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sábado, 23 de outubro de 2010

Por que eu não voto e não acredito nas eleições, por LUCAS PETRY BENDER*


“O voto é individual e secreto. A escolha é sua. Pense bem, avalie os candidatos e exerça seu direito”. Estas são as frases às quais se agarra o senso comum e também o senso institucional, como a última tábua da salvação da consciência de cada indivíduo. Os motivos pelos quais nossa consciência afunda são bem conhecidos – ou, pelo menos, por demais sentidos. O que espanta é que, em circunstâncias que se revestem da mais pura individualidade, as fraseologias como a que abrem este artigo escondam um mundo cuja força social atropela e sufoca o indivíduo.

Quem ainda acredita que há um poder de escolha individual – ou que os instrumentos democráticos são tangidos pelos indivíduos? E por que falta a coragem de enfrentar este monstruoso moinho de vento? Por outro lado, ao que corresponde então, efetivamente, o regime democrático de Estado de Direito, onde as eleições livres representam pilar fundamental?

O presidente não será ou deixará de ser eleito por causa de um voto a mais ou a menos. Ou seja, meu voto não faz diferença – embora o discurso da moralidade social não o admita. Ao contrário do que afirma o pseudo-individualismo, o voto é social, e não individual. O voto só cumpre sua função social quando inserido numa ação coletiva. Nessa perspectiva, são as massas que sustentam o Estado Democrático de Direito, e não os indivíduos. Assim, o voto será tanto mais consciente e efetivo quanto mais aglutinador de forças coletivas, se constituindo num vetor das potências sociais. Foi assim, por exemplo, que um ex-operário tornou-se presidente do Brasil. Esta é a dinâmica que deslocou as bases elitistas do Estado, quando o voto era censitário, restrito e/ou limitado, em direção à inclusão das massas na universalidade eleitoral.

Entretanto, alcançado este status, surge todo tipo de reação negativa – falta consciência de classe; o país é de mentalidade subdesenvolvida; a mídia controla e comanda a política; os políticos são corruptos; os eleitores são irresponsáveis; o povo tem memória curta; o poder sempre estará com os endinheirados; eu não gosto de política; os trabalhadores estão desmotivados; o contexto histórico não é propício; as pessoas são individualistas (uma das melhores!); as massas são alienadas; etc., etc., etc. – o poço das justificativas é infinito. E, ao fim e ao cabo, volta-se ao slogan: “exerça seu direito com consciência!” – o poço da hipocrisia e da falta de coragem é infinito. Embora muitas das justificativas sejam coerentes e conseqüentes, é evidente que alguns aspectos estão sendo negligenciados. Proponho oferecer-me como modelo de análise para tornar mais nítido e franco o caráter do processo social.
Não tenho relações sociais consolidadas. Minha família despedaçou-se. Meu trabalho se justifica apenas pelo salário. Minha atividade acadêmica é frustrante porque cheia de razões retilíneas e utilitaristas. Furto-me de julgar as pessoas com que me relaciono, pois são geralmente amáveis; mas são relacionamentos débeis, e cujas perspectivas de aprofundamento não me satisfazem. Cumpre ressaltar: isto não é um desabafo, nem um lamento, nem exorcismo de demônios internos. Isto é uma realidade – nem tão desagradável quanto possa parecer –, na qual, penso, não sou o único vivente. Talvez seja mesmo um modelo social, do tipo pequeno-burguês-universitário-classe-média-branca-niilista-individualista-intelectualizado-descendente-de-colonizadores-europeus-do-sul-do-Brasil-herdeiro-de-pequenos-proprietários.

Brasil e mundo afora, devem existir outros tantos indivíduos, encaixados ou não em modelos, que tenham também relações sociais fracas – uns admitindo, outros não; uns percebendo, outros não; uns conformados, outros não. O que importa aqui é o que diz respeito à participação política, mais especificamente na via eleitoral. Sendo o voto social, é evidente que para esses indivíduos o voto não cumpre sua função. São pessoas sem qualquer influência coletiva e, geralmente, distantes das influências sociais. Por certo que não sou um átomo – basta observar que dependo de muitas forças sociais para comer, por exemplo – mas também não participo da vida de gado, sou incapaz de convencer ou de ser convencido de tal ou qual opção de voto. E – repito – voto que não se insere em determinada força social não tem qualquer sentido.

