, não é preciso ler a “Crítica da Razão Pura” de Kant ou as “Meditações Metafísicas” de Descartes.

CP FILOSOFIA - Até onde podemos caminhar com a filosofia e as crianças em uma escola?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - Pode-se discutir com os alunos uma notícia de jornal que instigue o diálogo sobre os limites da razão ou a abrangência da dúvida. A sala de aula se transformaria em uma “comunidade de investigação”, onde o mestre não é o porta-voz do conhecimento, mas o articulador do debate. A ideia original de Lipman é que a capacidade de dialogar, ou seja, de saber ouvir e de expressar as ideias, é uma ferramenta fundamental para a filosofia. Por outro lado, se bem me lembro das aulas do professor Celso Favareto, na Faculdade de Educação da USP, há um grande risco de que o método de Lipman possa criar uma imagem simplista da filoso fia, e que convide todos a serem filósofos, sem passar pela árdua tarefa de ler e de compreender as complexas teorias filosófi- cas. Mais ou menos como os jovens alunos que adoram rabiscar versos poéticos, mas não se interessam muito por Drummond ou Bandeira. De todo modo, retomando a tese de Olgária Matos, que Celso Favareto coloca em prática em suas aulas, a proposta de Lipman insere-se na polifonia filosófica e indica uma alternativa para um problema sério: a dificuldade cada vez maior que as pessoas têm em ser tolerantes umas com as outras e de reconhecerem a importância e o prazer do diálogo.

CP FILOSOFIA - Como você vê um aluno que não aprendeu a refletir?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - A pessoa que não enfrenta a paideia, diria Platão, fica presa ao cárcere da mediocridade. Numa versão dos gibis de Maurício de Souza, o homem da caverna passa o tempo vendo TV e comentando sobre a vida alheia. Além de ter uma vida besta, aquele que não sabe brincar de mudar de papel se coloca como senhor absoluto de todos os julgamentos, um tirano dos outros e de si mesmo. Estimulando o diálogo e a reflexão, a escola contribui para uma formação mais humanista.

CP FILOSOFIA - Quais danos intelectuais isso pode gerar para um estudante?

Paulo Henrique Fernandes Silveira - Talvez esse aluno não se transforme em um bem sucedido homem de negócios. Mas certamente ele tem grandes chances de se fazer um adulto criativo e inquieto, sempre buscando desafios, como Lipman, que abdicou de uma posição importante na Universidade de Columbia para ensinar crianças da periferia do Bronx a pensar e a dialogar.

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República de Platão O mais reconhecido e famigerado dos trabalhos que Platão escreveu lançou as bases da cultura ocidental. A República é uma das obras obrigatórias e lembrada como determinante para a formação dos novos filósofos. Por mais de dois mil anos, tem sido a pedra angular da reflexão política e filosófica do homem.

Bronx Bairro de Nova York conhecido por ter sido o lugar onde nasceu o hip hop e a salsa. Nos primeiros anos do século 20, abrigou os mais diversos imigrantes como irlandeses, alemães, italianos e judeus do Leste Europeu. Todos procuravam aluguel barato e oportunidade. Durante os anos de 1970 foi marcado pela violência e conflitos étnicos e raciais.

Fonte: http://conhecimentopratico.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/19/artigo147860-1.asp

Um comentário:

Claire disse...

nossa nunca ia imaginar qd li ese post q ele seria meu professor agora......excelente profsssor

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