Mostrando postagens com marcador Aristóteles. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Aristóteles. Mostrar todas as postagens

sábado, 18 de setembro de 2010

A lógica de Aristóteles, por José Francisco Botelho



“Amigo da verdade”, o pensador grego deixou uma obra incompleta que é uma das grandes maravilhas da humanidade



Seguidor e adversário de Platão e neto intelectual de Sócrates, Aristóteles (384-322 a.C.) foi o derradeiro luminar na era de ouro da filosofia grega: com ele, completou-se a tríade de pensadores antigos que mais infl uenciaram a história das ideias. Último rebento do período clássico, ele foi não apenas o pai da escolástica medieval, como também o grande pioneiro e o grande vilão da ciência moderna. Homem enciclopédico, ele tratou de quase todos os assuntos imagináveis entre a terra e o céu – e, por isso mesmo, legou fabulosos absurdos científicos (como a ideia de que a Terra é o centro do universo). Contudo, ele cometeu seus tropeços em uma época em que não havia telescópios, microscópios ou termômetros: é fácil (e cômodo) acusar os sábios do passado de ingenuidade ou estupidez, agora que temos em mãos os recursos acumulados por séculos de tentativas e erros. Por sinal, os cientistas modernos só desbastaram as arestas aristotélicas usando as armas que o próprio Aristóteles laboriosamente afiou: junto às falhas inevitáveis, ele nos legou raciocínios fulgurantes e métodos primorosos, que até hoje integram o mais fino arsenal do pensamento no Ocidente. E isso sem falar na filosofia islâmica, fortemente infl uenciada pela “espada de Aristóteles” – honroso apelido dado pelos antigos persas, rivais políticos dos gregos, ao legado de seu mais admirável inimigo.

Aristóteles Professor de Alexandre, o Grande, e considerado o “pai” da lógica, o filósofo grego atravessou os séculos graças a trabalhos rigorosos e inspiradores. De saber enciclopédico, Aristóteles especulou sobre praticamente todos os campos do conhecimento humano.

Modelo do erudito que une paixão e rigor, moderação e ímpeto, capaz de dedicar energias titânicas à serena análise do mundo, Aristóteles deixou uma obra incompleta e imperfeita que é uma das grandes maravilhas da inteligência humana. Considerado pela cristandade medieval como o pagão mais genial da Antiguidade, ele ganhou séculos após sua morte um cognome de sucinta reverência: Ille Philosophus, ou, simplesmente, “O” Filósofo. Para o bem ou para o mal, é nas pegadas desse gigante que andamos e meditamos há mais de dois milênios.

Discípulo e mestre

Embora tenha ganhado fama em Atenas, Ille Philosophus nasceu na cidade de Estagira, na região da Calcídica, dominada pela vizinha Macedônia. Desde criança, teve sede de conhecimento: praticamente todos os assuntos o interessavam, da biologia à literatura. Aos 18 anos, ele realizou o sonho da maioria dos jovens intelectualmente ambiciosos na época: foi estudar em Atenas, metrópole cultural da Grécia. Ingressou na Academia, escola fundada e chefi ada por Platão. Ao longo de 20 anos, Aristóteles foi o discípulo brilhante de um mestre incomparável. Mas havia meio século de diferença entre eles – além disso, ambos eram gênios, e isso signifi ca que mais cedo ou mais tarde acabariam brigando. Certa vez, Aristóteles alfi netou cortesmente o mestre em uma blague registrada pelos cronistas: “Platão é meu amigo, mas sou mais amigo da verdade”. O velho Platão replicou em espécie àquela petulância juvenil: “Aristóteles é como um potro selvagem, que escoiceia a própria mãe depois de lhe ter bebido todo o leite”.

Após a morte de seu tutor e rival, em 347 a.C., Aristóteles deixou Atenas e passou alguns anos vivendo como pensador itinerante pela costa do Mediterrâneo. Foi à Macedônia, a convite do então monarca Felipe II, que o encarregou de uma missão formidável: educar o rebelde e fogoso príncipe Alexandre. Assim, o discípulo do maior fi - lósofo da época tornou-se mestre do futuro conquistador do mundo conhecido. Aos 13 anos, Alexandre já era dado a bebedeiras homéricas e olímpicos devaneios de grandeza marcial. Nem mesmo os dotes professorais de Aristóteles puderam amansar aquele espírito nascido para o som e a fúria das batalhas. Aos 15 anos, Alexandre subiu ao trono, deixou de lado seus superfi ciais estudos de fi losofi a e saiu pelo mundo a cometer as proezas e barbaridades que lhe renderam o apelido de “O Grande”. Ao que tudo indica, no entanto, manteve uma afeição vagamente fi lial pelo antigo e frustrado professor: durante suas campanhas intermináveis, costumava enviar-lhe, das terras conquistadas, os mais fabulosos espécimes de fl ora e de fauna – e, com essa ajuda do ex-aluno, Aristóteles montaria o primeiro jardim zoológico do mundo.