Esta é a minha própria alienação – e de outros, certamente – mas vejo que a maioria está submetida à face oposta da mesma moeda: alienação de rebanho, manipulável e suscetível (à propaganda, às lideranças, ao senso comum, à opinião do vizinho, à mídia, ao discurso técnico-científico, às pesquisas, à opinião pública!). Esta é a miséria do caráter social do voto – embora não deixe de ser exuberante a força coletiva que o anima, responsável pela trajetória formidável que universalizou o Estado Democrático de Direito.

Na raiz destas alienações sociais se encontra o caráter alienado da própria política. Na Grécia clássica, quando os habitantes da pólis começaram a escolher seus representantes para as decisões coletivas, nascia o próprio conceito de política, e com ela desenvolveu-se a democracia representativa que culmina no Estado como o conhecemos hoje – embora já tenhamos perdido de vista a antiga opção pela alienação. O voto, universal ou não, continua tendo caráter eminentemente social e alienado.

Pois se a política é a arte do exercício de poder de influência de grupos sobre a massa, por que é que continuam a convocar os indivíduos às eleições? Já não posso me calar diante dos pastores e de seus rebanhos barulhentos. Que saibam:

Primeiro, que existe de fato um fenômeno social que engendra pessoas à parte de todo e qualquer senso de identificação e ação coletivas; (resta comprovar se tal fenômeno é crescente e se tem caracteres eminentemente ligados à juventude, às novas gerações, a determinadas classes, etc.).

Segundo, que tais pessoas podem duvidar, rejeitar e combater todas as permanentes pressões sociais que tentam enquadrá-las, arrebanhá-las, seduzi-las e justificá-las em nome de bandeiras, slogans, grupos, instituições ou coletividades que fazem sentido apenas para rebanhos.

Terceiro, que, para os indivíduos, peso na consciência e apelos morais não justificam voto. Um rebanho de caprinos pode ser mais atraente do que um rebanho de bovinos, mas ainda é rebanho.
Quarto, que a resposta mais adequada ao voto compulsório é o voto nulo. Pois a condição primeira para o combate à alienação é o próprio (re)conhecimento radical de sua existência.

Previno-me contra os iluminados que votam a favor do operariado e das classes desfavorecidas; já é grandiosamente patético o histórico de oprimidos guiados por ilustrados. Que façam a revolução aqueles que realmente precisam dela, pois são os únicos imunes à fraqueza da dúvida e à certeza do auto-engano.

Ausência-de-si! Esta é a verdadeira palavra de ordem da sociedade, principalmente em tempos de eleições. Intelectuais votando em prol de operários, operários em prol de burgueses ressentidos, burgueses ressentidos em prol de ambientalistas, ambientalistas em prol de empresários, empresários em prol de cristãos, cristãos em prol de democratas, democratas em prol de trabalhadores, trabalhadores em prol de pseudo-radicais, pseudo-radicais em prol de miseráveis, miseráveis em prol deles mesmos, e eles mesmos em prol da máquina político-partidária! É a roda-viva que continua a carregar o destino pra lá, para longe de nosso primevo vigor animal repleto da liberdade transbordante que nos permite afirmar: “isso eu posso fazer sozinho”.

Os rebanhos continuarão indo bovinamente às urnas. As classes continuarão em luta. A alienação continuará com seu trabalho de feiticeira às voltas com poções mágicas. Mas os indivíduos! Estes não mais tolerarão a ilusão de um mundo pretensamente individualista; não mais calarão diante das infâmias das manadas; não mais aceitarão serem confundidos pelos supostos iguais. Indivíduos não têm direitos, mas sim um único e imenso dever: viver sem as ilusões e idealismos e falsificações que aprisionam-bestializam-santificam-padronizam-conceitualizam-absolutizam-doutrinam, ou seja, exaurem a tragédia e a beleza da vida. Ainda estamos muito longe de nos tornarmos indivíduos?

“Naquela época, meu instinto decidiu-se de maneira inexorável contra a continuação da condescendência, do seguir-aos-outros, do enganar-a-mim-mesmo. Qualquer modo de vida, as condições mais desfavoráveis, enfermidade, pobreza – tudo me parecia preferível àquela ‘ausência-de-si’ indigna à qual eu me entregara, por juventude, e na qual eu acabara ficando pendurado mais tarde por preguiça, devido ao assim chamado ‘sentimento do dever’.” (NIETZSCHE, F. Ecce Homo. Porto Alegre: L&PM, 2010, pág. 100).


