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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Platão: As ideias e as formas, por José Francisco Botelho

O enorme apetite filosófico de Platão que marcaria para sempre nossa forma de enxergar o mundo

 


“Toda a filosofia ocidental é uma nota de rodapé à obra de Platão.” A célebre frase, cunhada pelo matemático britânico Alfred North Whitehead, é certamente uma hipérbole, mas isso não significa que seja absolutamente falsa. Afinal de contas, a própria verdade muitas vezes é assim, hiperbólica – e não há dúvida de que poucos filósofos tiveram tanta influência sobre o pensamento ocidental quanto Platão. A grandeza de suas ideias escapa ao domínio da filosofia: ele foi um dos poucos pensadores que moldaram civilizações com a força póstuma de seu gênio. Após o fim do mundo antigo, as doutrinas platônicas entraram na corrente sanguínea do cristianismo, repercutiram no judaísmo e no Islã, geraram inúmeros seguidores e detratores e, de uma forma ou de outra, ainda marcam profundamente a maneira como encaramos o mundo.

Discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles, Platão é o elo central no grande triunvirato do pensamento grego – o eixo que articula um dos períodos mais intensos e produtivos na história da mente humana. É graças às obras de Platão que conhecemos as ideias de Sócrates; e foi com base nas teorias platônicas (e muitas vezes para contrariá-las ou corrigi-las) que Aristóteles elaborou grande parte de sua filosofia. Sem Platão, é possível que conhecêssemos Sócrates apenas como um personagem curioso e obscuro – e talvez a grande mente de Aristóteles tivesse se ocupado apenas com as ciências naturais, em vez de produzir o eclético legado que pautou os rumos do Ocidente por milênios. Aristóteles foi o filósofo do bom senso, da moderação e do rigor metódico; Platão foi o pensador do sublime, meio poeta e meio vate, autor de uma obra suspensa entre a ciência e a religião, entre o intelecto e a epifania. Por isso mesmo, a filosofia platônica acabou desacreditada – e às vezes até ridicularizada – ao longo dos últimos 100 anos. Aristóteles, com seu intelecto sisudamente ponderado, parece-nos mais lúcido e confiável. Mas é a obra de Platão, com seu ritmo ora poético, ora dramático e narrativo, que continua enfeitiçando leitores século após século. No eterno duelo entre Platão e Aristóteles, concorda-se facilmente com as razões do discípulo – contudo, é mais fácil é encantar-se com os voos oníricos do mestre.

Um aristocrata do espírito
Platão nasceu em 427 a.C. em uma família de aristocratas. Quando adolescente, pouco se interessava pelos assuntos do espírito. Forte e vigoroso, ele dedicou seus verdes anos ao atletismo e chegou a vencer campeonatos de luta. Também sonhava com glórias militares, como convinha a um membro da nobreza guerreira. A propósito: o verdadeiro nome do filósofo era Arístocles. O apelido “Platão”, que em grego significa algo como “Grandalhão”, era uma referência a seus largos ombros de atleta. É possível que Arístocles tivesse passado a vida a ganhar medalhas nas arenas, se não fosse pela picada do mosquito metafísico que, naquela época, andava zumbindo por Atenas. Com cerca de 16 anos, o belo e belicoso Arístocles deparou, nas ruas da cidade, com um sujeito pobre e feio, esfarrapado como um mendigo, mas dono de uma sabedoria hipnótica. Sempre cercado de ávidos ouvintes, aquela espécie de eremita tagarela – que respondia pelo nome de Sócrates – entregava-se diariamente a debates públicos, questionando seus interlocutores sobre o real significado de palavras aparentemente comuns – como Amor, Justiça, Verdade. O objetivo declarado de Sócrates era mostrar a ignorância essencial de todos os homens – espezinhando-os com perguntas irônicas e insistentes. Daí o apelido que dava a si mesmo: o mosquito de Atenas. Assistindo àquele plebeu sujo e mal vestido desconcertar a cidade mais poderosa da Grécia, o elegante e empertigado Arístocles concluiu que havia uma virtude maior que o sangue azul e a excelência física. O mosquito instilara fatalmente seu veneno: o Grandalhão decidiu virar filósofo.

