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domingo, 17 de maio de 2009

Como se escreve um ensaio de filosofia

James Pryor Universidade de Princeton Escrever, em filosofia, é diferente do que se pede ao estudante para redigir noutros cursos. A maior parte das estratégias descritas abaixo será útil também quando o estudante precisar de escrever ensaios noutras disciplinas, mas não se deve presumir automaticamente que o seja, nem que as orientações dadas por outros professores serão necessariamente úteis quando se escreve um ensaio de filosofia; algumas dessas orientações são rotineiramente desconsideradas na boa prosa filosófica (por exemplo, veja-se as regras de gramática, abaixo). O QUE SE FAZ NUM ENSAIO DE FILOSOFIA? 1. Um ensaio de filosofia consiste numa defesa argumentada de uma afirmação. Os ensaios dos estudantes devem oferecer um argumento. Não podem consistir na mera exposição das suas opiniões, nem na mera apresentação das opiniões dos filósofos discutidos. É preciso que o estudante defenda as afirmações que faz e que ofereça razões para se pensar que são verdadeiras. Assim, o estudante não pode simplesmente dizer: A minha opinião é que P. Deve antes dizer algo como: A minha opinião é que P. Penso isto porque... ou: Penso que as considerações seguintes... oferecem um argumento convincente em defesa de P. Da mesma forma, o estudante não deve dizer simplesmente: Descartes afirma que Q. Ao invés, terá de dizer algo como o seguinte: Descartes afirma que Q; contudo, a seguinte experiência mental mostrará que não é verdade que Q... Ou: Descartes afirma que Q. Julgo que esta afirmação é plausível, pelas seguintes razões... Um ensaio de filosofia pode ter vários objectivos. Geralmente começamos por apresentar algumas teses ou argumentos para consideração do leitor, passando de seguida a fazer uma ou duas das coisas seguintes: * Criticar o argumento, ou demonstrar que certos argumentos em defesa da tese não são bons. * Defender o argumento ou tese contra uma crítica. * Oferecer razões para se acreditar na tese. * Oferecer contra-exemplos à tese. * Contrapor os pontos fortes e fracos de duas perspectivas opostas sobre a tese. * Dar exemplos que ajudem a explicar a tese, ou a torná-la mais plausível. * Argumentar que certos filósofos estão comprometidos com a tese por causa dos seus pontos de vista, apesar de não a terem explicitamente afirmado ou endossado. * Discutir que consequências a tese teria, se fosse verdadeira. * Rever a tese à luz de uma objecção qualquer. É necessário apresentar explicitamente as razões que sustentam as nossas afirmações, independentemente de quais destes objectivos tenhamos em mente. Os estudantes geralmente sentem que não há necessidade de muita argumentação quando uma dada afirmação é para eles evidente; mas é muito fácil sobrestimar a força da nossa própria posição. Afinal de contas, já a aceitamos. O estudante deve presumir que o leitor ainda não aceita sua posição e tratar o ensaio como uma tentativa de persuadir o leitor. Por isso, não se deve começar um ensaio com pressupostos que quem não aceita a nossa posição vai com certeza rejeitar. Se queremos ter alguma hipótese de persuadir as pessoas, temos de partir de afirmações comuns, com as quais todos concordam. 2. Um bom ensaio de filosofia é modesto e defende uma pequena ideia, mas apresenta-a com clareza e objectividade, e oferece boas razões em sua defesa. Muitas vezes, as pessoas têm demasiados objectivos num ensaio de filosofia. O resultado disto é, normalmente, um ensaio difícil de ler e repleto de afirmações pobremente explicadas e inadequadamente defendidas. Portanto, devemos evitar ser demasiado ambiciosos. Não devemos tentar chegar a conclusões extraordinárias num ensaio de 5 ou 6 páginas. Feita adequadamente, a filosofia avança em pequenos passos. 