Pensador universal 

O filósofo retornou a Atenas em 334 a.C. e fundou uma nova escola, o Liceu, para rivalizar com a Academia platônica. Sua reputação de brilhantismo atraiu multidões de alunos de todas as partes da Grécia. As aulas eram dadas ao ar livre, em meio a passeios por alamedas de árvores – por isso, os seguidores de Aristóteles ganharam o nome de “peripatéticos” (aqueles que andam, em grego). Nesse período, Aristóteles produziu uma obra de proporções mitológicas. Historiadores modernos lhe atribuem algumas centenas de livros, embora anedotas antigas falem em mais de mil volumes; o certo é que, de seu trabalho hercúleo, apenas uma pequena parcela sobreviveu. Minúsculo resquício dessa biblioteca lendária, a coleção conhecida como Corpus Aristotelicum é assim mesmo uma vasta enciclopédia universal: são 47 livros que tratam de assuntos tão variados quanto a meteorologia, a mecânica dos astros, a fisiologia animal, os meandros da política e da ética, as glórias e os enigmas da poesia. Mas esse inestimável compêndio do saber compõe-se apenas de anotações sumárias e sem retoques, que Aristóteles fazia às pressas para suas lições – e que mais tarde foram compiladas pelos discípulos peri-patéticos. Os livros que o filósofo publicou em vida – escritos com esmerada retórica – perderam-se após a queda do Império Romano, no século 5. Os extraviados trabalhos de Aristóteles são um dos grandes tesouros invisíveis da literatura mundial – por injustiça poética, tudo o que conhecemos são os rabiscos de sua genialidade.

Aristóteles levou a cabo sua epopeia do conhecimento em meio a torvelinhos políticos. Atenas fora conquistada pelos macedônios em 333 a.C. – e, embora adorado por seus alunos, o antigo professor de Alexandre era detestado pelos patriotas atenienses, que o viam como o apaniguado de um déspota. Após a súbita morte do conquistador, em 323 a.C., o império macedônico ruiu e seus aliados passaram a ser perseguidos na Grécia. Como ocorrera com Sócrates décadas antes, Aristóteles foi ameaçado com a prisão e a pena de morte. “Não darei aos atenienses outra chance de pecar contra a filosofia”, disse, antes de fugir para a ilha de Cálcis – onde morreu um ano depois, doente, solitário e exilado.

A ferramenta lógica

Aristóteles talvez tenha sido o mais eclético dos pensadores, mas há um denominador comum que cimenta suas refl exões: antes de tudo, ele foi o pai da lógica, a arte ou a técnica do pensamento metódico e disciplinado. Isso não signifi ca que os fi lósofos anteriores fossem ilógicos; mas Aristóteles foi o primeiro autor a elaborar um sistema rigoroso de critérios para o raciocínio. A função da lógica é domar a louca energia do pensamento – sem diminuí-la. Não é um fim, mas um meio: um instrumento preliminar para a refl exão sobre a realidade. Por isso, as anotações que Aristóteles compôs sobre o assunto foram reunidas com o nome de Organon – em grego, “a Ferramenta”.