Durante os 12 anos seguintes, Platão foi o discípulo mais fervoroso de Sócrates – até que, em 399 a.C., o petulante mosquito ateniense foi acusado de ofender os deuses gregos e condenado à morte por envenenamento. Amargurado com a execução do mestre, Platão partiu em uma viagem de 12 anos pelo mundo. Perambulou pela Grécia e pela atual Turquia, visitou o Egito e a Itália; talvez tenha andado pela Judeia e pela Babilônia, e há quem diga que chegou a molhar os pés nas águas do Ganges. Bebeu na fonte de diversas culturas, amadureceu entre gentes e costumes estranhos e retornou a Atenas aos 40 anos de idade, decidido a continuar a missão filosófica de seu professor. Para isso, fundou a Academia, uma escola gratuita de filosofia e matemática, considerada por muitos como a primeira universidade da história. Até sua morte, em 347 a.C., ele viveu debatendo com seus discípulos e compondo suas obras – os Diálogos, textos em que as mais variadas questões filosóficas são apresentadas na forma de debates entre personagens famosos da antiga Atenas. Lê-los não é apenas adentrar tópicos atemporais, mas também mergulhar no testemunho minucioso e imaginativo de um dos períodos mais extraordinários do intelecto humano; é andar pelas ruas de Atenas, trocar ideias e partilhar o vinho dos simpósios com Sócrates e Alcibíades, Xenofonte e Zenão de Eleia. Ótimas companhias, legadas a nós na prosa poética de um dos grandes autores do Ocidente.

Uma grande teoria

E aqueles antigos atenienses conversavam sobre tudo: nos 36 Diálogos que nos deixou, Platão aborda um feixe tão amplo de assuntos que, 23 séculos depois, Emerson exclamaria: “Platão é a filosofia, e a filosofia é Platão”. Com efeito, a semente de quase tudo o que viria depois está lá: os labirintos do corpo e da alma, da linguagem e da memória; a busca de utopias políticas e sociais; o questionamento sobre o real significado de nossa passagem por este mundo, ao mesmo tempo tão encantador e imperfeito. Todos esses temas se entrelaçam na grande questão metafísica que, lançada por Platão em seus diálogos tardios, haveria de dominar a filosofia pelos séculos vindouros: a “doutrina das Ideias”.

Essa grande teoria platônica é uma espécie de síntese magistral do pensamento antigo – e, para compreendê-la, vale a pena deslindar as raízes que lhe deram forma e as perguntas que tentou responder. Sócrates, como já vimos, expôs o grão de ignorância que está no centro de toda ciência humana. Outros pensadores daquele período, como Crátilo, foram ainda mais longe: afirmavam que o conhecimento da realidade é impossível, pois vivemos em um universo instável, onde tudo se transforma e nada se fixa. Uma árvore é apenas um estágio entre a semente e a madeira morta; qualquer ser humano é uma etapa entre o feto e o cadáver... Como podemos afirmar qualquer coisa sobre um determinado objeto, se a constante mudança do universo é mais rápida que nossa mente? Eis a charada que a doutrina platônica tenta resolver: o mundo revelado pelos sentidos parece inapreensível, mas precisamos de um fundamento sólido, eterno e universal, para erigirmos o conhecimento seguro (em grego, epistême).

Para encontrar um ponto fixo no aparente pantanal cósmico, Platão bifurcou a realidade. O mundo que vemos, sentimos e ouvimos – argumenta ele – não é plenamente real. Todas as coisas que conhecemos por meio dos sentidos – como nossos corpos, ou esta mesa, ou aquela árvore – são cópias da “verdadeira realidade”, que é incorpórea, imutável e eterna: as Ideias ou Formas. Criadas por alguma divindade misteriosa, inteligente e anônima, as Ideias existem fora do plano físico e, portanto, não podem ser apreendidas por nossos olhos e ouvidos – mas apenas compreendidas pelo intelecto. De um lado, portanto, há o mundo sensível – que é efêmero, enganoso e impermeável ao conhecimento. Do outro lado, há o mundo inteligível – cuja contemplação é a chave da verdadeira sabedoria.

