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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Ética e Responsabilidade, por Sérgio Biagi Gregório


1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é refletir sobre a ética e a responsabilidade, no sentido de motivar as nossas ações para a prática do bem. Assim, analisaremos o problema do comportamento ético-moral e a autodeterminação do indivíduo dentro da sociedade.

2. CONCEITO

Ética - do gr. ethos significa originalmente morada, seja o habitat dos animais, seja a morada do homem, lugar onde ele se sente acolhido e abrigado. O segundo sentido, proveniente deste, é costume, modo ou estilo habitual de ser. A morada, vista metaforicamente, indica justamente que, a partir do ethos, o espaço do mundo torna-se habitável para o homem. Assim, o espaço do ethos enquanto espaço humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. (Nogueira, 1989)

Responsabilidade - do lat. responsabilitas, de respondere = responder, estar em condições de responder pelos atos praticados, de justificar as razões das próprias ações. De direito, todo o homem é responsável. Toda a sociedade é organizada numa hierarquia de autoridade, na qual cada um é responsável perante uma autoridade superior. Quando o homem infringe uma de suas responsabilidades cívicas, deve responder pelo seu ato perante a justiça. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo)

Responsabilidade moral. Filos. 1. Situação de um agente consciente com relação aos atos que ele pratica voluntariamente. 2. Obrigação de reparar o mal que se causou aos outros. (Dicionário Aurélio)

3. HISTÓRICO

3.1. ANTIGUIDADE

Desde que o homem teve de viver em conjunto com outros homens, as normas de comportamento moral têm sido necessárias para o bem estar do grupo. Muitas destas normas eram extraídas das religiões existentes, que cheias de dogmas e tabus impunham uma dose de irracionalidade ao valor moral. Mesmo entre os chineses, que não possuíam uma religião organizada, havia muitas normas esotéricas de comportamento ético.

A especulação exotérica começa somente com o pensamento grego. Sócrates, Platão e Aristóteles são os seus principais representantes. Sócrates dizia que a virtude é conhecimento; e o vício, é o resultado da ignorância. Então, de acordo com Sócrates, somente a educação pode tornar o homem moralizado. Platão estabelece que a vida ética é gradativamente mais elevada pela adequação desta às idéias (eide) superiores, análogas à forma do bem. Aristóteles deu à ética bases seguras. Dizia que o fim do homem é a felicidade temporal da vida de conformidade com a razão, e que a virtude é o caminho dessa felicidade, e esta implica, fundamentalmente, a liberdade.

3.2. IDADE MÉDIA

Na Idade Média, os valores éticos são condicionados pela religião cristã, especificamente o Catolicismo. A Patrística e a Escolástica são os seus representantes. Nesse período, dá-se ênfase à revelação dos livros sagrados. O Pai, o Filho e o Espírito Santo determinam as normas de conduta. Jesus, que é filho e Deus ao mesmo tempo, torna-se o grande arauto de uma nova ética, a ética do amor ao próximo. Porém, essa ética é conspurcada pelos juízos de valores de seus representantes, que distorcem a pureza do cristianismo primitivo.

As exortações católicas mantiveram-se por longos anos. Contudo, no século XVI começou a sofrer a pressão do Protestantismo, ou seja, a reação de algumas Igrejas às determinações da Igreja de Roma. Para os protestantes, a ética não é baseada na revelação, mas nos valores éticos, examinados e procurados de per si. A revelação religiosa pertence à religião. O filósofo ético deve procurar os fundamentos ontológicos dessa disciplina, tão longe quanto lhe seja possível alcançar.

3.3. IDADE MODERNA

Kant, o quebra tudo, surge nesse contexto. Para Kant a Ética é autônoma e não heterônoma, isto é, a lei é ditada pela própria consciência moral e não por qualquer instância alheia ao Eu. Como vemos, Kant dá prosseguimento à construção da própria moral. Não espera algo de fora. Aquilo que o homem procura está dentro dele mesmo. Muitos são os filósofos que seguiram Kant. Depois destes, surgem Scheller (1874-1928) , Müller, Ortega y Gasset etc., que penetram na ética axiológica, ou seja, estuda a ética do ângulo dos valores. (Santos, 1965)

4. ÉTICA E MORAL

Ética - do grego ethos significa comportamento; Moral - do latim mores, costumes. Embora utilizamos os dois termos para expressarmos as noções do bem e do mal, convém fazermos uma distinção: a Moral é normativa, enquanto a Ética é especulativa. A Moral, referindo-se aos costumes dos povos nas diversas épocas, é mais abrangente; a Ética, procurando o nexo entre os meios e os fins dos referidos costumes, é mais específica. Pode-se dizer, que a Ética é a ciência da Moral.

Ética e Moral distinguem-se, essencialmente, pela especulação da Lei. A Ética, refere-se à norma invariante; a Moral, à variante. Contudo, há uma relação entre ambas, pois a sistematização da segunda tem íntima relação com a primeira.

O caráter invariante da Lei possibilita-nos questionar: de onde veio? Quem a ditou? Por que? Com que fim? A resposta dos transcendentalistas é que ela é heterônoma, isto é, veio de fora do "eu". Deus seria o autor da norma. Liga-se, assim, Filosofia e Religião. Para os cristãos, as normas éticas estão centradas nos Dez Mandamentos; a resposta dos imanentistas é que ela é autônoma, isto é, surge das tensões das circunstâncias. (Santos, 1965)

5. AUTODETERMINAÇÃO E RESPONSABILIDADE

A autodeterminação expressa a essência do ser. É o poder que temos de atualizar nossas virtualidades. O pensamento científico auxilia, mas são os aspectos psicológicos, ideológicos, religiosos e filosóficos que emprestam o maior peso à nossa deliberação na vida. As virtualidades podem ser ativas e passivas. Se ativas, já estão determinadas de uma forma; se inativas, sabemos que estão em ato sob uma forma, mas que podem ser assumidas de outra forma, isto é, que são especificamente diferentes do que podem ser.

A ação humana, embora restrita à responsabilidade pessoal, tem como objetivo o interesse público. A vivência, semelhante à do eremita no deserto, é uma exceção. A questão ética diz respeito ao auxílio que cada um possa exercer na transcendência do outro. Em realidade, é a criação de condições para que o outro realize plenamente o seu projeto de vida ao qual foi destinado.

O princípio da autodeterminação moral é a base do comportamento ético adulto. Deixar-se guiar-se pelas máximas alheias é perder o eu em si mesmo. Segundo Sócrates, o ethos verdadeiro é agir de acordo com a razão, que se eleva acima do consenso da opinião da multidão, para atingir o nível da objetividade própria do saber demonstrativo. A autonomia, assim, não se realiza na solidão, mas se consolida pelo contato entre os seres humanos.

A lei é o farol da ética. Sua origem etimológica encontra-se no termo nomos de que o vocábulo lei (lex) é a tradução latina. Nomos vem do verbo nemo que significa dividir, repartir com outro, sugerindo a idéia de justiça. Dessa forma, as ações individuais no cumprimento dos deveres, devem salvaguardar a liberdade própria e a do outro. Por isso, Voltaire afirma com veemência: "Não concordo com o que você diz, mas defenderei o direito de você dizê-lo até o fim". (Nogueira, 1989)

6. COMPORTAMENTO ÉTICO

A reflexão sobre o ethos leva-nos à prática do amor. O verdadeiro exercício do amor longe está das proibições e interdições de que a moral propõe. É uma autodeterminação que envolve a autonomia da vontade na busca da atualização do ser. Assim, não é agir de qualquer jeito, mas de forma ordenada, generosa, que promova a pessoa e os direitos do outro, sobretudo quando esses direitos são espezinhados.

O comportamento ético não consiste exclusivamente em fazer o bem a outrem, mas em exemplificar em si mesmo o aprendizado recebido. É o exercício da paciência em todos os momentos da vida, a tolerância para com as faltas alheias, a obediência aos superiores em uma hierarquia, o silêncio ante uma ofensa recebida.

7. CONCLUSÃO

A Ética, a Moral e a Responsabilidade determinam a perfeição do ser. Acostumados a confundir os meios com os fins, não conseguimos visualizar claramente o fim último da existência humana. Por isso, o erro crasso de conceber a Moral como um mero e fastidioso catálogo de proibições. O fim do homem é, pois, o de realizar, pelo exercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza. Implica, muitas vezes, a obediência à vontade de Deus, contrariando a própria, se assim delimitar, o dever, imposto pela sua consciência.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro, M.E.C., 1967.
FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d/p.
NOGUEIRA, J. C. Ética e Responsabilidade Pessoal. In MORAIS, R. de. Filosofia, Educação e Sociedade (Ensaios Filosóficos). Campinas, SP, Papirus, 1989.
SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.
São Paulo, maio de 1999.
Fonte: http://www.ceismael.com.br/filosofia/etica-e-responsabilidade.htm 
Imagens: Google

domingo, 11 de abril de 2010

HABERMAS e a ética dialogal para o consenso

José Fernandes P. Júnior[1]

“Quando secam os oásis utópicos estende-se um deserto de banalidade e perplexidade”.