* LUCAS PETRY BENDER é historiador.

Publicado: 21/10/2010 por Revista Espaço Acadêmico

Acesse a fonte:

blog da Revista Espaço Acadêmico

 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Um Canto de Natal, por Guilherme Modkovski *



É de senso comum que durante as festividades de fim de ano as pessoas estão mais vulneráveis à depressão e ao suicídio. Contrariando esta crença, estudos apontam uma diminuição das internações em hospitais e emergências psiquiátricas bem como das tentativas de suicídio e de suicídios consumados durante este período. Objetivamente, o que acontece é uma redução em até 40% desses desfechos. O que pode significar que, em verdade, esse é um período de maior proteção contra essas fatalidades. Nas festas de Natal e Ano-Novo, procuramos nos aproximar das pessoas que nos são queridas e nos envolvemos em rituais festivos. Talvez seja na reunião em torno desses rituais, e não nos rituais em si, que resida a propriedade protetora desta época do ano.

Mas nenhum mito surge sem razão. Também é verdade que neste período muitas pessoas são acometidas por sentimentos de tristeza e angústia. Para refletirmos sobre essas angústias, proponho nos remetermos à obra de Charles Dickens Um Canto de Natal. É a insólita história de um Natal da vida de Ebenezer Scrooge, um velho avarento e amargo que recebe assustadora visita de três fantasmas: o dos Natais passados, o do Natal presente e o dos Natais futuros.

A história foi amplamente revisitada e adaptada para cinema, teatro e televisão devido ao sucesso com que simboliza o nosso próprio mundo de pensamentos, sentimentos e fantasias inconscientes. Assim, é possível associar a visita do fantasma dos Natais passados aos nossos sentimentos de perda, aos entes queridos que se foram, às reuniões familiares agora impossíveis, aos Natais de ouro da infância, aos relacionamentos amorosos findados etc. Também representam a frustração e o arrependimento pelo que não se fez, não se conquistou ou não se mudou. Este último sentimento nos leva às assombrações do Natal presente. As expectativas de reunião, de uma festa perfeita, de comprarmos, recebermos e darmos muitos e belos presentes e de assim obtermos nada mais que a felicidade dourada e perfeita.

A virada de ano é também um marco cultural da passagem do tempo. Outro ciclo solar se completa e somos forçados a uma reflexão existencial. A ideia da transitoriedade, de um movimento inexorável em direção ao fim da vida, que negamos de uma forma ou de outra na maior parte do tempo, nos é esfregada na cara como uma verdade incontestável. Este vislumbre translúcido e irreal dá lugar a angústias sem nome, tristezas sem causa aparente, crises de pânico, pesadelos terroríficos, temores hipocondríacos e toda sorte de sofrimentos da esfera psíquica. Por trás deles, sob o véu do último fantasma, ali está ela: a concretude do fim. Cada pessoa a experimenta de forma particular, não se tratando de uma doença depressiva, mas sim de uma vivência humana universal e natural.

Voltando à história de Scrooge, após ser obrigado a contemplar a própria lápide, ele consegue se libertar. Finalmente lhe sobrevém o entendimento de que há um tempo a nós destinado que nos é muito precioso. Scrooge abandona seus hábitos avarentos que lhe serviam de defesa contra a ideia da morte. A aceitação da finitude lhe permitiu focar-se na vida e nas pessoas significativas. Assim, acredito que cada um que se permitir desembrulhar este belo presente de sua terrível embalagem poderá desfrutar de uma vida mais plena. Um feliz Natal a todos.





* Médico psiquiatra


Fonte: Jornal Zero Hora 


Imagem em: blogs.jovempan.uol.com.br/.../ 

quarta-feira, 11 de março de 2009

O que é o senso comum ?