Mas o que são essas Formas transcendentais, nos quais o nosso mundo se espelha foscamente? Esse perturbador museu de seres perfeitos e algo assustadores, dos quais somos reflexos empobrecidos, pode ser mais bem compreendido do ponto de vista da linguagem. Por exemplo: aplicamos a palavra “gato” a inúmeros seres que, embora parecidos, não são iguais. Logo, a palavra não pode referir-se a nenhum dos gatos individuais, tampouco à soma de todos – mas a um tipo de “felinidade” universal, que permanece sempre inalterado, enquanto os infinitos gatinhos do mundo sensível nascem, crescem, miam e morrem. Para Platão, o significado real de cada palavra não corresponde a convenções humanas, mas aos modelos criados ou imaginados por Deus. Os seres humanos são inúmeros, radicalmente diferentes, desesperadamente semelhantes, estonteados por sua própria multiplicidade – mas a Ideia de Humanidade é uma só. O Ser Humano platônico é verdadeiramente real; nós somos pobres aparências, fantasmas de carne e osso, cegos para a verdadeira face do mundo... A menos, é claro, que consigamos nos livrar da miragem dos sentidos e ascender à contemplação das Formas divinas. Um processo que o poeta-filósofo ilustra, tipicamente, com uma metáfora.

O mito, enfim
Foi no Livro VII da República que Platão elaborou a alegoria mais célebre da literatura. Conforme seu costume, o autor coloca a teoria na boca de Sócrates – mas é provável que essa narrativa, assim como a doutrina por ela ilustrada, seja de exclusiva autoria de Platão. Na República, Sócrates diz a um discípulo chamado Gláucon: “Imagina uma grande cova subterrânea, provida de uma grande entrada para a luz; e imagina um grupo de homens, presos desde meninos no interior da caverna, amarrados pelos pés, pelas mãos e pelo pescoço; não podem virar a cabeça, e são obrigados a olhar constantemente para o fundo da cova”. Incapazes de observar o mundo lá fora, os prisioneiros da caverna veem apenas as sombras que se desenham na parede de pedra – e, acostumados com a própria cegueira, tomam aquelas sombras pela realidade. “Que estranha situação, e que estranhos prisioneiros!”, exclama Gláucon. Sócrates replica: “Estranhos como nós mesmos”.

Eventualmente – prossegue a alegoria –, um dos prisioneiros consegue escapar aos grilhões e sair à luz do sol. Inicialmente ofuscado, ele pouco a pouco se acostuma à visão das coisas como elas realmente são. Caso permaneça lá em cima, esquecendo para sempre sua anterior existência de escuridão, ele se tornará um místico; caso retorne às profundezas, para tentar libertar seus irmãos da cegueira existencial, ele se tornará um filósofo. E correrá o risco de ser tomado por tolo ou subversivo: pois a reação natural dos prisioneiros é acreditar que apenas as sombras existem; e o homem que viu a luz, desacostumado às trevas, chegará até eles tropeçando como um inválido.