3. Originalidade O objectivo dos ensaios escolares é demonstrar que o estudante entende o problema e é capaz de pensar criticamente sobre ele. Para que isto aconteça, o ensaio do estudante tem de revelar algum pensamento independente. Isto não significa que o estudante tem de apresentar a sua própria teoria, ou que tenha de dar uma contribuição completamente original para o pensamento humano. Haverá muito tempo para isso no futuro. Um ensaio bem escrito é claro e directo (veja abaixo), rigoroso ao atribuir opiniões a outros filósofos (veja abaixo), e contém respostas ponderadas e críticas aos textos que lemos. Não é necessário inovar sempre. Mas o estudante deve tentar trabalhar com os seus próprios argumentos, ou a sua maneira de elaborar, criticar ou defender algum argumento que viu nas aulas. Não basta simplesmente resumir o que os outros disseram. TRÊS ESTÁGIOS DE REDAÇÃO 1. Primeiros Estágios Os primeiros estágios de redacção de um ensaio de filosofia incluem tudo o que o estudante faz antes de se sentar para escrever o seu primeiro esboço. Estes primeiros estágios envolvem a escrita, mas o estudante ainda não vai escrever um ensaio completo. Pelo contrário, o estudante deve fazer anotações de leituras, rascunhos das suas ideias, tentativas para explicar o argumento principal que deseja avançar, e deve criar um esboço. Discuta as questões com os outros Como foi dito anteriormente, espera-se que ensaios dos estudantes demonstrem que ele entendeu o assunto que discutiu nas aulas e, mais ainda, que pode pensar criticamente sobre esse assunto. Uma das melhores maneiras de verificar a nossa compreensão da matéria das aulas é tentar explicá-la a quem não está ainda familiarizado com ela. Eu descobri repetidamente, enquanto ensinava filosofia, que não conseguia explicar adequadamente uma questão ou argumento que julgava ter entendido bem. Isto aconteceu porque o problema era mais complexo do que eu tinha percebido. O estudante terá a mesma experiência. Por isso, é bom que troque considerações com colegas e com amigos que não assistem às aulas, o que o ajudará a compreender melhor o que discutimos nas aulas e a identificar o que ainda não compreendeu inteiramente. Será ainda mais proveitoso que os estudantes troquem considerações entre si sobre o que querem discutir nos seus ensaios. Quando as ideias do estudante estiverem suficientemente bem trabalhadas para que ele possa explicá-las oralmente, então ele estará pronto para se sentar e fazer um esboço. Faça um esboço de trabalho Antes de começar a escrever um rascunho, você precisa pensar sobre o que vai escrever: em que ordem deve explicar os diversos pontos a serem abordados? Em que pontos deve apresentar a posição ou argumento contrários? Em que ordem deve expor a crítica que faz aos argumentos ou posições contrárias? O que pretende discutir pressupõe outra discussão anterior? E assim por diante. A clareza geral do seu ensaio dependerá em grande parte da sua estrutura. Por isso, é importante pensar sobre estas questões antes de começar a escrever. Eu recomendo fortemente que, antes de começar a escrever, o estudante faça um esboço do ensaio e dos argumentos que vai apresentar, o que lhe será útil para organizar os pontos que quer abordar e para lhes dar uma direcção. Este procedimento também ajuda o estudante a assegurar-se de que pode dizer qual é seu argumento principal ou crítica, antes de se sentar para escrever um rascunho completo. Geralmente, quando os estudantes têm dificuldade em escrever, é porque ainda não compreenderam bem aquilo que estão a tentar dizer. Dê toda a atenção ao esboço, que deve ser bem detalhado. (Para um ensaio de 5 páginas, um esboço adequado deve ter uma página inteira ou mesmo mais.) Eu acho que fazer um esboço de trabalho representa pelo menos 80% do trabalho de escrever um ensaio de filosofia. Se faz um bom esboço, o resto do processo de escrita será muito mais tranquilo. Comece logo a trabalhar Os problemas filosóficos e a redacção filosófica exigem cuidado e reflexão complementares. O estudante não deve esperar até duas ou três noites antes da data de entrega para começar a escrever. Isto é tolo. Escrever um bom ensaio de filosofia exige um grande esforço de preparação. O estudante precisa dar a si mesmo tempo suficiente para pensar sobre o tópico e escrever um esboço detalhado. Só então estará pronto para escrever um rascunho completo. Concluído o rascunho, abandone-o por um ou dois dias. Só então deve retomá-lo e reescrevê-lo várias vezes. Pelo menos 3 ou 4. Se puder, mostre-o aos seus amigos e observe as suas reacções. Eles compreendem os seus pontos principais? Há partes no seu rascunho obscuras ou confusas para eles? Tudo isso leva tempo. Assim, o estudante deve começar a trabalhar nos seus ensaios assim que os tópicos estejam determinados. 