Parte árdua e essencial do Corpus Aristotelicum, o Organon é uma leitura de grandes desafi os e de imensuráveis recompensas – com sua luz difícil e surpreendente, a Ferramenta aristotélica ainda hoje tem a capacidade de aclarar e azeitar as engrenagens da mente humana. Mais que um manual de etiquetas do pensamento, é um ensaio sobre os possíveis acertos e eternos enganos na construção do conhecimento. Para Aristóteles, o ato de conhecer começa pelos sentidos – e nisso ele diferia de Platão, que via na inconstância das percepções uma dança de enganosos fantasmas. “Para cada sentido que perdêssemos”, escreveu Aristóteles, “haveria também uma ciência irremediavelmente extraviada.” Vendo, ouvindo, sentindo, gravamos uma série de impressões sobre a infi nidade de coisas e seres que formam o universo – é o arquivo da experiência, formado pela memória e avivado pela imaginação. Mentalmente, computamos o que os indivíduos têm em comum e no que diferem, formando sobre eles conceitos gerais. Essa acrobacia do múltiplo ao inteligível, do particular ao universal, é o que Aristóteles chama de indução. Um exemplo de conhecimento indutivo: nossa experiência sugere que todas as pessoas que conhecemos (ou das quais ouvimos falar) nascem, envelhecem e um dia morrem; disso induzimos o princípio de que “todos os humanos são mortais”.

É claro que, em qualquer indução, há uma parcela de risco: ninguém pode conhecer diretamente o destino de todos os homens e mulheres, do passado remoto ao vertiginoso futuro. A indução, portanto, não gera certezas, mas axiomas – princípios aceitos pelo senso comum, embora indemonstráveis na prática.

Limites do conhecimento
 
Os axiomas são o ponto de partida para o segundo tipo de raciocínio na lógica aristotélica: a dedução ou silogismo, que faz o caminho inverso à indução, estabelecendo fatos particulares a partir de verdades supostamente universais. O silogismo clássico é formado por duas afi rmativas iniciais – as premissas – e uma conclusão. Premissas verdadeiras necessariamente produzem uma conclusão válida. O exemplo dado por Aristóteles e repetido nos manuais de lógica ao longo de séculos é o seguinte: “Todos os homens são mortais; Sócrates é um homem; logo, Sócrates é mortal”. O silogismo é como uma máquina de raciocínios coerentes – mas, se partir de premissas falsas, produzirá conclusões coerentemente mentirosas. Considere a seguinte dedução: “Todos os homens são anfíbios; Sócrates é um homem; logo, quando menino, Sócrates tinha brânquias e vivia debaixo d’água”. A conclusão é absurda porque uma das premissas também o é: o mecanismo lógico, no entanto, permanece intacto. Daí o alerta lançado por Aristóteles contra o perigo dos sofismas – argumentos que distorcem a lógica para criar um verniz de razão.

Ao destrinchar essas engrenagens, Aristóteles plantou a semente do pensamento científi co – mas também deixou (talvez sem perceber) um implícito grão de insegurança no coração de todo conhecimento humano. Como podemos ter certeza absoluta de que nossos axiomas estão corretos, de que nosso bom senso não é mera especulação e de que nossos sentidos nos revelam o real? Visão, audição, tato, paladar e olfato formam uma redoma deliciosa ou terrível da qual não podemos escapar: e aqui dentro nosso intelecto tem de se haver como puder. Essa ponta solta seria puxada no século 17 pelo filósofo irlandês George Berkeley – para quem os sentidos são ilusões, e a realidade, uma fantasia da mente. A saga da lógica aristotélica alimentou não apenas a fé racional da ciência, mas também os extremos lúdicos do ceticismo – para o qual tudo o que sabemos e pensamos talvez não passe de um fascinante sofisma.

Além desse insolúvel duelo entre o conhecimento e a incerteza, Aristóteles deixou um legado moral ao afi rmar a dignidade da vida contemplativa. Para ele, o intelecto e o gosto estético são os maiores dons humanos – e nossa felicidade possível está na fruição desinteressada dessas faculdades: “o funcionamento da inteligência é um fi m em si mesmo, e em si mesmo encontra o prazer que o faz funcionar mais”. Em meio ao caos do mundo, o sábio aristotélico sempre encontrará refúgio no cálido império da refl exão. Alexandre, caçador de glórias e homem de ação por excelência, ignorou magnifi camente os preceitos de seu professor, que assim defi ne o ideal de conduta humana na obra Ética a Nicômaco: “O sábio tem modos serenos; sua voz é grave; sua ação é comedida. Suporta os acidentes da vida com dignidade e graça, tirando o máximo proveito das circunstâncias. Ele é o melhor amigo de si mesmo e se delicia com a privacidade, ao passo que o homem sem virtudes é inimigo de si próprio e teme, acima de tudo, a solidão”.