Execrar a doutrina das Ideias tem sido um dos lugares comuns do pensamento moderno (e do pós-moderno, e do hipermoderno; não levemos tão a sério a etiqueta dessas nomenclaturas). O fato, contudo, é que o próprio Platão havia previsto os limites de sua teoria. Em um de seus últimos diálogos, o Parmênides, ele se pergunta: no mundo das coisas idealmente perfeitas, haverá também a Forma da Feiura ou a Forma da Imperfeição? Acrescente-se: se tudo o que existe é reflexo de uma Ideia divinamente concebida, então deve haver um Lodo ideal, uma Pústula ideal ou – por que não? – um Idiota ideal... Platão deixa a questão em aberto – como, por sinal, faz com a maior parte dos temas que tocou. Eis aí uma contradição reveladora: modelo do pensador com aspirações sublimes e com sede pelo absoluto, Platão não nos deixou soluções, mas debates infinitos. Em seus diá logos, jamais sabemos ao certo quem está falando a verdade, quem está gracejando ou quem está sendo alvo da zombaria do autor. E, em meio às muitas vozes que ecoam em seus textos, ele semeou intuições originais que ainda desafiam o pensamento. Diz-nos ele à distância de séculos: este mundo, que tentamos inutilmente apreender com nossos sentidos e descrever com a linguagem, não é a realidade. E temos de admitir: talvez não seja, mesmo. Mas, nesse caso, onde está o real inegável, incondicionado, final? Não nos voltemos a Platão em busca de ajuda, pois ele não nos legou uma resposta definitiva, mas uma tentação, um farol que pisca e oscila, um horizonte demasiado distante, mas que ainda nos atrai como o canto das sereias (ou das Sereias?): a esperança da transcendência.


LIVROS
O Banquete, Platão, Difel
Um Café com Platão, Donald Moor, Arx
 


quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Dia Mundial da Filosofia no Loucuras Filosóficas do Alexandrelli - JustTV - 19 11 09

No décimo quarto programa no dia 19 de Novembro de 2009, Paulo Ghiraldelli Jr e Alexandrelli debatem a importância da filosofia e em que ela consiste. Você realmente sabe o que é filosofia? Por que ainda filosofamos? Confira:
Assista TV pela internet, http://www.justtv.com.br. Fabio Alexandrelli apresenta o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr., O Filósofo da Cidade de São Paulo e ambos discutem sobre diversos temas filosóficos. Seus neurônios nunca mais farão sinapses da mesma cor. Na Just TV: http://www.justtv.com.br (direto online no seu PC) . Programa transmitido ao vivo todas as quintas às 19h. Programa exibido dia 19/11/09 Powered By http://www.Goorila.com.br
Acesse e participe da Rede Social do Filósofo Professor Paulo Ghiraldelli Jr.
Rede: http://ghiraldelli.ning.com
Portal: http://filosofia.pro.br
Blog: http://ghiraldelli.pro.br
Twitter: http://twitter.com/ghiraldelli

terça-feira, 28 de abril de 2009

Platão - O primeiro pedagogo

O filósofo grego previu um sistema de ensino que mobilizava toda a sociedade para formar sábios e encontrar a virtude

Márcio Ferrari

Foto: Massimo Listri/Corbis /Stock Photos
Foto: Massimo Listri/Corbis /Stock Photos

Na história das idéias, o grego Platão (427-347 a.C.) foi o primeiro pedagogo, não só por ter concebido um sistema educacional para o seu tempo mas, principalmente, por tê-lo integrado a uma dimensão ética e política. O objetivo final da educação, para o filósofo, era a formação do homem moral, vivendo em um Estado justo. Platão foi o segundo da tríade dos grandes filósofos clássicos, sucedendo Sócrates (469-399 a.C.) e precedendo Aristóteles (384-322 a.C.), seu discípulo. Como Sócrates, Platão rejeitava a educação que se praticava na Grécia em sua época e que estava a cargo dos sofistas, incumbidos de transmitir conhecimentos técnicos – sobretudo a oratória – aos jovens da elite, para torná-los aptos a ocupar as funções públicas. "Os sofistas afirmavam que podiam defender igualmente teses contrárias, dependendo dos interesses em jogo", diz Sérgio Augusto Sardi, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. "Platão, ao contrário, pensava em termos de uma busca continuada da virtude, da justiça e da verdade." Para Platão, "toda virtude é conhecimento". Ao homem virtuoso, segundo ele, é dado conhecer o bem e o belo. A busca da virtude deve prosseguir pela vida inteira – portanto, a educação não pode se restringir aos anos de juventude. Educar é tão importante para uma ordem política baseada na justiça – como Platão preconizava – que deveria ser tarefa de toda a sociedade.