Jürgen Habermas

Jürgen Habermas é um dos pensadores mais influentes do pós-Guerra. Seu pensamento abarca diversos temas – direito, política, história, ética – que se entrecruzam chegando ao final num único ponto: o homem na sociedade. Sua vida é conhecedora dos abusos e desvios do poder, desde a crueldade dos campos de concentração em Auschwitz até o terror do 11 de setembro de 2001. Nascido em Dusseldorf, no ano em que o mundo passava por uma grande crise econômica; 1929 fora, também, o ano da fundação da Universidade de Frankfurt, que mais tarde daria ao mundo uma plêiade de intelectuais que marcariam o pensamento filosófico para sempre. Daquele centro de excelência do conhecimento, surgiria a Escola de Frankfurt, da qual Habermas faria parte. Por pouco tempo teve seu nome ligado aos frankfurtianos da Segunda Geração, pois preferiu, independentemente, trilhar caminhos próprios ao postular a sua teoria da ação comunicativa.

O pensamento habermaseano faz coro com a crítica desferida à metafísica tradicional e tenta “desconstruir o paradigma da modernidade iniciado por Descartes e Locke, configurado na oposição racionalismo versus empirismo”. Noutras palavras, o proposto por Habermas é o de dar a razão um limite, pois o endeusamento da mesma pode chegar a extremos irracionais. Veja-se o caso dos totalitarismos, que ao se apegarem a solipsismos inconseqüentes, geram projetos de poder contaminados de desvios. Este tipo de racionalidade é rechaçada por Habermas, por ser subjetivista e por que a própria razão não fez a crítica a si própria. Nesses termos, o modelo de racionalidade expedido na modernidade por Descartes, deve ser posto à análise e à crítica. Desse modo entendem Martins e Aranha que “o paradigma da racionalidade moderna precisa ser contestado, mas não por meio do irracionalismo e, sim, pela atividade crítica da razão mais completa e mais rica, que dialoga e se exerce na intersubjetividade”. Assim, o modelo que Habermas nos oferece é o do uso da razão comunicativa; não subjetivista, mas dialogal.

DIÁLOGO: Ponte para uma sociedade mais solidária

Nessa perspectiva, o viés que nos é apresentado é o da construção dialogal entre as pessoas, que por sustentabilidade dos argumentos expostos chegam ao consenso. Assim, a linguagem, a palavra, o discurso têm importância decisiva na tarefa de se chegar ao consenso e, por conseguinte, à ética. Esta construção dar-se-á através da “pluralidade de vozes” que argumentam em busca do consensual. Notemos, aqui, a importância que a palavra tem no mundo da vida das pessoas e na sociedade. Não era assim que os gregos – povo da palavra – tentavam sanar os problemas da polis? Certamente. Entretanto, há que se ter cuidado frente às artimanhas sofísticas e falaciosas de que alguns se valem para persuadir. Nenhum interesse particular deve sobrepor aos da comunidade; pois sendo o consenso construído por uma pseudo-discurso, este revelará sua inautenticidade frente aos interesses da maioria. A ética do indivíduo, não deverá estar acima do “todo” coletivo. Nesse sentido, o Professor Olinto Pegoraro nos diz que “Habermas, partindo de um ponto de vista universal, de um lugar de observação e de julgamento pelo qual as contendas podem ser arbitradas imparcialmente e por consenso, não quer construir um ética da obrigação como Kant, mas uma teoria ou instância de validação da norma existente feita por ‘nós’ e não por uma consciência solitária, solitária e intimista.”

Esse modelo do qual Habermas – juntamente com Karl-Otto Apel (1922) – se vale é pautado, sobretudo, no diálogo. Este seria o aspecto de maior relevância na construção de uma sociedade mais equânime e tolerante. Registre-se que, como mencionamos acima, a ojeriza que nosso filósofo tem a qualquer ato de terror e intolerância à humanidade. Talvez por isso, tenha encontrado na linguagem, no diálogo o meio possibilatador da construção de uma sociedade mais solidária. Desse modo, como nos afirma C. Helferich, “a forma básica de seu pensamento é, portanto, reflexiva, ou seja, auto-referente [...]. Assim o ponto de partida da reflexão não é – como em Kant – o pensamento solitário do indivíduo, mas o discurso, a argumentação em comum, sempre mediatizada pela linguagem”. No entanto, argumentar exige compromisso. E o discurso não pode ser vazio de sentido, pois se assim for, não se sustentará e, conseqüentemente, será descartado pelos outros. Assim, não temos como fugir da argumentação. Todos nós precisamos de argumentos como condição vital. O jornalista se utilizará dos mesmos para evidenciar a notícia, o advogado para defender seu cliente, o publicitário para vender seu produto, o professor para fazer com que o aluno compreenda, o político para convencer que é o melhor candidato, o operário para mostrar que merece aumento salarial etc. Os exemplos são inumeráveis. O certo é que a todo instante estamos a fazer discursos e buscando o consenso. Quando isso não ocorre, está ai a Justiça para resolver os conflitos; e mesmo que isso ocorra, as situações litigiosas não escapará à esfera dos argumentos. “A situação da argumentação é, portanto, inescapável. Argumentar significa fazer valer pretensões por meio de argumentos; em outras palavras significa que aquele que argumenta, sempre se comprometa”, diz-nos Helferich.

A PARTE E O TODO NA ÉTICA DO DISCURSO

Como se vê, a teoria da ação comunicativa de Habermas desdobra-se em sua ética do discurso, que por sua vez tem como finalidade o consenso. Posto desse modo, o entendimento será sempre alvo da ética do discurso. Assim, em meio a um arrazoado de argumentos, quando alcançado o consenso, chega-se à verdade; não a verdade objetiva, “mas as proposições validadas no processo argumentativo em que se alcança o consenso”. Como se percebe, a ética habermaseana pressupõe a autenticidade do discurso e a prioridade do coletivo sobre o indivíduo. Tal ética não tem pretensões de prometer uma vida feliz para o sujeito social, ao contrário; o objeto da ética discursiva é a validade da norma, construída pelo “todo coletivo” através do consenso que as partes individuais decidiram construir. A respeito disso, vejamos o que o Olinto Pegoraro diz: “na ética discursiva, não existe uma preocupação de ordem existencial de cada pessoa e de cada situação concreta, visando orientar o sujeito para uma vida boa e feliz; pelo contrário, a ética deontológica discute as condições nas quais uma norma pode ser aceita como válida; então o problema ético se desloca da questão do bem para a questão do justo, da felicidade pessoal para a validade prescritiva da norma”. Percebe-se que a ética discursiva tem por objeto a construção de uma sociedade mais democrática, tendo em vista que aquilo que foi aprovado com a aquiescência da maioria consensual deve ser validado como escolha mais justa e pragmática. Como peculiaridade, nota-se que a ética discursiva é procedimental, isto é, quando todos que estão envolvidos no debate se prestam a cumprir o que foi acordado por meio de uma norma, tem-se aí a universalização concreta e pragmática do processo instalado para se chegar ao consenso.

A ética do discurso enseja sempre que a autenticidade discursiva tenha apenas uma finalidade, qual seja, a busca pela verdade. Por isso, no projeto ético habermaseano, não há espaço para mentiras políticas e nem coisas afins. Para Habermas, todo discurso deve ter a pretensão de se dizer sempre a verdade: “ falar é ipso facto levantar uma pretensão de validade; qualquer pessoa que realiza um ato de fala é obrigada a exprimir pretensões universais à validade e de se supor que é possível honrá-las” – diz Habermas, citado por O. Pegoraro. Portanto, reitere-se isso: no projeto ético habermaseano não há espaço para interesses escusos, aqueles que tanto seduzem os políticos.

Mas como deve ser os critérios do discurso apregoado por Habermas? E o que é esse tipo de discurso? – o leitor deve estar indagando agora. Vejamos como Helferich ajuda-nos a compreender isso: “o discurso é uma espécie de negociação, na qual em primeiro lugar, não é permitido excluir ou diminuir ninguém, em segundo, só contam argumentos e jamais artimanhas retóricas e, em terceiro, na qual a sentença não é pronunciada por um único indivíduo, mas consiste na concordância sem coerção, no consenso de todos implicados”. Assim, o discurso deve ser democrático, ninguém deve ser excluído. Em resposta a primeira indagação, Helferich afirma: “as obrigações, válidas em todo discurso, são de natureza moral [...] Elas nos comprometem, de modo geral, com a racionalidade que não podemos contestar, no sentido de uma ética da comunicação sincera, e nos oferecem uma um critério para discutir e julgar, fundamentalmente normas morais: são moralmente obrigatórias todas as normas que podem ser legitimadas por meio do consenso, ou seja, do acordo sem a coerção dos argumentadores”. Observa-se, aqui, que as obrigações impostas pela ética do discurso são a comunicação sincera, a moral e a ausência de qualquer tipo de coerção.

Portanto, a teoria comunicativa de Habermas tem um viés plenamente democrático. Todos devem participar. Ninguém deve ser excluído do projeto de construção de uma sociedade melhor. Nesse plano, a razão comunicativa deve prevalecer sobre a razão subjetiva. A respeito disso, Martins e Aranha afirmam que “a ação comunicativa supõe o entendimento entre os indivíduos que procuram, pelo uso de argumentos racionais, convencer o outro (ou se deixar convencer) a respeito da validade da norma: instaura-se aí o mundo da sociabilidade, da espontaneidade, da solidariedade, da cooperação”.