2. Escreva um rascunho Se o estudante já reflectiu sobre o seu argumento e criou um esquema para o ensaio, então está pronto para se sentar e escrever um rascunho completo. Use uma linguagem simples Não aposte na elegância literária. Use um estilo simples e directo; mantenha frases e parágrafos curtos e escolha palavras familiares. Se usar palavras rebuscadas onde as simples dariam conta do recado, os professores riem-se de si. As questões da filosofia são suficientemente profundas e difíceis sem que o estudante tenha de as enlamear com um linguagem pretensiosa ou verborreica. Não escreva num estilo que não usaria coloquialmente: se não se diz assim, não o escreva assim. O estudante pode pensar que, uma vez que o professor de filosofia já sabe muito sobre o tema do ensaio, pode deixar de lado boa parte da explicação básica e escrever num estilo super-sofisticado, como um especialista que fala com outro. Garanto que este procedimento tornará o seu trabalho incompreensível. Se o seu ensaio soar como se tivesse sido escrito para uma audiência da terceira classe, então provavelmente tem a clareza adequada. Nas aulas de filosofia o estudante encontra por vezes filósofos cujo estilo é obscuro e complicado. Todos os que lêem este tipo de texto acham-no difícil e frustrante. Os autores em questão são filosoficamente importantes, apesar de a sua prosa ser má, e não por causa dela. Assim, não tente imitar esse tipo de prosa. Torne óbvia a estrutura de seu ensaio A estrutura do seu ensaio tem de ser óbvia para o leitor. Não obrigue o leitor a despender energias para a compreender. Ofereça as suas ideias de bandeja. Como se pode fazer isso? Antes de mais nada, use conectivos como os seguintes: * Porque, uma vez que, dado o argumento. * Logo, portanto, por conseguinte, segue-se que, consequentemente. * Não obstante, todavia, mas. * No primeiro caso, por outro lado. Estes recursos ajudam o leitor a não perder a direcção da sua argumentação. Certifique-se que usa as palavras correctamente! Se disser "P. Portanto Q.", está a afirmar que P é uma boa razão para se aceitar Q. É melhor que isso seja mesmo assim. Se não for, os professores protestam. Não atire de qualquer maneira um "portanto" ou um "consequentemente" para fazer o seu pensamento parecer mais lógico do que realmente é. Outro recurso que pode ajudá-lo a tornar óbvia a estrutura do seu trabalho é dizer ao leitor o que já fez até o momento e o que vai fazer em seguida. Pode dizer algo como o seguinte: * Começarei por... * Antes de dizer o que está errado com este argumento quero... * Estas passagens sugerem que... * Vou agora defender esta afirmação... * Esta afirmação é também apoiada por... * Por exemplo... Estes indicadores fazem uma grande diferença. Considere os seguintes dois fragmentos de ensaios: ... Acabámos de ver como X diz que P. Vou agora apresentar dois argumentos a favor de não-P. O primeiro argumento é... O segundo argumento a favor de não-P é... X pode responder aos meus argumentos de várias formas. Por exemplo, poderia dizer que... Todavia esta resposta falha, porque... X também poderia responder a meu argumento afirmando que... Esta resposta também falha, porque... Assim, vimos que nenhuma das respostas aos meus argumentos a favor de não-P foi bem sucedida. Consequentemente, devemos rejeitar a afirmação de X de que P. Vou defender a ideia de que Q. Há três razões para se pensar que é verdade que Q. Primeiramente... Em segundo lugar... Em terceiro lugar... A objecção mais forte a Q é que... Todavia, esta objecção não é bem sucedida, pela seguinte razão... Veja-se como é fácil reconhecer a estrutura destes ensaios. A estrutura dos ensaios dos estudantes deve ser igualmente fácil. Uma observação final: deixe sempre muito claro quando expõe suas opiniões ou, ao contrário, quando apresenta a opinião de algum filósofo que estiver discutindo. O leitor não deve ficar em dúvida sobre a autoria das afirmações que faz em um dado parágrafo. O estudante não conseguirá tornar óbvia a estrutura do seu ensaio se não souber que estrutura é essa, ou se o ensaio não tiver nenhuma. Por isso é tão importante fazer um esboço de trabalho. Seja conciso, mas explique-se completamente Para escrever um bom ensaio de filosofia, precisamos de ser concisos. Ainda assim, temos de explicar completamente os nossos pontos de vista. Pode parecer que estas exigências nos empurram em direcções opostas (é como se a primeira dissesse "Não fale muito," e a segunda dissesse "Fale muito") mas, se as compreender adequadamente, verá que é possível atender a ambas. * Os professores insistem na concisão porque