Biografia

Platão nasceu por volta de 427 a.C. em uma família aristocrática de Atenas. Quando tinha cerca de 20 anos, aproximou-se de Sócrates, por quem tinha grande admiração. Como a maioria dos jovens de sua classe, quis entrar na política. Contudo, a oligarquia e a democracia lhe desagradaram. Com a condenação de Sócrates à morte, Platão decidiu se afastar de Atenas e saiu em viagem pelo mundo. Numa de suas últimas paradas, esteve na Sicília, onde fez amizade com Dion, cunhado do rei de Siracusa, Dionísio I. De volta a Atenas, com cerca de 40 anos, Platão fundou a Academia, um instituto de educação e pesquisa filosófica e científica que rapidamente ganhou prestígio. Três décadas depois, ele foi convidado por Dion a viajar a Siracusa para educar seu sobrinho Dionísio II, que se tornara imperador. A missão foi frustrada por intrigas políticas que terminaram num golpe dado por Dion. Platão morreu por volta de 347 a.C. Já era um homem admirado em toda Atenas.

O ideal da escola pública Baseado na idéia de que os cidadãos que têm o espírito cultivado fortalecem o Estado e que os melhores entre eles serão os governantes, o filósofo defendia que toda educação era de responsabilidade estatal – um princípio que só se difundiria no Ocidente muitos séculos depois. Igualmente avançada, quase visionária, era a defesa da mesma instrução para meninos e meninas e do acesso universal ao ensino.

Um império em decadência

Platão no centro de Escola de Atenas, afresco de Rafael no Vaticano: absorção pela Igreja. Foto: Alinari Archives/Corbis /Stock Photos
Platão no centro de Escola de Atenas, afresco de Rafael no Vaticano: absorção pela Igreja. Foto: Alinari Archives/Corbis /Stock Photos

Platão nasceu meses depois da morte de Péricles, o estadista mais identificado com a democracia de Atenas, e morreu dez anos antes da conquista do mundo grego por Felipe da Macedônia. Sua vida coincide em grande parte com a decadência do império ateniense. Platão construiu uma obra voltada para épocas anteriores. Foi por meio de seus escritos em forma de diálogos que as idéias de Sócrates puderam ser sistematizadas e divulgadas, já que ele não havia deixado nenhum texto escrito. Nos diálogos, usualmente, Sócrates e um pensador sofista debatem um assunto até uma conclusão. Uma vez que Platão não se coloca como personagem, restou a seus intérpretes póstumos distinguir as idéias de Sócrates das do próprio Platão. A obra platônica foi sistematizada no início da era cristã. Os títulos mais célebres são O Banquete e A República. O cristianismo na Idade Média se apropriou do pensamento platônico por se identificar, entre outras, com a idéia de que em todas as coisas há uma essência, que se encontra num plano supra-real.

Contudo, Platão era um opositor da democracia – há estudiosos que o consideram um dos primeiros idealizadores do totalitarismo. O filósofo via no sistema democrático que vigorava na Atenas de seu tempo uma estrutura que concedia poder a pessoas despreparadas para governar. Quando Sócrates, que considerava "o mais sábio e o mais justo dos homens", foi condenado à morte sob acusação de corromper a juventude, Platão convenceu-se, de uma vez por todas, de que a democracia precisava ser substituída. Para ele, o poder deveria ser exercido por uma espécie de aristocracia, mas não constituída pelos mais ricos ou por uma nobreza hereditária. Os governantes tinham de ser definidos pela sabedoria. Os reis deveriam ser filósofos e vice-versa. "Como pode uma sociedade ser salva, ou ser forte, se não tiver à frente seus homens mais sábios?", escreveu Platão.

Estudo permanente

A educação, segundo a concepção platônica, visava a testar as aptidões dos alunos para que apenas os mais inclinados ao conhecimento recebessem a formação completa para ser governantes. Essa era a finalidade do sistema educacional planejado pelo filósofo, que pregava a renúncia do indivíduo em favor da comunidade. O processo deveria ser longo, porque Platão acreditava que o talento e o gênio só se revelam aos poucos.

O aprendizado como reminiscência

Mosaico de Pompéia recria a Academia de Platão: ambiente de aprendizado. Foto: Araldo de Luca/Corbis /Stock Photos
Mosaico de Pompéia recria a Academia de Platão: ambiente de aprendizado. Foto: Araldo de Luca/Corbis /Stock Photos

Platão defendia a idéia de que a alma precede o corpo e que, antes de encarnar, tem acesso ao conhecimento. Dessa forma, todo aprendizado não passaria de um esforço de reminiscência – um dos princípios centrais do pensamento do filósofo. Com base nessa teoria, que não encontra eco na ciência contemporânea, Platão defendia uma idéia que, paradoxalmente, sustenta grande parte da pedagogia atual: não é possível ou desejável transmitir conhecimentos aos alunos, mas, antes, levá-los a procurar respostas, eles mesmos, a suas inquietações. Por isso, o filósofo rejeitava métodos de ensino autoritários. Ele acreditava que se deveria deixar os estudantes, sobretudo as crianças, à vontade para que pudessem se desenvolver livremente. Nesse ponto, a pedagogia de Platão se aproxima de sua filosofia, em que a busca da verdade é mais importante do que dogmas incontestáveis. O processo dialético platônico – pelo qual, ao longo do debate de idéias, depuram-se o pensamento e os dilemas morais – também se relaciona com a procura de respostas durante o aprendizado. "Platão é do mais alto interesse para todos que compreendem a educação como uma exigência de que cada um, professor ou aluno, pense sobre o próprio pensar", diz o professor Sardi.

A formação dos cidadãos começaria antes mesmo do nascimento, pelo planejamento eugênico da procriação. As crianças deveriam ser tiradas dos pais e enviadas para o campo, uma vez que Platão considerava corruptora a influência dos mais velhos. Até os 10 anos, a educação seria predominantemente física e constituída de brincadeiras e esporte. A idéia era criar uma reserva de saúde para toda a vida. Em seguida, começaria a etapa da educação musical (abrangendo música e poesia), para se aprender harmonia e ritmo, saberes que criariam uma propensão à justiça, e para dar forma sincopada e atrativa a conteúdos de Matemática, História e Ciência. Depois dos 16 anos, à música se somariam os exercícios físicos, com o objetivo de equilibrar força muscular e aprimoramento do espírito. Aos 20 anos, os jovens seriam submetidos a um teste para saber que carreira deveriam abraçar. Os aprovados receberiam, então, mais dez anos de instrução e treinamento para o corpo, a mente e o caráter. No teste que se seguiria, os reprovados se encaminhariam para a carreira militar e os aprovados para a filosofia – neste caso, os objetivos dos estudos seriam pensar com clareza e governar com sabedoria. Aos 35 anos, terminaria a preparação dos reis-filósofos. Mas ainda estavam previstos mais 15 de vida em sociedade, testando os conhecimentos entre os homens comuns e trabalhando para se sustentar. Somente os que fossem bem-sucedidos se tornariam governantes ou "guardiães do Estado".

Para pensar

Platão acreditava que, por meio do conhecimento, seria possível controlar os instintos, a ganância e a violência. O acesso aos valores da civilização, portanto, funcionaria como antídoto para todo o mal cometido pelos seres humanos contra seus semelhantes. Hoje poucos concordam com isso; a causa principal foram as atrocidades cometidas pelos regimes totalitários do século 20, que prosperaram até em países cultos e desenvolvidos, como a Alemanha. Por outro lado, não há educação consistente sem valores éticos. Você já refletiu sobre essas questões? Até que ponto considera a educação um instrumento para a formação de homens sábios e virtuosos?

Quer saber mais?

A Educação do Homem Segundo Platão, Evilázio F. Borges Teixeira, 144 págs., Ed. Paulus, tel. (11) 5087-3700, 23,50 reais A República, Platão, 288 págs., Ed. Rideel, tel. (11) 2238-5100, 29,90 reais Paidéia - A Formação do Homem Grego, Werner Jaeger, 1413 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 92 reais

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/primeiro-pedagogo-423209.shtml

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