BIBLIOGRAFIA:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003.

HELFERICH, Christoph. História da filosofia. Trad. Luiz S. Repa; Maria E. H. Cavalheiro; Rodnei do Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

PEGORARO, Olinto. Ética dos maiores mestres através da história. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.


[1] Graduado em Filosofia; Bacharelando em Direito; Professor de Filosofia na rede pública de ensino do DF e autor de vários artigos nas áreas do Direito e da Filosofia

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Mais uma vez, agradeço a oportunidade de publicar mais um excelente artigo do Professor José fernandes P. Junior .

Parabéns pelo seu trabalho.

Marise.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Ensino de filosofia e a responsabilidade ética como postura moderada

Alcemira Maria Fávero1

Durante muito tempo o homem acreditou que poderia haver algum lugar seguro do qual pudesse partir para realizar suas ações no mundo, onde a vida humana pudesse encontrar a plenitude, em outras palavras, havia a crença no princípio do fundamento. No universo religioso Deus representou, e representa ainda, para muitas culturas o fundamento seguro para o qual tudo deve convergir. Em Deus estão os pontos de partida e de chegada do ser humano. O fundamento, na filosofia clássica, fez-se presente na compreensão metafísica de mundo, na qual conhecer significava buscar a essência em oposição à aparência e, na metafísica2 moderna, entre os muitos sentidos atribuídos a esse complexo conceito está a idéia do império da razão suficiente3.

Entretanto, não existe mais um lugar seguro para o homem apoiar o seu agir e viver tranqüilo, certo de que sua ação foi, antes tudo, uma ação ética. A ética, na educação, precisa ser pensada como experiência do saber viver junto. A educação deve contribuir para que os estudantes aprendam, pela sensibilidade ética e pela vivência de grupo, a perceber os aspectos conflitivos e injustos da realidade que os cerca e, com base numa experiência dialógica sobre os princípios de valor, possam, eles próprios, analisar, criticar e julgar as normas vigentes na tentativa de construir formas mais justas de vida para si mesmos e para os outros. O espaço escolar, nesse sentido, pode favorecer para que os estudantes orientem seu comportamento de forma coerente com os princípios que aprenderam a respeitar por vivenciarem um processo de reflexão e por entenderem a importância de serem seguidas normas socialmente construídas.

O objetivo do presente texto é analisar o problema da responsabilidade ética num tempo pós-metafísico com base em Habermas. Para tanto, iniciamos apresentando algumas características gerais do pensamento metafísico moderno e do pensamento pós-metafísico segundo uma leitura de Habermas. Em seguida, tendo como referência a pergunta “existem respostas pós-metafísicas para a questão da vida correta?”, investigaremos o texto de Habermas “Moderação justificada” (2004, p. 3 - 22), o qual servirá de suporte para podermos pensar sobre questões de sensibilidade e responsabilidade moral.

I. O pensamento metafísico e pós-metafísico 

A metafísica moderna pode ser entendida como o desejo da auto-realização do espírito humano, a união entre razão e liberdade, a crença na capacidade racional do homem para desvendar os segredos da natureza e, por meio dela, promover a emancipação do homem rumo à felicidade. Também se denomina “filosofia da subjetividade” ou “da consciência/autoconsciência”, ou seja, o sujeito cognoscente tem plena consciência das representações que tem dos objetos e das condições de possibilidade do conhecimento a priori dos objetos.

A crença iluminista pautou-se pela convicção de que o aprimoramento da razão poderia transformar a humanidade numa sociedade culta, eticamente correta, justa e igualitária. Contudo, esse ideal de cidadão livre e emancipado fracassou, porque a razão não libertou o homem; pelo contrário, condenou-o à ordem burguesa, às leis do mercado, e deixou-se instrumentalizar4.

Não existe mais lugar seguro, tampouco verdade absoluta. Os conhecimentos são provisórios e os valores morais/éticos são expressões da cultura localizadas no tempo. A pergunta que se coloca é: o que a humanidade pode fazer? E, nessa mesma direção, o que cabe à filosofia? O século XXI coloca nas mãos dos homens toda a responsabilidade pelas suas ações no mundo.

II – Moderação justificada 

Em seu texto “Moderação justificada. Existem respostas pós-metafísicas para a questão sobre a ‘vida correta’?”, do livro O futuro da natureza humana, Habermas procura trazer para a discussão justamente o problema da responsabilidade do ser humano perante o seu poder de intervenção na vida e o desafio da moderna compreensão de liberdade. Discute sobre o tratamento que se deve dar à pesquisa e à técnica genética; reflete a respeito do “poder ser si mesmo”e sobre a responsabilidade que cada um tem consigo mesmo e com os outros; questiona sobre o poder que um indivíduo tem na relação com o outro numa decisão que é irreversível, ou seja, a heterodeterminação pela modificação genética.

Habermas apresenta o texto em três momentos: no primeiro, procura refletir sobre o limite da filosofia ao tratar de questões que dizem respeito à “vida correta” após a metafísica; no segundo, traz para a discussão as idéias de Kierkegaard sobre ética, e, por último, fazendo relação com as idéias de Kierkegaard e com o papel da filosofia segundo uma visão pós-religiosa e pós-metafísica, analisa o problema da intervenção no genoma humano e as possíveis conseqüências que essa intervenção possa causar na autocomprensão ética das pessoas que sofreram modificações genéticas.

2.1 A vida correta e o limite da filosofia prática 

Se estamos conscientes de que respostas metafísicas ou religiosas não fazem mais eco nas sociedades plurais e complexas, somos obrigados a começar a pensar de outra forma: de uma forma que possamos discernir sobre o significado de ser livre, ser correto, praticar justiça, injustiça, direitos, deveres, que não seja pela compreensão e justificativa religiosa, tampouco pela idéia de que existam fundamentos seguros e princípios universais de conteúdos valorativos que possam, por eles mesmos, indicar a maneira correta para se viver bem e ser feliz. Essas questões precisam ser discutidas com a ajuda de razões epistêmicas num mundo intersubjetivamente compartilhado.

Habermas, ao iniciar seu texto com uma questão retirada do romance de Stiller “O que o homem faz com o tempo de sua vida?” ou “ O que devo fazer com o tempo de minha vida?”, parece estar justamente chamando a atenção para o fato de que as respostas às indagações éticas precisam ser diferentes das que estávamos acostumado a oferecer, pois, quando se respondia tendo em vista o religioso, o caminho indicado era o da salvação, ao passo que, quando se buscava a filosofia, as respostas indicavam modelos de vida éticos (modelo digno de imitação para vida).

Habermas entende que a filosofia não se julga mais capaz de dar respostas definitivas às perguntas que dizem respeito à vida correta porque não há como assegurar a totalidade da natureza ou da história. As sociedades, com suas respectivas culturas, foram se formando a partir de modos de vida que lhes são próprios, e o tempo histórico-cultural não é igual para todos. Entre uma cultura e outra existe uma diferença temporal; por isso, pode-se considerar como uma extrema agressividade a “necessidade globalizada” que uma modernização acelerada impõe às nações. Essa imposição vai obrigando as pessoas a perderem sua identidade cultural, suas raízes, o que causa estragos profundos na autocompreensão dos sujeitos. Não há como designar modos de vida exemplares para que todos sigam uma vez que as culturas são muito diferentes. Por isso, a questão “O que devo fazer com o tempo de minha vida?” só pode ser respondida pelo sujeito que a faz, ou seja, cabe a cada um decidir sobre a conduta de sua vida.

Uma sociedade democrática deve primar pela liberdade a fim de que os indivíduos possam, por si mesmos, desenvolver uma autocompreensão ética pessoal da “vida boa”. Caberia-nos aqui perguntar: como é possível a autocompreensão ética? O projeto pessoal de vida precisa ser construído pela pessoa, que é responsável por si mesma, mas isso não significa que tal projeto ocorra independentemente dos contextos partilhados intersubjetivamente, ou seja, que a autocompreensão possa ser entendida como algo que o sujeito constrói no isolamento, na individualidade; ao contrário, a autocompreensão só é possível na relação interpessoal. É preciso que cada pessoa se compreenda, seja responsável consigo mesma, preocupe-se com a sua vida e comece a questionar sobre qual é a melhor coisa a fazer por ela mesma e pelos outros. As pessoas podem, em sua autocompreensão existencial, seguir modelos de vida da sua moral religiosa, de ensinamentos de cunho valorativos da tradição familiar ou da comunidade local. A filosofia, diz Habermas, “não pode mais intervir no debate desses poderes de fé, fundada em seu direito próprio” (2004, p.6). O que a filosofia pode fazer é analisar as propriedades formais dos processos de autocompreensão sem assumir uma posição em relação aos conteúdos. Nas palavras do autor podemos conferir:
 
Desse modo, ela desfaz a conexão, que é a única a garantir aos julgamentos morais a motivação para agir corretamente. As condições morais só condicionam efetivamente à vontade quando se encontram inseridas numa autocompreensão ética, que coloca a preocupação com o próprio bem-estar a serviço do interesse pela justiça (HABERMAS, 2004, p. 7).