Na nossa vida quotidiana necessitamos de um conjunto muito vasto de conhecimentos, relacionados com a forma como a realidade em que vivemos funciona: temos que saber como tratar as pessoas com as quais nos relacionamos, temos que saber como nos devemos comportar em cada uma das circunstâncias em que nos situamos no nosso dia-a-dia: a forma como nos comportamos em nossa casa é diferente da forma como nos comportamos numa repartição pública, numa discoteca, num cinema, na escola, etc. Estamos também rodeados de sistemas de transporte, de informação, de aparelhos muito diversos, com os quais temos que saber lidar. De fato, para apanharmos o comboio, por exemplo, temos que saber muitas coisas: o que é um comboio e a sua função, como se entra numa estação, como se compra o bilhete, como devemos esperar o comboio, etc.

Estes conhecimentos, no seu conjunto, formam um tipo de saber a que se chama senso comum.

O senso comum é um saber que nasce da experiência cotidiana, da vida que os homens levam em sociedade. É, assim, um saber acerca dos elementos da realidade em que vivemos; um saber sobre os hábitos, os costumes, as práticas, as tradições, as regras de conduta, enfim, sobre tudo o que necessitamos para podermos orientar-nos no nosso dia-a-dia: como comer à mesa, acender a luz de uma sala, acender a televisão, como fazer uma chamada telefónica, apanhar o autocarro, o nome das ruas da localidade onde vivemos, etc.,etc...

É, por isso, um saber informal, que se adquire de uma forma natural (espontâneo), através do nosso contacto com os outros, com as situações e com os objectos que nos rodeiam. É um saber muito simples e superficial, que não exige grandes esforços, ao contrário dos saberes formais (tais como as ciências) que requerem um longo processo de aprendizagem escolar.

O senso comum adquire-se quase sem se dar conta, desde a mais tenra infância e, apesar das suas limitações, é um saber fundamental, sem o qual não nos conseguiríamos orientar na nossa vida quotidiana.

Sendo assim, torna-se facilmente compreensível que todos os homens possuam senso comum, mas este varia de sociedade para sociedade e, mesmo dentro duma mesma sociedade, varia de grupo social para grupo social ou, também, por exemplo, de grupo profissional para grupo profissional.

Mas, sendo imprescindível, o senso comum não é suficiente para nos compreendermos a nós próprios e ao mundo em que vivemos, pois se na nossa reflexão sobre a nossa situação no mundo, nos ficarmos pelos dados do senso comum, por assim dizer os dados mais básicos da nossa consciência natural, facilmente caímos na ilusão de que as coisas são exactamente aquilo que parecem, nunca nos chegando a aperceber que existe uma radical diferença entre a aparência e a realidade. Somos, imperceptivelmente, levados a consolidar um conjunto solidário de certezas, das quais, como é óbvio, achamos ser absurdo duvidar ( o texto da ficha 3 (chama-lhes "crenças silenciosas"): temos a certeza de que existimos, de que as coisas que nos rodeiam existem, que aquilo que nos acontece é irrefutável, etc...

Contudo essas certezas são questionáveis, pois se baseiam em aparências. E há muitas aparências que se nos impõem com uma força quase irresistível, por exemplo: aparentemente o Sol move-se no céu (não é verdade que esta foi uma convicção aceite, durante muitos séculos, pela comunidade científica?). Podemos mesmo aprender a medir o tempo a partir desse movimento aparente. Mas, na realidade, esse movimento aparente do Sol é gerado pelo movimento de rotação da terra.

Mas esta distinção entre aparência e realidade, da qual não nos podemos libertar por causa da nossa natureza (ou melhor, da constituição dos nossos órgãos sensoriais e do nosso sistema nervoso), está dependente da diferença que existe entre o conhecimento sensível e o conhecimento racional.

O conhecimento que temos através dos sentidos é forçosamente incompleto e filtrado, pois os nossos órgãos receptores só são estimulados por determinados fenómenos físicos, deixando de lado um campo quase infinito de possíveis estímulos (por exemplo, os nossos olhos não captam quer a radiação infravermelha, quer a radiação ultravioleta, ao passo que há seres vivos que o podem fazer, o mesmo se passando com os ultra-sons). É portanto inquestionável que não conhecemos, sensorialmente, a realidade tal como ela é.

Sendo assim, os sentidos parece que nos enganam, pois os dados que nos fornecem acerca da realidade são insuficientes para alcançarmos um conhecimento verdadeiro, ou objectivo, da mesma.

Por isso a Razão permite-nos alcançar conhecimentos que nunca poderíamos alcançar através dos sentidos.