não querem ver o estudante a divagar a respeito de tudo o que conhece de um determinado tema, tentando mostrar como é inteligente e culto. Cada ensaio deve tratar de uma única questão ou problema específico. Certifique-se de que trata efectivamente desse problema em particular. O que não se referir especificamente ao problema a ser tratado não deve constar do seu ensaio. Elimine tudo o resto. É sempre melhor concentrar-se em um ou dois pontos e desenvolvê-los em profundidade do que falar de tudo. Um ou dois caminhos claros funcionam melhor que uma floresta impenetrável. Formule, no início do artigo, o problema ou questão central que deseja tratar, e mantenha-o em mente o tempo todo. Esclareça qual é o problema, e por que razão é um problema. Certifique-se de que diz apenas o que é relevante para o tema central e de que informa ao leitor da relevância do que vai tratar. Não o obrigue a adivinhar. * O que quero dizer com "explique-se completamente" é que, quando temos um tópico para explorar, não devemos simplesmente atirá-lo numa frase. Explique-o; dê um exemplo; esclareça de que forma esse tópico ajuda o seu argumento. Mas "explique-se completamente" também significa ser tão claro e explícito quanto possível quando estiver a escrever. Não é uma boa ideia protestar, depois de o professor ter corrigido o seu artigo, dizendo "Eu sei que disse isso, mas o que queria dizer é..." Diga exactamente o que pretende. Parte da nota que receberá terá sido em função da capacidade para dizer o que quer dizer. Faça de conta que o leitor não leu o material que está a discutir, e que não reflectiu muito sobre ele, o que obviamente não será verdade. Mas, se o estudante escrever como se isto fosse verdade, sente-se forçado a explicar termos técnicos, ilustrar distinções estranhas ou obscuras, e ser tão claro quanto possível quando resumir o que os outros filósofos disseram. * Será bastante útil levar este primeiro passo mais além e fingir que o seu leitor é preguiçoso, tolo e maldoso. Preguiçoso, porque não quer se esforçar para descobrir o que as suas frases embrulhadas querem dizer, nem qual é seu argumento, se não não for completamente evidente. Tolo, porque terá de explicar-lhe, de forma simples e pormenorizada, tudo o que disser. Maldoso, porque não vai ser caridoso ao ler seu artigo. (Por exemplo, se disser qualquer coisa que permita mais de uma interpretação, ele vai presumir que dissemos a menos plausível.) Se o estudante compreende a matéria sobre a qual está a escrever, e se direcciona seu artigo para este tipo de leitor, provavelmente conseguirá ter uma nota muito elevada. Use muitos exemplos e definições É muito importante usar exemplos num ensaio de filosofia. Boa parte das afirmações que os filósofos fazem são muito abstractas e de difícil compreensão, e os exemplos são a melhor forma de as tornar mais claras. Os exemplos são também úteis para explicar os conceitos que ocupam um papel central no argumento do estudante. Procure deixar clara a maneira como os entende, mesmo que sejam recorrentes em discursos do dia-a-dia. Tal como são usados no dia-a-dia podem não ter um significado suficientemente claro ou preciso. Por exemplo, suponha que está a escrever um ensaio sobre o aborto, e quer sustentar que "Um feto é uma pessoa." O que quer dizer com "pessoa"? O que quer dizer com "pessoa" vai determinar fortemente se esta premissa será ou não aceitável para o leitor. Também fará uma grande diferença no efeito persuasivo do seu argumento. Em si, o seguinte argumento não tem valor: Um feto é uma pessoa. É errado matar uma pessoa. Logo, é errado matar um feto. Não tem valor porque não sabemos o que o autor pretende dizer ao afirmar que um feto é uma pessoa. Segundo algumas interpretações de "pessoa", pode ser óbvio que um feto seja uma pessoa. Em contrapartida, será bastante controverso se, no mesmo sentido de "pessoa", matar for sempre algo errado. Segundo outras interpretações, é mais plausível que seja sempre errado matar pessoas, mas totalmente confuso se um feto pode ser entendido como "pessoa." Assim, tudo resulta no que o autor pretende dizer com "pessoa". O autor tem de ser explícito a respeito do uso desse conceito. Num ensaio de filosofia, podemos dar às palavras um sentido diferente do usual, mas teremos de deixar claro que estamos a fazer isso. Por exemplo, alguns filósofos usam a palavra "pessoa" significando qualquer ser capaz de pensamento