As pessoas podem até argumentar muito bem sobre o que é certo, errado, justo, injusto; estar esclarecidas e convencidas da importância da moral religiosa para uma vida eticamente correta; as éticas deontológicas poderiam fundamentar de maneira convincente as normas e os julgamentos morais, mas isso tudo não garante a prática de tais julgamentos. O que, de fato, poderia garantir que as pessoas pratiquem a justiça, ajam corretamente, sejam honestas etc.? Não se pode, a partir do texto, inferir que Habermas pense que haja garantia, mas, citando Kierkegaard e argumentando com base na sua proposta filosófica, parece claro que Habermas indica possibilidades para o agir correto por meio de elementos que permitam justificativas racionais. Também se pode constatar que o autor assume uma consciência de mundo desacralizada, por isso pós-religiosa. Defende, ainda, uma postura cautelosa perante as questões que tratam da vida humana e da ação do ser humano no mundo.

Com base nessa reflexão podemos entender que não se trata de desconsiderar os saberes espontâneos ou religiosos das pessoas; ao contrário, é necessário considerar os saberes próprios do senso comum ou da vida prática das pessoas, porque esses saberes são orientadores da vida. A consciência religiosa das pessoas representa algo muito forte no sentido de motivação para a ação e, por isso, é preciso ter cautela também nessa situação. Um conhecimento novo que ignora o saber cotidiano dificulta nossa autocompreensão “enquanto seres capazes de ação e linguagem”.

2.2 Ser si mesmo e a autocompreensão ética 

Para compreender a reflexão de Habermas sobre o autocompreensão ética e a responsabilidade num contexto pós-metafísico e pós-religioso, é preciso entender por que ele traz as idéias de Kierkegaard sobre o tema da ética. Habermas considera que Kierkegaard foi o primeiro a responder à questão ética com um conceito pós-metafísico do “poder de ser si mesmo”.

Tem “poder de ser si mesmo” o indivíduo que é consciente de sua existência. Como isso acontece? O indivíduo apropria-se de seu passado histórico “efetivamente encontrado e concretamente rememorado” e, examinando a própria vida, é capaz de arrepender-se de seus erros e voltar a agir na sociedade sem o sentimento de vergonha; assim, passa a ver em si a pessoa que ele gostaria que os outros conhecessem. A avaliação crítica da história de vida permite a cada um constituir-se na pessoa que quer ser e conduzir a sua vida segundo o próprio governo. Concentrando-se em si próprio, o indivíduo vai se libertando da dependência de um ambiente dominador, podendo recuperar sua individualidade e sua liberdade. Nas palavras de Habermas:
 
Na dimensão social, tal pessoa é capaz de assumir a responsabilidade pelos próprios atos e contrair compromissos com seus semelhantes. Na dimensão temporal, a preocupação consigo mesmo cria uma consciência da historicidade de uma existência que se realiza nos horizontes do futuro e do passado, simultaneamente entrecortados (2004, p. 10).
 
Habermas considera essa compreensão ética de Kierkegaard pós-metafísica, porém não pós-religiosa, porque essa forma de existência ética está nas mãos do ser humano; é um esforço próprio de cada sujeito; não há tutela, mas um sentimento (motivação) de respeito para com Deus. Para Kierkegaard, segundo Habermas, o espírito humano só pode alcançar a compreensão correta de sua existência por meio da consciência do pecado. O ser humano tem um compromisso para com Deus, ao qual ele tudo deve; obstinado para ser si mesmo, o homem reconhece-se finito e dependente em relação a um Outro (Deus).

O problema da motivação parece fundamental para se entender como é possível o agir correto. Nenhuma norma moral tem o poder de fazer alguém ser eticamente correto; fundamento algum pode convencer alguém do porquê de ser efetivamente moral. Portanto, somente algo que possa mexer com a vontade, o desejo, a motivação do sujeito para ser ético é que vai favorecer uma autocompreensão ética.

Para Habermas, se a compreensão for correta, a relação da transcendência de ser si mesmo, ou de um poder transcendental, não está em Deus, do qual o homem tudo depende, mas no logos da linguagem. As pessoas encontram-se inseridas histórica e socialmente num mundo da vida estruturado pela comunicação, e é pela linguagem que o entendimento entre os sujeitos torna-se possível. As pessoas buscam entendimento de si mesmas e sobre o mundo numa relação compartilhada intersubjetivamente. “Nenhum participante individual pode controlar a estrutura ou mesmo o desenrolar dos processos de compreensão e de autocompreensão” (HABERMAS, 2004, p. 16). Os homens entendem-se uns com os outros porque são sujeitos capacitados para a linguagem e para a ação. A ação comunicativa efetiva-se e tem força porque há nela pretensões e justificativas que podem ser aceitas pelos envolvidos. É nesse sentido que se pode dizer que o processo de autocompreensão ética só pode ser adquirido num esforço comum. “A partir dessa perspectiva, aquilo que nosso ser si mesmo torna possível surge antes como um poder transubjetivo do que como um poder absoluto” (HABERMAS, 2004, p.16). Em outras palavras, merecemos respeito porque convivemos uns com os outros e devemos lealdade à comunidade ou tradição a que pertencemos, não porque somos racionais, temos um fim em si mesmo ou porque somos filhos de Deus.


2.3 Moderação pós-metafísica e ética das espécies 

Os modos do poder de ser si mesmo revelam forças normativas orientadoras da vida, pois, quando dizemos que é preciso examinar a vida, avaliar, reconhecer, projetar, justificar, compartilhar e se responsabilizar, estamos indicando procedimentos. Esse direcionamento que visa a projetos de vidas individuais e a formas de vida particulares acaba, de certa forma, dando conta daquilo que se chama “pluralismo”.

A autocompreensão ética não está presa a fundamentos porque é algo construído no tempo e no espaço de cada pessoa. Não é lei, nem representa um lugar seguro; tampouco indica certezas, é falível e vulnerável. Diz-se, então, que é uma ética pós-metafísica reveladora de racionalidades que permitem antecipar uma vida fracassada.

A moderação pós-metafísica vê-se limitada ao discutir questões que tratam da ética da espécie e, “tão logo a autocompreensão ética de sujeitos capacitados para linguagem e para a ação entra totalmente em jogo, a filosofia não pode mais se furtar a tomar posição a respeito de questões de conteúdo” (HABERMAS, 2004, p.17). Habermas chama a atenção para o fato de que as conquistas das ciências afetam a autocompreensão das pessoas como seres que agem de forma responsável. As novas tecnologias e pesquisas científicas obrigam a sociedade a aceitar um discurso público do como se deve compreender o correto em relação à vida cultural, em outras palavras, a ciência decide o que é culturalmente uma vida boa.

Os avanços da biotecnologia, na sua empreitada de intervenção no genoma humano, podem representar, caso não haja moderação, uma ameaça à identidade da espécie humana, uma vez que a pessoa modificada geneticamente está heterodeterminada5. A intervenção na formação da identidade de alguém é unilateral e irreversível, o que, para Habermas, representa algo muito sério. Como alguém pode ser co-autor da vida alheia? Qual será a reação da futura pessoa ao se dar conta de que a sua biografia não lhe pertence, ou melhor, de que não pode se considerar como autora única de sua própria história?

No posfácio da obra O futuro da natureza humana, Habermas, tentando responder a objeções, acaba complementando o seu primeiro texto “Moderação justificada: existem respostas pós-metafísicas para questão sobre a vida correta?” com questões muito interessantes e, de certa forma, polêmicas sobre a aceitação de uma prática eugênica6. Pergunta: “(...) quais os efeitos do direito dos pais de tomar uma decisão eugênica sobre os filhos geneticamente modificados? Será que estas conseqüências eventualmente não afetam o bem-estar objetivamente protegido da futura criança” (2004,p. 106). “Será que os pais que só querem o melhor para seus filhos têm, realmente, condições de prever as circunstâncias – e o efeito conjunto delas – em que, por exemplo, uma memória brilhante ou uma grande inteligência (...) serão benéficas?” (HABERMAS, 2004, p. 116). Essas vantagens que a intervenção genética pode oferecer serão mesmo vantagens? No entendimento de Habermas, ter uma boa memória pode ser uma bênção, porém, dependendo da situação, não se pode esquecer que pode ser uma maldição. Mentes brilhantes, superdotadas, podem vir a ser, numa sociedade que supervaloriza a concorrência, mentes perversas. Como fica a idéia de igualdade de condições, de respeito e solidariedade entre as pessoas se alguns poderão estar “muito” à frente de outros? Essas pessoas desenvolverão em si o sentimento de obrigação e de responsabilidade pelos seus atos? No entender de Habermas:

 
Os sujeitos que julgam e agem moralmente supõem que entre si haja uma capacidade de imputação; eles atribuem a si mesmos e aos outros a capacidade de elevarem uma vida autônoma e esperam uns dos outros igual solidariedade e respeito (HABERMAS, 2004, p. 110).

A natureza orgânica, que no início da vida é resultado de contingência, passa a ser material de manipulação com intenção objetiva. Os cientistas, os geneticistas e os pais conseguirão prever objetivamente a relação que esse organismo modificado terá com o meio ambiente durante toda a sua história de vida? As pesquisas genéticas já mostraram que as relações fenotípicas são resultado da interação do genoma com o meio; também se sabe que a fenocópia7 já representa uma alteração no genoma, ou seja, o próprio organismo vai produzindo constantemente sua adaptação.