As principais características do senso comum

Carácter empírico – o senso comum é um saber que deriva directamente da experiência quotidiana, não necessitando, por isso de uma elaboração racional dos dados recolhidos através dessa experiência.

Carácter acrítico – não necessitando de uma elaboração racional, o senso comum não procede a uma crítica dos seus elementos, é um conhecimento passivo, em que o indivíduo não se interroga sobre os dados da experiência, nem se preocupa com a possibilidade de existirem erros no seu conhecimento da realidade.

Carater assistemático – o senso comum não é estruturado racionalmente, tanto ao nível da sua aquisição, como ao nível da sua construção, não existe um plano ou um projecto racional que lhe dê coerência.

Carater ametódico – o senso comum não tem método, ou seja, é um saber que não segue nenhum conjunto de regras formais. Os indivíduos adquirem-no sem esforço e sem estudo. O senso comum é um saber que nasce da sedimentação casual da experiência captada ao nível da experiência quotidiana ( por isso se diz que o senso comum é sincrético).

Carater aparente ou ilusório – Como não há a preocupação de procurar erros, o senso comum é um conhecimento que se contenta com as aparências, formando por isso, uma representação ilusória, deturpada e falsa, da realidade.

Carater colectivo – O senso comum é um saber partilhado pelos membros de uma comunidade, permitindo que os indivíduos possam cooperar nas tarefas essenciais à vida social.

Carater subjetivo – O senso comum é subjectivo, porque não é objectivo: cada indivíduo vê o mundo à sua maneira, formando as suas opiniões, sem a preocupação de as testar ou de as fundamentar num exame isento e crítico da realidade.

Carater superficial – O senso comum não aprofunda o seu conhecimento da realidade, fica-se pela superfície, não procurando descobrir as causas dos acontecimentos, ou seja, a sua razão de ser que, por sua vez, permitiria explicá-los racionalmente.

Carater particular – o senso comum não é um saber universal, uma vez que se fica pela aquisição de informações muito incompletas sobre a realidade ( por isso também se diz que ele é fragmentário ), não podendo, assim, fazer generalizações fundamentadas.

Carater prático e utilitário – O senso comum nasce da prática quotidiana e está totalmente orientado para o desempenho das tarefas da vida quotidiana, por isso as informações que o compõem são o mais simples e directas possível.

Texto complementar:

"O senso comum é um saber que está presente em todas as sociedades e em todos os indivíduos (todos são dotados de senso comum). Mas o senso comum é plural, variando de sociedade para sociedade e modificando-se com o decorrer dos tempos.

O senso comum, enquanto princípio de sociabilidade, constitui o acordo mínimo exigível para que qualquer sociedade funcione como tal; ele assegura a coesão indispensável para que se possa falar de comunidade e de vida colectiva.

Ele é princípio de equilibração, essencial a toda a sociedade, entre a dimensão do indivíduo e a dimensão do colectivo ou dito de outra forma, da sujeição do indivíduo às normas da vida colectiva.

O senso comum é também o senso tradicional. Costumamos dizer: "sempre foi assim" para justificar um procedimento que nos criticam.

O senso comum transporta e naturaliza um conjunto de convenções implícitas ou intrínsecas ao agir humano colectivamente dimensionado. Neste sentido, ele é conducente ou solidário de uma aceitação que assinala uma passividade inerente e indispensável face às exigências práticas e pragmáticas da vida. Como se adquire o senso comum? Ele é fruto da aprendizagem e educação que espontânea e/ou institucionalmente recebemos enquanto membros de uma comunidade."

José Manuel Girão e Rui Alexandre Grácio Fonte: http://www.espanto.info/av/sc.htm

terça-feira, 10 de março de 2009

Conhecer o Mundo

Mitologia, religião, ciência, filosofia, senso comum

Antonio Carlos Olivieri* Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
Há muitos modos de se conhecer o mundo, que dependem da situação do sujeito diante do objeto do conhecimento. Ao olhar as estrelas no céu noturno, um índio caiapó as enxerga a partir de um ponto de vista bastante diferente do de um astrônomo.

O caiapó vê nas estrelas as fogueiras que alguns de seus deuses acendem no céu para tornar a noite mais clara. O cientista vê astros que têm luz própria e que formam uma galáxia. O índio compreende e conhece as estrelas a partir de um ponto de vista mitológico ou religioso. O astrônomo as compreende e conhece a partir de um ponto de vista científico.

A mitologia, a religião e a ciência são formas de conhecer o mundo. São modos do conhecimento, assim como o senso comum, a filosofia e a arte. Todos eles são formas de conhecimento, pois cada um, a seu modo, desvenda os segredos do mundo, explicando-o ou atribuindo-lhe um sentido. Vamos examinar mais de perto cada uma dessas formas de conhecimento.

O mito e a religião

O mito proporciona um conhecimento que explica o mundo a partir da ação de entidades - ou seja, forças, energias, criaturas, personagens - que estão além do mundo natural, que o transcendem, que são sobrenaturais.

Veja, por exemplo, o mito através do qual os antigos gregos explicavam a origem do mundo:

No princípio era o Caos, o Vazio primordial, vasto abismo insondável, como um imenso mar, denso e profundo, onde nada podia existir. Dessa oca imensidão sem onde nem quando, de um modo inexplicável e incompreensível, emergiram a Noite negra e a Morte impenetrável. Da muda união desses dois entes tenebrosos, no leito infinito do vácuo, nasceu uma entidade de natureza oposta à deles, o Amor, que surgiu cintilando dentro de um ovo incandescente.

Ao ser posto no regaço do Caos, sua casca resfriou e se partiu em duas metades que se transformaram no Céu e na Terra, casal que jazia no espaço, espiando-se em deslumbramento mútuo, empapuçados de amor. Então, o Céu cobriu e fecundou a Terra, fazendo-a gerar muitos filhos que passaram a habitar o vasto corpo da própria mãe, aconchegante e hospitaleiro.

Assim como o mito, a religião, ou melhor, as religiões também apresentam uma explicação sobrenatural para o mundo. Para aderir a uma religião, é obrigatório crer ou ter fé nessa explicação. Além disso, é uma parte fundamental da crença religiosa a fé em que essa explicação sobrenatural proporciona ao homem uma garantia de salvação, bem como prescreve maneiras ou técnicas de obter e conservar essa garantia, que são os ritos, os sacramentos e as orações.

Antes de seguir em frente, convém esclarecer que não vem ao caso discutir aqui a validade do conhecimento religioso. Em matéria de provas objetivas, se a religião não tem como provar a existência de Deus, a ciência também não tem como provar a Sua inexistência. E, a propósito disso, vale a pena apresentar uma outra narrativa filosófica:

Certa vez, um cosmonauta e um neurologista russos discutiam sobre religião. O neurologista era cristão, e o cosmonauta não. “Já estive várias vezes no espaço”, gabou-se o cosmonauta, “e nunca vi nem Deus, nem anjos”. “E eu já operei muitos cérebros inteligentes”, respondeu o neurologista, “e também nunca vi um pensamento”.
O mundo de Sofia, Jostein Gaardner, Cia. das Letras, 1995

A ciência

A ciência procura descobrir como a natureza "funciona", considerando, principalmente, as relações de causa e efeito. Nesse sentido, pretende buscar o conhecimento objetivo, isto é, que se baseia nas características do objeto, com interferência mínima do sujeito. Veja, por exemplo, a seguinte descrição científica:

O coração é um músculo oco, em forma de cone achatado com a base virada para cima e a ponta voltada para baixo, do tamanho aproximado de um punho fechado. O músculo cardíaco é chamado de miocárdio. Sua superfície interna é recoberta por uma membrana delgada, o endocárdio. Sua superfície externa tem um invólucro fibro-seroso, o pericárdio.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1998

Quando se fala em "mínima interferência do sujeito", quer se dizer que a descrição de coração proposta acima é válida independentemente do estudioso de anatomia que a formulou.

A definição tradicional de ciência pressupõe que ela seja um modo de conhecimento com absoluta garantia de validade. A ciência moderna já não tem a pretensão ao absoluto, mas ao máximo grau de certeza.

Quanto à garantia de validade, ela pode consistir:

  • Na descrição, conforme o exemplo acima;
  • Na demonstração, como no caso de um teorema matemático;
  • Na corrigibilidade, ou seja, na possibilidade de corrigir noções e conceitos, a partir dos avanços da própria ciência.

    Finalmente, é importante esclarecer que a aplicação da ciência resulta na tecnologia, ou no conhecimento tecnológico.

    O senso comum

    O senso comum ou conhecimento espontâneo é a primeira compreensão do mundo, baseada na opinião, que não inclui nenhuma garantia da própria validade. Para alguns filósofos, o senso comum designa as crenças tradicionais do gênero humano, aquilo em que a maioria dos homens acredita ou devem acreditar.

    A mais completa tradução do senso comum talvez sejam os ditados populares. A título de exemplo, eis alguns:

  • "Cada cabeça, uma sentença."
  • "Quem desdenha quer comprar."
  • "Quem ri por último ri melhor."
  • "A pressa é a inimiga da perfeição."
  • "Se conselho fosse bom, não era dado de graça."

    A filosofia

    Para Platão, a filosofia é o uso do saber em proveito do homem. Isso implica a posse ou aquisição de um conhecimento que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o mais amplo possível; e também o uso desse conhecimento em benefício do homem. Essa definição, porém, exige a uma definição de benefício, que por sua vez exige uma definição de Bem. Para saber o que é o Bem, entretanto, também é necessário descobrir o que é a Verdade.

    Alguns filósofos, definem a filosofia como a busca do Bem, da Verdade, do Belo e de como os homens podem conhecer essas três entidades. Portanto, a filosofia toma para si a árdua tarefa de debater problemas ou especular sobre problemas que ainda não estão abertos aos métodos científicos: o bem e o mal, o belo e o feio, a ordem e a liberdade, a vida e a morte.

    Vamos a um exemplo de texto filosófico, em que um filósofo norte-americano, John Dewey, procura refletir justamente sobre o que é senso comum:

    Visto que os problemas e as indagações em torno do senso comum dizem respeito às interações entre os seres vivos e o ambiente, com o fim de realizar objetos de uso e de fruição, os símbolos empregados são determinados pela cultura corrente de um grupo social. Eles formam um sistema, mas trata-se de um sistema de caráter mais prático que intelectual. Esse sistema é constituído por tradições, profissões, técnicas, interesses e instituições estabelecidas no grupo. As significações que o compõem são efeito da linguagem cotidiana comum, com a qual os membros do grupo se intercomunicam.
    Lógica, VI, 6, J. Dewey

    Tradicionalmente, a filosofia se divide em cinco áreas:

    • Lógica, que estuda o método ideal de pensar e investigar;
    • Metafísica, que estuda a natureza do Ser (ontologia), da mente (psicologia filosófica) e das relações entre a mente e o ser no processo do conhecimento (epistemologia);
    • Ética, que estuda o Bem, o comportamento ideal para o ser humano;
    • Política, que estuda a organização social do homem;
    • Estética, que estuda a beleza e que pode ser chamada de filosofia da Arte.

    Convém concluir lembrando que a ciência e o pensamento científico se originaram com a filosofia na Grécia da Antigüidade. Com o passar do tempo, certas áreas da especulação filosófica, como a matemática, a física e a biologia ganharam tal especificidade que se separaram da filosofia.

    A arte

    O conhecimento proporcionado pela arte não nos dá o conhecimento objetivo de uma coisa qualquer, mas o de um modo particular de compreendê-la, um modo que traduz a sensibilidade do artista. Trata-se, portanto, de um conhecimento produzido pelo sujeito e pela subjetividade.

    Veja por exemplo o seguinte soneto, escrito pelo poeta bahiano do século 17, Gregório de Matos, no qual ele dá a sua "visão" do braço de uma imagem do Menino Jesus que havia sido quebrada por holandeses protestantes, quando da invasão da cidade de Salvador:

    O todo sem a parte não é todo; A parte sem o todo não é parte; Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga que é parte, sendo o todo.

    Em todo sacramento está Deus todo, E todo assiste inteiro em qualquer parte, E feito em partes todo em toda a parte Em qualquer parte sempre fica todo.

    O braço de Jesus não seja parte, Pois que feito Jesus em partes todo, Assiste cada parte em sua parte.

    Não se sabendo parte deste todo, Um braço que lhe acharam, sendo parte, Nos diz as partes todas deste todo.

  • *Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Filosofia & Comunicação. Fonte: http://educacao.uol.com.br/filosofia/ult3323u5.jhtm

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