Fonte: Revista Vida Simples  

texto: José Francisco Botelho -ilustração Catarina Bessel I - design Adriana Wo

 

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Aristóteles - O mundo da experiência, as quatro causas, ética e política



Por Antonio Carlos Olivieri* 

Em 1996, descobriu-se em Atenas, Grécia, o sítio arqueológico onde funcionou o Liceu - a escola fundada por Aristóteles (384-322 a.C.), para concorrer com a Academia, a escola anterior, fundada por seu antigo professor, Platão (427-347 a.C.). A fundação do Liceu não reflete nenhuma ingratidão do discípulo com seu mestre, que por sinal já havia morrido cerca de dez anos quando a escola aristotélica surgiu (336 a.C.).

Aluno de Platão, a quem reconhecia o gênio, Aristóteles passou a discordar de uma idéia fundamental de sua filosofia e, então, o pensamento dos dois se distanciou. Talvez seja esse o ponto de partida para se falar da obra filosófica aristotélica.

Platão concebia a existência de dois mundos: aquele que é apreendido por nossos sentidos - por assim dizer, o mundo concreto -, que está em constante mutação; e um outro mundo - abstrato -, o mundo das idéias, imutável, independente do tempo e do espaço, que nos é acessível somente pelo intelecto.

O mundo da experiência

Para Aristóteles, existe um único mundo: este em que vivemos. Só nele encontramos bases sólidas para empreender investigações filosóficas. Aliás, é o nosso deslumbramento com este mundo que nos leva a filosofar, para conhecê-lo e entendê-lo.

Aristóteles sustenta que o que está além de nossa experiência não pode ser nada para nós. Nesse sentido, ele não acreditava e não via razões para acreditar no mundo das idéias ou das formas ideais platônicas.

Porém, conhecer o mundo da experiência, "concreto", foi um desejo ao qual Aristóteles se entregou apaixonadamente. Assim, ele descreveu os campos básicos da investigação da realidade e deu-lhes os nomes com que são conhecidos até os nossos dias: lógica, física, política, economia, psicologia, metafísica, meteorologia, retórica e ética.

Aliás, ele inventou também os termos técnicos dessas disciplinas e eles também se mantêm em uso desde então. Exemplos? Energia, dinâmica, indução, demonstração, substância, essência, propriedade, categoria, proposição, tópico, etc.

O que é ser?

Filósofo que sistematizou a lógica, Aristóteles definiu as formas de inferência que são válidas e as que não são, além de nomeá-las. Durante dois milênios, estudar lógica significou estudar a lógica aristotélica.

Aristóteles aplicou a lógica, antes de mais nada, para responder a uma questão que lhe parecia a mais importante de todas: o que é ser?, ou, em outras palavras, o que significa existir? Primeiramente, o filósofo constatou que as coisas não são a matéria de que se constituem.

Por exemplo, uma pilha de telhas, outra de tijolos, vigas e colunas de madeira não são uma casa. Para se tornarem casa, é necessário que estejam reunidas de um modo determinado, numa estrutura muito específica e detalhada. Essa estrutura é a casa; e os materiais, embora necessários, podem variar.

Com o tempo, nosso corpo está em constante mutação - transforma-se da infância para adolescência, desta para a idade adulta e, finalmente, para a velhice. Nem por isso deixamos de ser nós mesmos. Da mesma maneira, um cão é um cão em virtude de uma organização e estrutura que ele compartilha com outros cães e que o diferencia de outros animais que também são feitos de carne, pelos, ossos, sangue...

As quatro causas

Para Aristóteles uma coisa é o que é devido a sua forma. Como, porém, o filósofo entende essa expressão? Ele compreende a forma como a explicação da coisa, a causa de algo ser aquilo que é. Na verdade, Aristóteles distingue a existência de quatro causas diferentes e complementares:



  • Causa material: de que a coisa é feita? No exemplo da casa, de tijolos.







  • Causa eficiente: o que fez a coisa? A construção.







  • Causa formal: o que lhe dá a forma? A própria casa.







  • Causa final: o que lhe deu a forma? A intenção do construtor.

    Embora Aristóteles não seja materialista (vimos que a forma não é a matéria), sua explicação do mundo é mundana, está no próprio mundo. Finalmente, para o filósofo, a essência de qualquer objeto é a sua função. Diz ele que, se o olho tivesse uma alma, esta seria o olhar; se um machado tivesse uma alma, esta seria o cortar. Entendendo isso, entendemos as coisas.

    Mas o pensamento aristotélico não se limitou a essa área da filosofia que podemos chamar de teoria do conhecimento ou epistemologia. Deixando de lado os domínios que deram origem a outras ciências e nos limitando à filosofia propriamente dita, Aristóteles ainda refletiu sobre a ética, a política e a poética (que, no caso, compreende não apenas a poesia, mas a obra literária e teatral).



    Ética e política

    No campo da ética, segundo Aristóteles, todos nós queremos ser felizes no sentido mais pleno dessa palavra. Para obter a felicidade, devemos desenvolver e exercer nossas capacidades no interior do convívio social.

    Aristóteles acredita que a auto-indulgência e a autoconfiança exageradas criam conflitos com os outros e prejudicam nosso caráter. Contudo, inibir esses sentimentos também seria prejudicial. Vem daí sua célebre doutrina do justo meio, pela qual a virtude é um ponto intermediário entre dois extremos, os quais, por sua vez, constituem vícios ou defeitos de caráter.

    Por exemplo, a generosidade é uma virtude que se situa entre o esbanjamento e a mesquinharia. A coragem fica entre a imprudência e a covardia; o amor-próprio, entre a vaidade e a falta de auto-estima, o desprezo por si mesmo. Nesse sentido, a ética aristotélica é uma ética do comedimento, da moderação, do afastamento de todo e qualquer excesso.

    Para Aristóteles, é a ética que conduz à política. Segundo o filósofo, governar é permitir aos cidadãos viver a vida plena e feliz eticamente alcançada. O Estado, portanto, deve tornar possível o desenvolvimento e a felicidade do indivíduo. Por fim, o indivíduo só pode ser feliz em sociedade, pois o homem é, mais do que um ser social, um animal político - ou seja, que precisa estabelecer relações com outros homens.



    O papel da arte

    A poética tem, para Aristóteles, um papel importantíssimo nisso, na medida em que é a arte - em especial a tragédia - que nos proporciona as grandes noções sobre a vida, por meio de uma experiência emocional. Identificamo-nos com os personagens da tragédia e isso nos proporciona a catarse, uma descarga de desordens emocionais que nos purifica, seja pela piedade ou pelo terror que o conflito vivido pelas personagens desperta em nós.

    Tudo isso é, evidentemente, um resumo ultra-sintético do pensamento aristotélico. Sua obra é gigantesca, apesar de a maior parte dela ter se perdido ao longo dos tempos. O que chegou até nós corresponde a 1/5 de sua produção. São notas suas e de seus discípulos que passaram nas mãos de estudiosos da Antigüidade, da Idade Média (parte dos quais em países islâmicos), e que foram reorganizadas pela posteridade.

    Principalmente em função disso, a leitura de Aristóteles é difícil e seus textos não possuem a qualidade artística que encontramos nas obras de Platão. Para conhecer os aspectos relacionados às ciências na obra aristotélica clique aqui.



    Bibliografia

    • "História da Filosofia", Julián Marías, Martins Fontes, 2004.
    • "História da Filosofia", Bryan Magee, Edições Loyola, 2001.
    • "Dicionário de Filosofia", Nicola Abbagnano, Martins Fontes, 2000.





  • *Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação. 

    quarta-feira, 29 de abril de 2009

    Aristóteles - O defensor da instrução para a virtude

    O primeiro lógico via na escola o caminho para a vida pública e o exercício da ética

    Márcio Ferrari (novaescola@atleitor.com.br)