A ética, em nosso século, sem dúvida, passa por um momento sui generis de toda sua história, porque precisa ser repensada à luz deste novo tempo, que não é o tempo de todos os povos. Algo muito diferente está sendo trazido para a discussão pública porque, querendo ou não, o planeta inteiro está e continuará sendo atingido. Até então, a constituição genética dos recém-nascidos escapava de toda programação e da manipulação intencional feita por terceiros. O que se coloca hoje é essa possibilidade de terceiros interferirem no processo contingente de fecundação e, com isso, de modificarem a natureza da espécie humana. Entre o que se pretende manipular está o elemento da contingência humana – contingência no sentido de que algo poderia ser, mas também poderia não ser -, e o que se torna indisponível com a manipulação genética é justamente a contingência.

Uma pessoa determinada geneticamente não terá a seu favor o elemento contingente porque sofreu uma influência específica que terá conseqüências no curso de sua vida. Habermas compara essa situação de intervenção que inclui a capacidade cognitiva aos treinamentos forçados precocemente, entendendo que ambos são irreversíveis. Não ter acesso ao elemento da contingência significa não poder contar com o poder de ser si mesmo, uma vez que a manipulação genética poderá interferir nos fundamentos somáticos da autocompreensão espontânea e da liberdade ética da pessoa. A pessoa modificada geneticamente talvez não se responsabilize pelas conseqüências indesejáveis causadas pela situação à qual foi exposta (ser produto genético) e queira pedir satisfação aos seus pais pelo fato de não poder ter nas mãos sua própria história de vida. “Certamente, a pessoa em crescimento”, diz Habermas, “pode submeter sua história pessoal a uma avaliação crítica e a uma revisão retrospectiva. Nossa biografia compõe-se de uma matéria da qual podemos nos ‘apropriar’ e pela qual podemos, no sentido de Kierkegaard, nos responsabilizar” (2004, p.19).

III - Responsabilidade como postura moderada no pensamento pós-metafísico 

No presente texto procurou-se apenas realizar um exercício reflexivo na tentativa de buscar discernimentos, de provocar a tematização sobre a decodificação do genoma e de “exigir” da comunidade científica um certo “freio” no seu entusiasmo pela ficção científica. “Tenho a impressão de que ainda não refletimos suficientemente a fundo sobre essa questão. Sobretudo no que se refere à relação entre a indisponibilidade de um início contingente da história de vida e a liberdade para dar uma análise mais profunda” (HABERMAS, 2004, p.103).

É necessário, nesse sentido, buscar uma melhor compreensão desse “tempo” para podermos agir de maneira mais consciente e responsável em relação às conquistas científicas. Não se trata, como pensa Habermas, de criticar os avanços do conhecimento científico, mas de querer saber se, efetivamente, essas conquistas afetam a nossa autocompreesão como seres responsáveis.

Se o que resta é a responsabilidade, então é preciso garantir a liberdade e, ao mesmo tempo, problematizar a compreensão que temos dela. Liberdade, direito, poder e responsabilidade precisam estar sempre em debate, pois, quanto maior for conhecimento, maior será responsabilidade. Por isso, Habermas, ao tratar das novas tecnologias, afirma: “Os filósofos não tem mais nenhum bom motivo para abandonar esse objeto de discussão dos biólogos e dos engenheiros (...)” (2004, p. 22).

Quando dizemos que o que resta é a responsabilidade, estamos assumindo uma visão pós-metafísica e pós-religiosa do mundo. Pós-religiosa, porque não vemos a possibilidade de recorrer à fé religiosa ou às leis divinas para exigir das pessoas, poderosas ou não, que não façam bobagens, que sejam solidárias, que cuidem do planeta e que protejam a vida. Pós-metafísica, por estarmos cientes de que ser portador de uma razão esclarecida da qual podemos fazer uso não é suficiente para dizer que, necessariamente, a humanidade caminhará para a felicidade. A responsabilidade requer justificação racional, sensibilidade estética, conhecimento amplo, comunicação e amor – amor que representa o cuidado com a vida e que pode ser entendido como o sentimento de solidariedade, esta como garantia de sobrevivência das espécies. Pessoas não são coisas, objetos de pesquisa disponível à manipulação de terceiros.

A humanidade tem o dever de cuidar das vidas que ainda habitam este planeta. Seria muito interessante colocar a tecnologia a serviço da qualidade de vida, mas não com a preocupação de aperfeiçoar a vida de quem ainda não nasceu, e, sim, daqueles organismos que insistem em viver apesar de todas as agressões. Os genomas a cada instante se modificam para se adaptar e vencer as doenças, a miséria, a violência. Os cientistas querem evitar doenças no futuro de uma pessoa manipulando sua herança genética, contudo parecem esquecer que algumas doenças, ou a maioria delas, provêm da falta de cuidado com a vida. Se o homem aprendesse a cuidar da vida do planeta, muitas doenças desapareceriam e outras nem existiriam; talvez, ainda, a sociedade nem precisasse de células-tronco para criação de órgãos, porque cada vez menos nasceriam pessoas com os órgãos comprometidos, e a vida seria de qualidade.

Essas palavras soam como idéias românticas numa sociedade que se orienta por uma racionalidade instrumental em prol do valor econômico. Por isso, há a necessidade de serem colocadas em debate público as questões que interferem profundamente na vida humana e de exigir responsabilidade daqueles que detêm o poder. Além disso, no mundo da vida é preciso investir no poder ser si mesmo. Cada participante deve poder se apropriar da sua história de vida e examiná-la constantemente de um modo reflexivo e, na comunidade, discutir essas questões ou conteúdos novos que modificam a autocompreensão dos homens como seres humanos. Num contexto plural com inúmeras diferenças, é preciso poder esperar dos estudiosos, dos intelectuais, dos cientistas e dos governos uma postura de abertura, de flexibilidade, mas, também, de moderação e de responsabilidade.


Referências bibliográficas 

FAVERO, Altair A. Os paradigmas filosóficos e o problema do método, in FAVERO, Altair; TROMBETTA, Gerson Luís; RAUBER, Jaime José (Org.). Filosofia e racionalidade. Passo Fundo: UPF, 2002.
HABERMAS. Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.
____.Moderação justificada. Existem respostas pós-metafísicas para a questão da vida correta? In: HABERMAS. Jürgen. O futuro da natureza humana. Trad. Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2004a.
____. O futuro da natureza humana. Trad. Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2004b.
____. O discurso filosófico da modernidade. Trad. Luiz Sérgio Repa, Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
HORKHEIMER, Max, Theodor W. Adorno. Dialética do esclarecimento.Trad. Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
LOPARIC. Zeljko. Sobre a responsabilidade. Porto Alegre: Edipucrs, 2003.

Notas de fim
 
1 Assessora do Núcleo de Educação para o Pensar (NUEP), mestre em Filosofia da Educação pela UFRGS.
2 “(...) a metafísica, conhecimento especulativo da razão completamente à parte e que se eleva inteiramente acima das lições da experiência, mediante simples conceitos (não como a matemática, aplicando os conceitos à intuição), devendo, portanto, a razão ser discípula de si própria (...)” (KANT, 1994, p.16).
De maneira geral, metafísica significa o “estudo do problema do conhecimento, ou das condições e limites do conhecimento. Cada ciência estuda um fragmento do real, nenhuma estuda o próprio estudo: a metafísica tem por objeto a própria ciência enquanto conhece” (LALANDE, 1993, p.671).
3 Zeljko Loparic utiliza essa expressão em seu livro Sobre a responsabilidade, dizendo que é a ratio sufficiens, o fundamento próprio e unicamente suficiente; só existe aquilo que pode ser computável, calculado. “Tudo é posto sob o controle da única grande potencia existente: o princípio de explicitação da razão suficiente” (2003, p. 12).
4 Em Dialética do esclarecimento Adorno e Horkheimer sobre isso afirmam: “O processo técnico, no qual o sujeito se coisificou após sua eliminação da consciência, está livre da plurivocidade do pensamento mítico bem como de toda significação em geral, porque a própria razão se tornou um mero adminículo da aparelhagem econômica que a tudo engloba. Ela é usada como instrumento universal servindo para a fabricação de todos os demais instrumentos” (1985, p. 42). E ainda esclarecem: “A essência do esclarecimento é a alternativa que torna inevitável a dominação. Os homens sempre tiveram de escolher entre submeter-se à natureza ou submeter a natureza ao eu. Com a difusão da economia mercantil burguesa, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie” (1985, p. 43).
5 A heterodeterminação não se refere à situação de aceitação ou discriminação que a futura pessoa poderá sofrer em seu grupo social porque seu patrimônio genético não foi obra da natureza e, sim, dos pais e dos cientistas. Não se trata também da suposição de que alguém, por ter sofrido intervenção genética para o aperfeiçoamento, venha a se sentir subjetivamente determinado por outra pessoa. Heterodeterminação refere-se a uma autodepreciação induzida que a futura pessoa sofrerá antes do nascimento a um dano de sua autocompreensão moral (Habermas, 2004, p. 110 – 112).
6 Habermas denomina “eugenia liberal” ao direito dos pais de interferirem na formação genética do embrião.
7 Por f enocópia entende-se a substituição de uma formação exógena (em virtude da ação do meio) por uma formação endógena (em razão da atividade do organismo).


Fonte:Revista Pragmateia Filosófica - Núcleo de Educação para o Pensar - NUEP - Passo Fundo - Ano 1 - Nº 01 - Out. de 2007
Imagens: Google

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Ética e Responsabilidade, por Sérgio Biagi Gregório

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é refletir sobre a ética e a responsabilidade, no sentido de motivar as nossas ações para a prática do bem. Assim, analisaremos o problema do comportamento ético-moral e a autodeterminação do indivíduo dentro da sociedade.

2. CONCEITO

Ética - do gr. ethos significa originalmente morada, seja o habitat dos animais, seja a morada do homem, lugar onde ele se sente acolhido e abrigado. O segundo sentido, proveniente deste, é costume, modo ou estilo habitual de ser. A morada, vista metaforicamente, indica justamente que, a partir do ethos, o espaço do mundo torna-se habitável para o homem. Assim, o espaço do ethos enquanto espaço humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. (Nogueira, 1989)

Responsabilidade - do lat. responsabilitas, de respondere = responder, estar em condições de responder pelos atos praticados, de justificar as razões das próprias ações. De direito, todo o homem é responsável. Toda a sociedade é organizada numa hierarquia de autoridade, na qual cada um é responsável perante uma autoridade superior. Quando o homem infringe uma de suas responsabilidades cívicas, deve responder pelo seu ato perante a justiça. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo)

Responsabilidade moral. Filos. 1. Situação de um agente consciente com relação aos atos que ele pratica voluntariamente. 2. Obrigação de reparar o mal que se causou aos outros. (Dicionário Aurélio)

3. HISTÓRICO

3.1. ANTIGUIDADE

Desde que o homem teve de viver em conjunto com outros homens, as normas de comportamento moral têm sido necessárias para o bem estar do grupo. Muitas destas normas eram extraídas das religiões existentes, que cheias de dogmas e tabus impunham uma dose de irracionalidade ao valor moral. Mesmo entre os chineses, que não possuíam uma religião organizada, havia muitas normas esotéricas de comportamento ético.

A especulação exotérica começa somente com o pensamento grego. Sócrates, Platão e Aristóteles são os seus principais representantes. Sócrates dizia que a virtude é conhecimento; e o vício, é o resultado da ignorância. Então, de acordo com Sócrates, somente a educação pode tornar o homem moralizado. Platão estabelece que a vida ética é gradativamente mais elevada pela adequação desta às idéias (eide) superiores, análogas à forma do bem. Aristóteles deu à ética bases seguras. Dizia que o fim do homem é a felicidade temporal da vida de conformidade com a razão, e que a virtude é o caminho dessa felicidade, e esta implica, fundamentalmente, a liberdade.

3.2. IDADE MÉDIA

Na Idade Média, os valores éticos são condicionados pela religião cristã, especificamente o Catolicismo. A Patrística e a Escolástica são os seus representantes. Nesse período, dá-se ênfase à revelação dos livros sagrados. O Pai, o Filho e o Espírito Santo determinam as normas de conduta. Jesus, que é filho e Deus ao mesmo tempo, torna-se o grande arauto de uma nova ética, a ética do amor ao próximo. Porém, essa ética é conspurcada pelos juízos de valores de seus representantes, que distorcem a pureza do cristianismo primitivo.

As exortações católicas mantiveram-se por longos anos. Contudo, no século XVI começou a sofrer a pressão do Protestantismo, ou seja, a reação de algumas Igrejas às determinações da Igreja de Roma. Para os protestantes, a ética não é baseada na revelação, mas nos valores éticos, examinados e procurados de per si. A revelação religiosa pertence à religião. O filósofo ético deve procurar os fundamentos ontológicos dessa disciplina, tão longe quanto lhe seja possível alcançar.

3.3. IDADE MODERNA

Kant, o quebra tudo, surge nesse contexto. Para Kant a Ética é autônoma e não heterônoma, isto é, a lei é ditada pela própria consciência moral e não por qualquer instância alheia ao Eu. Como vemos, Kant dá prosseguimento à construção da própria moral. Não espera algo de fora. Aquilo que o homem procura está dentro dele mesmo. Muitos são os filósofos que seguiram Kant. Depois destes, surgem Scheller (1874-1928) , Müller, Ortega y Gasset etc., que penetram na ética axiológica, ou seja, estuda a ética do ângulo dos valores. (Santos, 1965)

4. ÉTICA E MORAL

Ética - do grego ethos significa comportamento; Moral - do latim mores, costumes. Embora utilizamos os dois termos para expressarmos as noções do bem e do mal, convém fazermos uma distinção: a Moral é normativa, enquanto a Ética é especulativa. A Moral, referindo-se aos costumes dos povos nas diversas épocas, é mais abrangente; a Ética, procurando o nexo entre os meios e os fins dos referidos costumes, é mais específica. Pode-se dizer, que a Ética é a ciência da Moral.

Ética e Moral distinguem-se, essencialmente, pela especulação da Lei. A Ética, refere-se à norma invariante; a Moral, à variante. Contudo, há uma relação entre ambas, pois a sistematização da segunda tem íntima relação com a primeira.

O caráter invariante da Lei possibilita-nos questionar: de onde veio? Quem a ditou? Por que? Com que fim? A resposta dos transcendentalistas é que ela é heterônoma, isto é, veio de fora do "eu". Deus seria o autor da norma. Liga-se, assim, Filosofia e Religião. Para os cristãos, as normas éticas estão centradas nos Dez Mandamentos; a resposta dos imanentistas é que ela é autônoma, isto é, surge das tensões das circunstâncias. (Santos, 1965)

5. AUTODETERMINAÇÃO E RESPONSABILIDADE

A autodeterminação expressa a essência do ser. É o poder que temos de atualizar nossas virtualidades. O pensamento científico auxilia, mas são os aspectos psicológicos, ideológicos, religiosos e filosóficos que emprestam o maior peso à nossa deliberação na vida. As virtualidades podem ser ativas e passivas. Se ativas, já estão determinadas de uma forma; se inativas, sabemos que estão em ato sob uma forma, mas que podem ser assumidas de outra forma, isto é, que são especificamente diferentes do que podem ser.

A ação humana, embora restrita à responsabilidade pessoal, tem como objetivo o interesse público. A vivência, semelhante à do eremita no deserto, é uma exceção. A questão ética diz respeito ao auxílio que cada um possa exercer na transcendência do outro. Em realidade, é a criação de condições para que o outro realize plenamente o seu projeto de vida ao qual foi destinado.

O princípio da autodeterminação moral é a base do comportamento ético adulto. Deixar-se guiar-se pelas máximas alheias é perder o eu em si mesmo. Segundo Sócrates, o ethos verdadeiro é agir de acordo com a razão, que se eleva acima do consenso da opinião da multidão, para atingir o nível da objetividade própria do saber demonstrativo. A autonomia, assim, não se realiza na solidão, mas se consolida pelo contato entre os seres humanos.

A lei é o farol da ética. Sua origem etimológica encontra-se no termo nomos de que o vocábulo lei (lex) é a tradução latina. Nomos vem do verbo nemo que significa dividir, repartir com outro, sugerindo a idéia de justiça. Dessa forma, as ações individuais no cumprimento dos deveres, devem salvaguardar a liberdade própria e a do outro. Por isso, Voltaire afirma com veemência: "Não concordo com o que você diz, mas defenderei o direito de você dizê-lo até o fim". (Nogueira, 1989)

6. COMPORTAMENTO ÉTICO

A reflexão sobre o ethos leva-nos à prática do amor. O verdadeiro exercício do amor longe está das proibições e interdições de que a moral propõe. É uma autodeterminação que envolve a autonomia da vontade na busca da atualização do ser. Assim, não é agir de qualquer jeito, mas de forma ordenada, generosa, que promova a pessoa e os direitos do outro, sobretudo quando esses direitos são espezinhados.

O comportamento ético não consiste exclusivamente em fazer o bem a outrem, mas em exemplificar em si mesmo o aprendizado recebido. É o exercício da paciência em todos os momentos da vida, a tolerância para com as faltas alheias, a obediência aos superiores em uma hierarquia, o silêncio ante uma ofensa recebida.

7. CONCLUSÃO

A Ética, a Moral e a Responsabilidade determinam a perfeição do ser. Acostumados a confundir os meios com os fins, não conseguimos visualizar claramente o fim último da existência humana. Por isso, o erro crasso de conceber a Moral como um mero e fastidioso catálogo de proibições. O fim do homem é, pois, o de realizar, pelo exercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza. Implica, muitas vezes, a obediência à vontade de Deus, contrariando a própria, se assim delimitar, o dever, imposto pela sua consciência.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro, M.E.C., 1967. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d/p. NOGUEIRA, J. C. Ética e Responsabilidade Pessoal. In MORAIS, R. de. Filosofia, Educação e Sociedade (Ensaios Filosóficos). Campinas, SP, Papirus, 1989. SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.

São Paulo, maio de 1999.

Fonte: http://www.ceismael.com.br

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O que é a verdade?

A ideia tradicional de verdade, combatida por Hobbes, passava pela adequação entre o conhecimento e o ser. Para o filósofo inglês, tal visão era inconsistente. E vai além: só Geometria e Política podiam ter a pretensão de verdade, por serem criações do homem

Por Renato Janine Ribeiro

Renato Janine Ribeiro, doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é professor titular da disciplina de Ética e Filosofia Política na mesma universidade. Tem 65 capítulos de livros e 17 livros editados, tendo recebido o prêmio Jabuti de melhor ensaio (2001), a Ordem Nacional do Mérito Científico (1997) e a Ordem de Rio Branco (2009).

Espontaneamente, a maior parte das pessoas tende a entender a verdade como adequatio. Esse termo difícil significa, apenas, que haverá verdade quando houver adequação entre a coisa e o conhecimento que temos dela. Mas essa concepção é contestada desde o início da modernidade. Há várias críticas a ela, e aqui veremos a de um filósofo em especial: Thomas Hobbes.
Quando estudamos Filosofia, quase sempre se destaca um dos dois campos seguintes: a teoria do ser (ontologia, que pode incluir a metafísica ou estar perto dela) e a teoria do conhecimento. Os grandes temas vinculados à ação parecem ser - nos currículos universitários - menores. Assim, na disciplina de História da Filosofia se estuda o ser ou o conhecer. É nas disciplinas de Ética ou Filosofia Política que se discute o que é certo, errado, bom ou mau no agir - seja este agir coletivo (Política) ou da pessoa mais individualizada (ética).
Ora, a questão da verdade é impreterivelmente uma questão da relação entre o ser e o conhecer. A convicção espontânea de que "verdade é adequação" supõe que conheçamos o ser. Por outro lado, Hobbes deve sua fama à sua teoria da Política. Sua física foi exposta ao ridículo por séculos. Pudera, ele afirmava a quadratura do círculo (o que quer dizer simplesmente que "pi" é um número racional; ou seja, que a circunferência é comensurável com o diâmetro, assim como o quadrado com sua diagonal). Então, por que usá-lo para discutir a crise moderna da ideia de verdade como adequação? Vejamos.

"Os que buscam o justo caminho da verdade não devem ocupar-se com nenhum objeto a respeito do qual não possam ter uma certeza igual à das demonstrações da Aritmética e da Geometria"
DESCARTES




Hobbes se considerava um físico de qualidade. Quando foi fundada a Royal Society, em 1662, ele se indignou porque não o chamaram para ser membro dessa primeira grande academia de ciências. Num texto furioso, lembra que Mersenne e Gassendi (que muitos conhecem como correspondentes de Descartes) o admiravam. Mas sua ira não deu em nada. Mais que isso: se dependesse de sua física, Hobbes hoje seria, quando muito, uma nota de rodapé nos livros de História da Filosofia.
Aliás, Hobbes é Hobbes - ou seja, é conhecido e respeitado como um autor relevante, mesmo por quem discorda dele - basicamente por sua Filosofia Política. Suas outras obras são interessantes. Sua Política é genial. Eis a diferença.
Então, por que ver como ele põe em xeque a ideia anterior de verdade?





DESCARTES DUVIDA DA VERDADE PARA EDIFICÁ-LA

Nem todos concordam que os ditos livros sagrados devem ser aceitos sem questionamento. Bhaktivinoda Thakura, um erudito da cultura védica, escreveu o seguinte, 300 anos atrás:
"O conhecimento é como o Sol, enquanto que todas as escrituras são somente seus raios. Nenhuma escritura em particular poderia possivelmente conter todo o conhecimento. As compreensões particulares (svatah siddha-jnana) das 'jivas' são a base de toda escritura. Estas compreensões deveriam ser reconhecidas como sendo dádivas da personalidade de Deus.
Os 'rishis' perceptivos obtiveram este conhecimento autoevidente diretamente do Brahman Supremo e o transcreveram para o benefício de outras jivas. Uma fração deste conhecimento tomou forma como o Veda. A alma condicionada é aconselhada a estudar o Veda com a ajuda de todas estas explicações.
Mas mesmo com a ajuda destas explicações, ele ainda assim deveria examiná-las (as escrituras) à luz de seu próprio conhecimento autoevidente (ou compreensão pessoal), porque os autores destas literaturas explanatórias e comentários não são sempre claros em seus significados. Em alguns casos, os comentadores confessaram ter dúvidas sobre sua própria compreensão.
Portanto, faz-se necessário cultivar conhecimento à luz da própria compreensão individual. Esta é a regra que governa o estudo das escrituras. Sendo que o conhecimento nascido de uma compreensão pessoal é a raiz de todas as escrituras, como podemos esperar obter benefício ignorando isto e dependendo exclusivamente das escrituras, que são os ramos que crescem a partir desta raiz?"
Em suma, Bhaktivinoda Thakura defende uma abordagem filosófica das obras teosóficas capitais da cultura védica, rompendo assim com a ideia de uma "receptividade passiva" que nada questiona.
Vocabulário:
Rishi - no texto de Thakura, assume o significado de "indivíduos capazes de receber o conhecimento diretamente de Deus".
Jiva - "vida"; no texto, assume o sentido de "almas", "pessoas vivas".


ARQUIVO CIÊNCIA & VIDA
O rei Luís XIV visita a Royal Society, em 1671. Hobbes, que se achava um bom físico, não foi convidado para fazer parte da primeira grande Academia de Ciências, quando esta foi fundada, fato que o deixou indignado
Porque o problema da verdade como adequação é um problema análogo ao que aparece no que Hobbes chama de estado de guerra.
O estado de guerra é a condição em que estaremos, se o poder do Estado não coibir a violência. Hobbes propõe assim, como solução para as divergências entre os interesses ou desejos das pessoas (divergências, digamos, políticas), a mesma solução que para suas divergências em convicção ou ideia (divergências, digamos, teóricas): o apelo a um árbitro. Porque as divergências põem as pessoas em conflito. Entramos em guerra porque queremos mais coisas, maior poder ou prestígio. Mas, implicitamente, a reivindicação de riquezas ou honrarias significa que temos uma crença ou ideia de que merecemos mais do que os outros. Teoria e conflito não se separam. Divergências teóricas acarretam guerras, e conflitos supõem divergências de ideias ou convicções.
PODER DO ÁRBITRO
A grande questão hobbesiana é impedir os conflitos. A mais recente teoria política democrática procura administrar os conflitos: aceitá-los como legítimos e apenas impedir que se tornem destrutivos do tecido social. Para Hobbes, isso seria impossível. Todo conflito é potencialmente dilacerante. Daí que deva ser cortado pela raiz ou, existindo, seja resolvido por um árbitro. Esse árbitro, na Política, se chama soberano. Na teoria do conhecimento, ele se nomeia apenas árbitro, mas é quem decide as divergências.
SHUTTERSTOCK
Para Hobbes, o homem não tem como afirmar que o conhecimento que possui sobre, por exemplo, o Sol, é adequado ao que o Sol realmente é.

Parece estranho. Mesmo aceitando a tese hobbesiana de que os conflitos "de fato" resultem em guerra - e, portanto, a paz exija um poder soberano que coíba todos eles no nascedouro -, por que um árbitro saberia, melhor que os outros, qual o resultado de uma operação matemática ou a verdade na física? Utilizada nesses termos, a sugestão hobbesiana é insensata. Mas se a solução hobbesiana pode não contentar, a forma como ele coloca o problema é rica. (Isso vale também para sua Filosofia Política). Vejamos então como Hobbes se opõe à verdade como adequatio.
A ideia tradicional de verdade consistia na adequação entre o conhecimento e o ser: o que eu sei sobre o Sol está adequado ao que ele é? Ora, aqui há um grande problema. Quem pode dizer se meu conhecimento do Sol é adequado ao ser do Sol (isto é, ao que ele é)? Outra pessoa. Ou seja, uma pessoa como eu. Mas o que lhe confere o poder de decidir se minhas ideias sobre o Sol são verdadeiras ou não? Como sabe ela qual conhecimento está adequado ao ser? Só uma terceira pessoa, e depois uma quarta, e assim ao infinito. Essa vertigem só tem fim se tivermos, para decidi-la de uma vez por todas, um árbitro.


"É uma doença natural no homem acreditar que possui a verdade"
PASCAL


Notem que a tese da adequação continua implícita numa espécie de senso comum sobre o que é a verdade. Apenas Popper - pelo menos assim entendo -, com a tese da falseabilidade (ver box acima), consegue uma alternativa eficiente para ela. Mas a tese de Popper presume séculos de experimentação científica (a qual, na época de Hobbes, estava em seus começos) e inverte o argumento, porque não se trata mais de provar uma lei científica, e sim de fazer que ela não seja destruída.
Voltando a Hobbes, ele assim recusa a ideia de adequação do conhecimento ao ser. Com isso, só duas ciências manterão pretensões à verdade científica. Uma delas tem 2 mil anos, a Geometria. A outra é nova, a Ciência Política, "que não é mais antiga do que meu livro Do cidadão", afirma ele. Por que a Geometria proporciona verdades? Eis a primeira pergunta.
Porque nada, na Geometria, depende da observação. A observação se sujeita a erros, como mostrou, pela mesma época, Descartes. Posso me enganar; posso ser enganado; no limite, pode até haver um gênio maligno (diz Descartes) que me engana o tempo todo. Ou seja, o engano pode decorrer de falhas de minha parte, de mentiras alheias, e pode ser ocasional ou permanente.
A observação não traz a verdade. Hobbes concordaria que a observação traz uma possibilidade de erro. Mas a Geometria é a única ciência existente que não depende da observação. Ela trabalha com figuras criadas por nós, que não existem no mundo real (não há círculos ou retas perfeitos na natureza). Por isso, tudo o que inferirmos sobre elas é verdade.
Daí, os absurdos da ciência hobbesiana, ridicularizados por muitos comentadores - lembremos que o estudo sério da física hobbesiana data de poucas décadas. Durante 300 anos, zomba-se dele, como zombaram os fundadores da Royal Society, a mais antiga sociedade científica do mundo, que não o convidaram para conviver com eles.
No caso da Geometria, sustenta Hobbes que o quadrado é comensurável com a diagonal. Por quê? Porque, tratando-se de criações do espírito humano, os números não podem ser irracionais.



A VIA POPPERIANA

Talvez a melhor solução para o problema da verdade em Ciência seja, ainda, a proposta por Karl Popper. Tentarei traduzi-la em linguagem não popperiana.
Desde a Antiguidade, há certo problema entre a dedução e a indução. Se tivermos certeza sobre um conhecimento, tudo o que deduzirmos dele estará também correto. Terá o mesmo nível de verdade, ou conseguirá de nós a mesma percepção de certeza, do que a proposição original. O problema é que pouco conhecimento novo se gera assim. Há uma única grande exceção: a Geometria ou, quem sabe, as matemáticas em geral. Como Euclides parte de algumas proposições que considera evidentes, todos os seus Elementos de Geometria compartilham a mesma verdade, até os teoremas não triviais, como o de Pitágoras. Mas para o conhecimento adquirido pela experiência, a dedução é pobre. Ou seja, quanto mais verdade ou certeza ela proporciona, menos conhecimento novo traz.
Aqui entra a indução. Em vez de partir de uma proposição ou de algumas verdades, para inferir (no caso, "deduzir") uma série de consequências, na indução parte-se de várias constatações comprovadas para concluir uma lei científica. Por exemplo, se constatamos que o Sol nasce todo dia e que depois de algumas horas chega a noite, ou que a água ferve a cem graus, podemos induzir leis científicas, que têm em seu favor o fato de produzirem conhecimento novo. Contudo, nada assegura que sempre as coisas sejam assim. São leis mais precárias. Mas, ao mesmo tempo, são elas que fazem avançar a Ciência, pois trazem conhecimento novo. (ver box sobre os astecas)
A proposta de Popper é elegante e brilhante. Em vez de afirmar que há leis científicas que são provadas, vira a questão pelo avesso. Só é científico o que se coloca sempre em sursis. Só é lei científica aquela que se enuncia em termos que permitem sua eventual refutação, sua conversão em falsidade - daí, o termo falseabilidade (em inglês, falsificability). Isto é, só é lei científica aquilo que pode ser demonstrado falso (no sentido de errado, não no sentido de mentira deliberada). Assim, para nossos dois exemplos: "o dia sempre se sucede à noite" seria científico porque implica que, "se uma vez o dia não se suceder à noite", estará refutado. "A água ferve a cem graus" é ciência porque está implícito que, "se a água não ferver a cem graus", estará refutada.
Aqui vêm alguns comentários adicionais. O primeiro, que não se opõe a Popper, é que muito conhecimento científico não chega a ser refutado. Os teoremas da Geometria euclidiana não foram refutados com as geometrias não euclidianas que surgiram nos últimos 200 anos. Continuam válidos, mas sua amplidão de validade foi diminuída. Já a temperatura em que ferve a água depende de condições atmosféricas. A lei científica é hoje mais complexa, mas inclui que - em certas condições - a água ferva a cem graus. O avanço da Ciência não é feito tanto de refutações, mas de correções.
O segundo é que a regra popperiana não vale para muitas formas de conhecimento. Os grandes exemplos são a Psicanálise e o marxismo. Se formularmos o complexo de Édipo, ao modo popperiano, como "um filho deseja matar o pai e casarse com a mãe e isso é válido até encontrarmos um filho que não deseje a mãe nem queira matar o pai", um freudiano poderá responder que essa "exceção" na verdade é apenas um caso de resistência, de denegação pela pessoa de um sentimento que - em última análise - tem. Não há como alegar evidências empíricas contra a Psicanálise, porque ela não lida com elas, mas com sua interpretação. E, para um marxista, um caso de patrão que não explore o empregado não refuta a existência da exploração: é apenas um modo de fazer os trabalhadores não perceberem que são explorados.
Diante disso, vários comentadores sugeriram que Psicanálise e marxismo não seriam ciências. Não o são, pelos critérios de Popper. Mas esses critérios não valem para tudo. Eles são conhecimentos importantes e de qualidade alta. A tese de Popper não serve para pensar seus graus de cientificidade.
De todo modo, o que nos interessa aqui é que Popper, ao deslocar a questão de como se prova uma lei científica para uma lei científica é algo que por definição está sempre em sursis e inclui na sua própria natureza o seu caráter precário, realiza uma façanha notável no plano do conhecimento


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Leis científicas surgem da indução feita após várias constatações comprovadas. São verdades que podem vir a ser contestadas, mas que fazem avançar a Ciência
Para Hobbes, a razão não é uma faculdade. Ela é apenas um cálculo, uma conta que fazemos. Ora, como podemos criar algo - criar figuras geométricas a partir quase do nada - e não conhecer o que criamos? Portanto, talvez seja mais difícil fazer a conta, mas um dia chegaremos ao número racional que exprime a relação entre o lado e a diagonal do quadrado, entre o diâmetro e a circunferência do círculo. Faz sentido, não faz?
O mesmo raciocínio explica a segunda ciência segura e certa - a da Política. J.M.N. Watkins, bom estudioso de nosso autor, comete um erro quando explica como Hobbes deduz a Política. Hobbes aplica o método galilaico, que consiste em reduzir a complexidade aparente dos fenômenos a seu elemento mais simples (parte "resolutiva" do método) e, depois, a partir desse elemento, em reconstruir sua complexidade, só que agora com base no conhecimento e não na aparência (parte "compositiva" do método). Mas onde erra Watkins? Quando diz que o elemento da Política é o indivíduo. Não é. Se assim fosse, o Estado seria um composto de indivíduos, o que até pode ser verdade, mas não daria a essa tese consistência científica.
Por Renato Janine Ribeiro



OS ASTECAS

Um exemplo da precariedade citada no box anterior são os astecas. Quando se deu a conquista espanhola tinham notáveis conhecimentos científicos e técnicos, não estavam seguros de que a cada noite se seguisse um dia. Acreditavam que o universo estava sempre em perigo; para que o Sol nascesse, que as estações se sucedessem, que a primavera encerrasse o inverno e as colheitas alimentassem o povo, seriam necessários sacrifícios humanos, que agradassem aos deuses. Ora, essas práticas assustadoras assentavam na ideia de que a regularidade dos acontecimentos não basta para dizer que sejam universais. O fato de que há milênios o dia se suceda à noite não garante que sempre será assim.


"Toda a ideia que é absoluta em nós, ou seja, adequada e perfeita, é verdadeira"
ESPINOSA





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Hobbes explica que a observação não pode ser critério para a verdade, porque ela leva a erros e ilusões. As miragens, comuns no deserto, são ilusões dos sentidos
O elemento mínimo que funda o Estado é o contrato - como se vê em Do cidadão ou no Leviatã. Remontando do mundo complexo em que vivemos até a base das relações entre os homens, Hobbes encontra o contrato, que não é uma verdade histórica, pois pode nunca ter acontecido, mas é "como se" tivesse acontecido. Só se explica a sociedade entre os homens com base neste "como se". Ele é o ponto de partida para fundar o Estado, a paz, a vida social. E quem firma esse contrato (mesmo que fictício)? Nós, os homens. Nós, que graças a ele nos tornamos povo. Portanto, o contrato está na mesma posição dos primeiros princípios de Euclides. Também é uma criação humana. Também não depende de existir ou não na vida "real". E, por isso, podemos conhecê-lo - e conhecer suas consequências - com a mesma certeza, e dotado da mesma verdade, que a Geometria. É por isso que Hobbes pode dizer que sua Ciência Política é, mesmo, Ciência.
Deu certo? Nenhum político jamais se disse hobbesiano. Só no século XX nosso filósofo - ao mesmo tempo em que Maquiavel, que, por sinal, ele criticou - ganhou simpatia, ainda assim apenas entre estudiosos da Filosofia. Antes disso, nem isso! Daí também que na bibliografia de William Sacksteder sobre Hobbes, entre os 200 e 300 anos de sua morte (isto é, o que foi publicado sobre ele de 1879 a 1979), haja pouquíssima coisa boa, e de lá para cá comece a haver muito trabalho de qualidade sobre ele. Mas respeitá-lo, por sua lucidez e franqueza, não é igual a assumir suas propostas sobre a organização do Estado ou mesmo sobre a quadratura do círculo. Contudo, a forma como critica a ideia de verdade como adequatio é das mais brilhantes que existe. Hobbes, cuja teoria política é genial enquanto sua física é só interessante, teve nas duas um papel análogo: apontou problemas, dissolveu velhos mundos, mesmo que o conteúdo de suas novidades, de suas criações, não tenha vingado.


Fonte: Portal Ciência & Vida

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