racional e auto-consciência. Entendido desta forma, animais como baleias e chimpanzés podem perfeitamente ser entendidos como "pessoas". Não é este o significado que comummente damos a esta palavra; comummente, só os seres humanos são "pessoas". Mas está muito bem usar "pessoa" neste sentido, se esclarecermos o que queremos dizer com este termo. O mesmo acontece com quaisquer outras palavras deste género que usemos nos nossos ensaios. Não diversifique o vocabulário em benefício da variedade. Se referimos algo como "X" no começo do ensaio, temos de continuar a referir-nos a isso como "X". Por exemplo, não comece por falar sobre "a perspectiva de Platão sobre o ego", mudando para "a perspectiva de Platão sobre a alma", e depois para "a perspectiva de Platão sobre a mente". Se se refere à mesma coisa nos três casos, use só um nome. Em filosofia, uma ligeira mudança no vocabulário indica geralmente a intenção de nos referirmos a outra coisa. Como usar palavras com significados filosóficos precisos? Os filósofos dão a muitas palavras comummente usadas significados técnicos precisos. Certifique-se de que usa essas palavras correctamente. Não use palavras que não compreende bem. Use termos filosóficos técnicos somente quando forem necessários. Não há necessidade de explicar termos filosóficos gerais como "argumento válido" e "verdade necessária". Mas deve explicar quaisquer termos técnicos cujo uso conduza ao tópico específico que está a discutir. Assim, por exemplo, se usar quaisquer termos especializados como "dualismo" ou "fisicismo" ou "behaviorismo," deve explicar o seu significado. Proceda da mesma forma se usar termos técnicos como "sobreveniência" e outros semelhantes. Mesmo quando os filósofos profissionais escrevem para outros filósofos profissionais têm de explicar o vocabulário técnico especial que estão a usar. Pessoas diferentes às vezes usam o vocabulário especial de diferentes formas, por isso é importante ter certeza de que os nossos leitores dão a estas palavras o mesmo significado. Faça de conta que seus leitores nunca as ouviram antes. Como apresentar e avaliar pontos de vista alheios Se temos em mente discutir as opiniões do filósofo X, temos de começar por descobrir quais são os seus argumentos ou pressupostos centrais. Para alguma ajuda nesse sentido, vejam-se as indicações que dou em Como Ler um Texto Filosófico. De seguida, pergunte a si mesmo: os argumentos de X são bons? Os seus pressupostos são apresentados com clareza? São plausíveis? São pontos de partida razoáveis para o argumento de X, ou ele deveria ter oferecido algum argumento independente? Certifique-se de que entende exactamente o que a posição que está criticando diz. Os estudantes perdem muito tempo a argumentar contra opiniões que parecem indicar o que supõem estar sendo afirmado, mas na verdade dizem outra coisa. Lembre-se: a filosofia exige um alto nível de precisão. Não basta simplesmente entender a ideia geral da posição ou argumento de alguém. Temos de compreender rigorosamente o que está a ser dito. (Neste aspecto, a filosofia está mais próxima da ciência do que as outras humanidades.) Boa parte do trabalho em filosofia consiste em certificarmo-nos de que compreendemos bem a posição de quem discordamos. Podemos presumir que o nosso leitor é tolo (veja-se acima), mas não devemos tratar o filósofo ou as posições que estamos a discutir como tolas. Se o fossem, não estaríamos a discuti-las. Se não conseguimos ver nenhuma plausibilidade na posição que estamos a refutar, talvez não tenhamos muita experiência em pensar e argumentar sobre ela e ainda não compreendemos inteiramente por que motivos os seus proponentes a defendem. Procure esforçar-se um pouco mais para descobrir o que os motiva. Os filósofos às vezes dizem coisas perturbadoras, mas se a opinião que você está atribuindo a um filósofo parece obviamente louca, então deve reflectir melhor e descobrir se ele realmente diz o que você acha que diz. Use a imaginação. Tente descobrir que opinião razoável o filósofo poderia ter tido em mente, e dirija seus argumentos contra ela. Nos nossos ensaios temos sempre de explicar qual é a perspectiva X que queremos criticar, antes de fazê-lo. Se não o fizermos, o leitor não poderá julgar se a crítica que oferecemos a X é boa, ou se apenas se baseia em uma má interpretação ou má compreensão do ponto de vista de X. Assim, diga ao leitor o que acha que X afirma. