Publicado: 21/10/2010 por Revista Espaço Acadêmico
Acesse a fonte:
"Aprender sem pensar é tempo perdido" Confúcio. Este blog foi criado com a finalidade de compartilhar ideias e novos conhecimentos, entre alunos, professores e todas as pessoas interessadas. Críticas e sugestões são bem-vindas.
Na nossa vida quotidiana necessitamos de um conjunto muito vasto de conhecimentos, relacionados com a forma como a realidade em que vivemos funciona: temos que saber como tratar as pessoas com as quais nos relacionamos, temos que saber como nos devemos comportar em cada uma das circunstâncias em que nos situamos no nosso dia-a-dia: a forma como nos comportamos em nossa casa é diferente da forma como nos comportamos numa repartição pública, numa discoteca, num cinema, na escola, etc. Estamos também rodeados de sistemas de transporte, de informação, de aparelhos muito diversos, com os quais temos que saber lidar. De fato, para apanharmos o comboio, por exemplo, temos que saber muitas coisas: o que é um comboio e a sua função, como se entra numa estação, como se compra o bilhete, como devemos esperar o comboio, etc.
Estes conhecimentos, no seu conjunto, formam um tipo de saber a que se chama senso comum.
O senso comum é um saber que nasce da experiência cotidiana, da vida que os homens levam em sociedade. É, assim, um saber acerca dos elementos da realidade em que vivemos; um saber sobre os hábitos, os costumes, as práticas, as tradições, as regras de conduta, enfim, sobre tudo o que necessitamos para podermos orientar-nos no nosso dia-a-dia: como comer à mesa, acender a luz de uma sala, acender a televisão, como fazer uma chamada telefónica, apanhar o autocarro, o nome das ruas da localidade onde vivemos, etc.,etc...
É, por isso, um saber informal, que se adquire de uma forma natural (espontâneo), através do nosso contacto com os outros, com as situações e com os objectos que nos rodeiam. É um saber muito simples e superficial, que não exige grandes esforços, ao contrário dos saberes formais (tais como as ciências) que requerem um longo processo de aprendizagem escolar.
O senso comum adquire-se quase sem se dar conta, desde a mais tenra infância e, apesar das suas limitações, é um saber fundamental, sem o qual não nos conseguiríamos orientar na nossa vida quotidiana.
Sendo assim, torna-se facilmente compreensível que todos os homens possuam senso comum, mas este varia de sociedade para sociedade e, mesmo dentro duma mesma sociedade, varia de grupo social para grupo social ou, também, por exemplo, de grupo profissional para grupo profissional.
Mas, sendo imprescindível, o senso comum não é suficiente para nos compreendermos a nós próprios e ao mundo em que vivemos, pois se na nossa reflexão sobre a nossa situação no mundo, nos ficarmos pelos dados do senso comum, por assim dizer os dados mais básicos da nossa consciência natural, facilmente caímos na ilusão de que as coisas são exactamente aquilo que parecem, nunca nos chegando a aperceber que existe uma radical diferença entre a aparência e a realidade. Somos, imperceptivelmente, levados a consolidar um conjunto solidário de certezas, das quais, como é óbvio, achamos ser absurdo duvidar ( o texto da ficha 3 (chama-lhes "crenças silenciosas"): temos a certeza de que existimos, de que as coisas que nos rodeiam existem, que aquilo que nos acontece é irrefutável, etc...
Contudo essas certezas são questionáveis, pois se baseiam em aparências. E há muitas aparências que se nos impõem com uma força quase irresistível, por exemplo: aparentemente o Sol move-se no céu (não é verdade que esta foi uma convicção aceite, durante muitos séculos, pela comunidade científica?). Podemos mesmo aprender a medir o tempo a partir desse movimento aparente. Mas, na realidade, esse movimento aparente do Sol é gerado pelo movimento de rotação da terra.
Mas esta distinção entre aparência e realidade, da qual não nos podemos libertar por causa da nossa natureza (ou melhor, da constituição dos nossos órgãos sensoriais e do nosso sistema nervoso), está dependente da diferença que existe entre o conhecimento sensível e o conhecimento racional.
O conhecimento que temos através dos sentidos é forçosamente incompleto e filtrado, pois os nossos órgãos receptores só são estimulados por determinados fenómenos físicos, deixando de lado um campo quase infinito de possíveis estímulos (por exemplo, os nossos olhos não captam quer a radiação infravermelha, quer a radiação ultravioleta, ao passo que há seres vivos que o podem fazer, o mesmo se passando com os ultra-sons). É portanto inquestionável que não conhecemos, sensorialmente, a realidade tal como ela é.
Sendo assim, os sentidos parece que nos enganam, pois os dados que nos fornecem acerca da realidade são insuficientes para alcançarmos um conhecimento verdadeiro, ou objectivo, da mesma.
Por isso a Razão permite-nos alcançar conhecimentos que nunca poderíamos alcançar através dos sentidos.
As principais características do senso comum
Carácter empírico – o senso comum é um saber que deriva directamente da experiência quotidiana, não necessitando, por isso de uma elaboração racional dos dados recolhidos através dessa experiência.
Carácter acrítico – não necessitando de uma elaboração racional, o senso comum não procede a uma crítica dos seus elementos, é um conhecimento passivo, em que o indivíduo não se interroga sobre os dados da experiência, nem se preocupa com a possibilidade de existirem erros no seu conhecimento da realidade.
Carater assistemático – o senso comum não é estruturado racionalmente, tanto ao nível da sua aquisição, como ao nível da sua construção, não existe um plano ou um projecto racional que lhe dê coerência.
Carater ametódico – o senso comum não tem método, ou seja, é um saber que não segue nenhum conjunto de regras formais. Os indivíduos adquirem-no sem esforço e sem estudo. O senso comum é um saber que nasce da sedimentação casual da experiência captada ao nível da experiência quotidiana ( por isso se diz que o senso comum é sincrético).
Carater aparente ou ilusório – Como não há a preocupação de procurar erros, o senso comum é um conhecimento que se contenta com as aparências, formando por isso, uma representação ilusória, deturpada e falsa, da realidade.
Carater colectivo – O senso comum é um saber partilhado pelos membros de uma comunidade, permitindo que os indivíduos possam cooperar nas tarefas essenciais à vida social.
Carater subjetivo – O senso comum é subjectivo, porque não é objectivo: cada indivíduo vê o mundo à sua maneira, formando as suas opiniões, sem a preocupação de as testar ou de as fundamentar num exame isento e crítico da realidade.
Carater superficial – O senso comum não aprofunda o seu conhecimento da realidade, fica-se pela superfície, não procurando descobrir as causas dos acontecimentos, ou seja, a sua razão de ser que, por sua vez, permitiria explicá-los racionalmente.
Carater particular – o senso comum não é um saber universal, uma vez que se fica pela aquisição de informações muito incompletas sobre a realidade ( por isso também se diz que ele é fragmentário ), não podendo, assim, fazer generalizações fundamentadas.
Carater prático e utilitário – O senso comum nasce da prática quotidiana e está totalmente orientado para o desempenho das tarefas da vida quotidiana, por isso as informações que o compõem são o mais simples e directas possível.
Texto complementar:
"O senso comum é um saber que está presente em todas as sociedades e em todos os indivíduos (todos são dotados de senso comum). Mas o senso comum é plural, variando de sociedade para sociedade e modificando-se com o decorrer dos tempos.
O senso comum, enquanto princípio de sociabilidade, constitui o acordo mínimo exigível para que qualquer sociedade funcione como tal; ele assegura a coesão indispensável para que se possa falar de comunidade e de vida colectiva.
Ele é princípio de equilibração, essencial a toda a sociedade, entre a dimensão do indivíduo e a dimensão do colectivo ou dito de outra forma, da sujeição do indivíduo às normas da vida colectiva.
O senso comum é também o senso tradicional. Costumamos dizer: "sempre foi assim" para justificar um procedimento que nos criticam.
O senso comum transporta e naturaliza um conjunto de convenções implícitas ou intrínsecas ao agir humano colectivamente dimensionado. Neste sentido, ele é conducente ou solidário de uma aceitação que assinala uma passividade inerente e indispensável face às exigências práticas e pragmáticas da vida. Como se adquire o senso comum? Ele é fruto da aprendizagem e educação que espontânea e/ou institucionalmente recebemos enquanto membros de uma comunidade."
José Manuel Girão e Rui Alexandre Grácio Fonte: http://www.espanto.info/av/sc.htmO caiapó vê nas estrelas as fogueiras que alguns de seus deuses acendem no céu para tornar a noite mais clara. O cientista vê astros que têm luz própria e que formam uma galáxia. O índio compreende e conhece as estrelas a partir de um ponto de vista mitológico ou religioso. O astrônomo as compreende e conhece a partir de um ponto de vista científico.
A mitologia, a religião e a ciência são formas de conhecer o mundo. São modos do conhecimento, assim como o senso comum, a filosofia e a arte. Todos eles são formas de conhecimento, pois cada um, a seu modo, desvenda os segredos do mundo, explicando-o ou atribuindo-lhe um sentido. Vamos examinar mais de perto cada uma dessas formas de conhecimento.
Veja, por exemplo, o mito através do qual os antigos gregos explicavam a origem do mundo:
No princípio era o Caos, o Vazio primordial, vasto abismo insondável, como um imenso mar, denso e profundo, onde nada podia existir. Dessa oca imensidão sem onde nem quando, de um modo inexplicável e incompreensível, emergiram a Noite negra e a Morte impenetrável. Da muda união desses dois entes tenebrosos, no leito infinito do vácuo, nasceu uma entidade de natureza oposta à deles, o Amor, que surgiu cintilando dentro de um ovo incandescente. Ao ser posto no regaço do Caos, sua casca resfriou e se partiu em duas metades que se transformaram no Céu e na Terra, casal que jazia no espaço, espiando-se em deslumbramento mútuo, empapuçados de amor. Então, o Céu cobriu e fecundou a Terra, fazendo-a gerar muitos filhos que passaram a habitar o vasto corpo da própria mãe, aconchegante e hospitaleiro. |
Assim como o mito, a religião, ou melhor, as religiões também apresentam uma explicação sobrenatural para o mundo. Para aderir a uma religião, é obrigatório crer ou ter fé nessa explicação. Além disso, é uma parte fundamental da crença religiosa a fé em que essa explicação sobrenatural proporciona ao homem uma garantia de salvação, bem como prescreve maneiras ou técnicas de obter e conservar essa garantia, que são os ritos, os sacramentos e as orações.
Antes de seguir em frente, convém esclarecer que não vem ao caso discutir aqui a validade do conhecimento religioso. Em matéria de provas objetivas, se a religião não tem como provar a existência de Deus, a ciência também não tem como provar a Sua inexistência. E, a propósito disso, vale a pena apresentar uma outra narrativa filosófica:
Certa vez, um cosmonauta e um neurologista russos discutiam sobre religião. O neurologista era cristão, e o cosmonauta não. “Já estive várias vezes no espaço”, gabou-se o cosmonauta, “e nunca vi nem Deus, nem anjos”. “E eu já operei muitos cérebros inteligentes”, respondeu o neurologista, “e também nunca vi um pensamento”. |
O mundo de Sofia, Jostein Gaardner, Cia. das Letras, 1995 |
O coração é um músculo oco, em forma de cone achatado com a base virada para cima e a ponta voltada para baixo, do tamanho aproximado de um punho fechado. O músculo cardíaco é chamado de miocárdio. Sua superfície interna é recoberta por uma membrana delgada, o endocárdio. Sua superfície externa tem um invólucro fibro-seroso, o pericárdio. |
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1998 |
Quando se fala em "mínima interferência do sujeito", quer se dizer que a descrição de coração proposta acima é válida independentemente do estudioso de anatomia que a formulou.
A definição tradicional de ciência pressupõe que ela seja um modo de conhecimento com absoluta garantia de validade. A ciência moderna já não tem a pretensão ao absoluto, mas ao máximo grau de certeza.
Quanto à garantia de validade, ela pode consistir:
Finalmente, é importante esclarecer que a aplicação da ciência resulta na tecnologia, ou no conhecimento tecnológico.
A mais completa tradução do senso comum talvez sejam os ditados populares. A título de exemplo, eis alguns:
Alguns filósofos, definem a filosofia como a busca do Bem, da Verdade, do Belo e de como os homens podem conhecer essas três entidades. Portanto, a filosofia toma para si a árdua tarefa de debater problemas ou especular sobre problemas que ainda não estão abertos aos métodos científicos: o bem e o mal, o belo e o feio, a ordem e a liberdade, a vida e a morte.
Vamos a um exemplo de texto filosófico, em que um filósofo norte-americano, John Dewey, procura refletir justamente sobre o que é senso comum:
Visto que os problemas e as indagações em torno do senso comum dizem respeito às interações entre os seres vivos e o ambiente, com o fim de realizar objetos de uso e de fruição, os símbolos empregados são determinados pela cultura corrente de um grupo social. Eles formam um sistema, mas trata-se de um sistema de caráter mais prático que intelectual. Esse sistema é constituído por tradições, profissões, técnicas, interesses e instituições estabelecidas no grupo. As significações que o compõem são efeito da linguagem cotidiana comum, com a qual os membros do grupo se intercomunicam. |
Lógica, VI, 6, J. Dewey |
Tradicionalmente, a filosofia se divide em cinco áreas:
Convém concluir lembrando que a ciência e o pensamento científico se originaram com a filosofia na Grécia da Antigüidade. Com o passar do tempo, certas áreas da especulação filosófica, como a matemática, a física e a biologia ganharam tal especificidade que se separaram da filosofia.
Veja por exemplo o seguinte soneto, escrito pelo poeta bahiano do século 17, Gregório de Matos, no qual ele dá a sua "visão" do braço de uma imagem do Menino Jesus que havia sido quebrada por holandeses protestantes, quando da invasão da cidade de Salvador:
O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo. Em todo sacramento está Deus todo, E todo assiste inteiro em qualquer parte, E feito em partes todo em toda a parte Em qualquer parte sempre fica todo. O braço de Jesus não seja parte, Pois que feito Jesus em partes todo, Assiste cada parte em sua parte. Não se sabendo parte deste todo, Um braço que lhe acharam, sendo parte, Nos diz as partes todas deste todo. |