    Foto: Bettmann/Corbis /Stock Photos
    Foto: Bettmann/Corbis /Stock Photos

    De todos os grandes pensadores da Grécia antiga, Aristóteles (384-322 a.C.) foi o que mais influenciou a civilização ocidental. Até hoje o modo de pensar e produzir conhecimento deve muito ao filósofo. Foi ele o fundador da ciência que ficaria conhecida como lógica e suas conclusões nessa área não tiveram contestação alguma até o século 17. Sua importância no campo da educação também é grande, mas de modo indireto. Poucos de seus textos específicos sobre o assunto chegaram a nossos dias. A contribuição de Aristóteles para o ensino está principalmente em escritos sobre outros temas. As principais obras de onde se pode tirar informações pedagógicas são as que tratam de política e ética. "Em ambos os casos o objetivo final era obter a virtude", diz Carlota Boto, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. "Em suas reflexões sobre ética, Aristóteles afirma que o propósito da vida humana é a obtenção do que ele chama de vida boa. Isso significava ao mesmo tempo vida ‘do bem’ e vida harmoniosa." Ou seja, para Aristóteles, ser feliz e ser útil à comunidade eram dois objetivos sobrepostos, e ambos estavam presentes na atividade pública. O melhor governo, dizia ele, seria "aquele em que cada um melhor encontra o que necessita para ser feliz". Cultivo da perfeição "A educação, para Aristóteles, é um caminho para a vida pública", prossegue Carlota. Cabe à educação a formação do caráter do aluno. Perseguir a virtude significaria, em todas as atitudes, buscar o "justo meio". A prudência e a sensatez se encontrariam no meio-termo, ou medida justa – "o que não é demais nem muito pouco", nas palavras do filósofo. Um dos fundamentos do pensamento aristotélico é que todas as coisas têm uma finalidade. É isso que, segundo o filósofo, leva todos os seres vivos a se desenvolver de um estado de imperfeição (semente ou embrião) a outro de perfeição (correspondente ao estágio de maturidade e reprodução). Nem todos os seres conseguem ou têm oportunidade de cumprir o ciclo em sua plenitude, porém. Por ter potencialidades múltiplas, o ser humano só será feliz e dará sua melhor contribuição ao mundo se desfrutar das condições necessárias para desenvolver o talento. A organização social e política, em geral, e a educação, em particular, têm a responsabilidade de fornecer essas condições.

    Imitação, o princípio do aprendizado

    Aristóteles não era, como Platão, um crítico da sociedade e da democracia de Atenas. Ao contrário, considerava a família, como se constituía na época, o núcleo inicial da organização das cidades e a primeira instância da educação das crianças. Atribuía, no entanto, aos governantes e aos legisladores o dever de regular e vigiar o funcionamento das famílias para garantir que as crianças crescessem com saúde e obrigações cívicas. Por isso, o Estado deveria também ser o único responsável pelo ensino. Na escola, o princípio do aprendizado seria a imitação. Segundo ele, os bons hábitos se formavam nas crianças pelo exemplo dos adultos. Quanto ao conteúdo dos estudos, Aristóteles via com desconfiança o saber "útil", uma vez que cabia aos escravos exercer a maioria dos ofícios, considerados indignos dos homens livres.

    Ninguém nasce virtuoso

    A virtude, para Aristóteles, é uma prática e não um dado da natureza de cada um, tampouco o mero conhecimento do que é virtuoso, como para Platão (427-347 a.C.). Para ser praticada constantemente, a virtude precisa se tornar um hábito. Embora não se conheça nenhum estudo de Aristóteles sobre o assunto, é possível concluir que o hábito da virtude deve ser adquirido na escola.

    Grande parte da obra que originou o legado aristotélico se desenvolveu em oposição à filosofia de Platão, seu mestre e fundador da Academia ateniense, que Aristóteles freqüentou durante duas décadas. Posteriormente, ele fundaria uma escola própria, o Liceu. Uma das duas grandes inovações do filósofo em relação ao antecessor foi negar a existência de um mundo supra-real, onde residiriam as idéias. Para Aristóteles, ao contrário, o mundo que percebemos é suficiente, e nele a perfeição está ao alcance de todos os homens. A oposição entre os dois filósofos gregos – ou entre a supremacia das idéias (idealismo) ou das coisas (realismo) – marcaria para sempre o pensamento ocidental. A verdade científica

    A segunda inovação de Aristóteles foi no campo da lógica. De acordo com o filósofo, determinar uma verdade comum a todos os componentes de um grupo de coisas é a condição para conceber um sistema teórico. Para a construção de tal conhecimento, Aristóteles não se satisfez com a dialética de Platão, segundo a qual o caminho para chegar à verdade era a depuração dos argumentos e pontos de vista por intermédio do diálogo.

    Aristóteles quis criar um método mais seguro e desenvolveu o sistema que ficou conhecido como silogismo. Ele consiste de três proposições – duas premissas e uma conclusão que, para ser válida, decorre das duas anteriores necessariamente, sem que haja outra opção. Exemplo clássico de silogismo é o seguinte. Todos os homens são mortais. Sócrates é um homem. Portanto, Sócrates é mortal. Isso não basta, porém, para que a lógica se torne ciência. Um silogismo precisa partir de verdades, como as contidas nas duas proposições iniciais. Elas não se sujeitam a um raciocínio que as demonstre. Demonstram-se a si mesmas na realidade e são chamadas de axiomas. A observação empírica – isto é, a experiência do real – ganha, assim, papel central na concepção de ciência de Aristóteles, em contraste com o pensamento de Platão.

    O início da Época Helenista

    Mosaico romano representa Alexandre em batalha: aluno rebelde de Aristóteles. Foto: Araldo de Luca/Corbis /Stock Photos
    Mosaico romano representa Alexandre em batalha: aluno rebelde de Aristóteles. Foto: Araldo de Luca/Corbis /Stock Photos

    Aristóteles era um jovem estudante da Academia de Platão, em Atenas, quando, em 359 a.C., Felipe II, da Macedônia, interveio militarmente na Grécia. Uma tardia reação dos gregos foi sufocada quase 20 anos depois, com a vitória de Felipe na batalha de Queronéia – marcando o fim das cidades-estados na Grécia. Enquanto Aristóteles educava Alexandre, filho de Felipe, tentava incutir no aluno os ideais dos heróis de Homero e o dever de combater os povos considerados "bárbaros" (todos aqueles que não eram gregos nem haviam recebido influência grega). Embora Alexandre tenha mais tarde defendido a Grécia dos persas e Aristóteles tenha gozado até o fim da vida de apoio material dos governantes macedônios, o imperador não reteve muitos ensinamentos do mestre. Alexandre foi um tirano dedicado à conquista de territórios pelas armas, princípios opostos à autodeterminação democrática das cidades, defendida pelo filósofo. Com a Grécia incorporada ao império de Alexandre, Atenas perdeu importância como produtora de conhecimento, mas a cultura helenística ganhou centros de difusão fundados pelo imperador, como Alexandria, no Egito. Grande parte da extensa obra de Aristóteles se perdeu e o que restou foi reorganizado (e talvez deturpado) por pensadores de outras épocas. A obra aristotélica só voltou a circular na Europa na Idade Média, por intermédio dos invasores árabes, que haviam preservado seus livros.

    Biografia Aristóteles nasceu em 384 a.C. em Estagira, na Macedônia (então sob influência grega e onde o grego era a língua predominante), filho de um médico. Aos 17 anos foi enviado à Academia de Platão, em Atenas, onde estudou e produziu filosofia durante 20 anos – parte de sua obra no período tem o objetivo de atacar a escola rival, de Isócrates, segundo a qual a finalidade do ensino era levar os alunos a dominar a retórica para serem capazes de defender qualquer ponto de vista, dependendo do interesse. Na Academia, a finalidade da educação era alcançar a sabedoria. Com a morte de Platão, em 347 a.C., Aristóteles mudou-se para Assos, na atual Turquia, possivelmente decepcionado por não ter sido escolhido para substituir o mestre na direção da Academia. Em 343 a.C., foi chamado por Felipe II, da Macedônia, para educar seu filho, Alexandre, e permaneceu na função durante vários anos, até que o pupilo começou a conquistar um vasto império (que incluía a Grécia, anexada por seu pai). De volta a Atenas, Aristóteles fundou a própria escola, o Liceu, desenvolvendo uma obra marcadamente antiplatônica. Depois da morte de Alexandre, Aristóteles passou a ser perseguido por ter colaborado na educação do imperador macedônio. Refugiou-se em Calcis, onde morreu em 322 a.C.

    Para pensar

    Aristóteles acreditava que educar para a virtude era também um modo de educar para viver bem – e isso queria dizer, entre outras coisas, viver uma vida prazerosa. No mundo atual, nem sempre se vê compatibilidade entre a virtude e o prazer. Ainda assim, você acredita que seja possível desenvolver em seus alunos uma consciência ética e, ao mesmo tempo, a capacidade de apreciar as coisas boas da vida?

    Quer saber mais?

    A Política, Aristóteles, 352 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 50,70 reais Aristóteles e a Educação, Antoine Hourdakis, 152 págs., Ed. Loyola, tel. (11) 6914-1922, 14,50 reais Ética a Nicômaco, Aristóteles, 320 págs., Ed. Edipro, tel. (11) 3107-7050, 55 reais Ética e Política em Aristóteles, Solange Vergnières, 304 págs., Ed. Paulus, tel. (11) 5087-3700, 57,50 reais

    Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/aristoteles-428110.shtml

    Edição Especial | 07/2008

    LinkWithin

    Blog Widget by LinkWithin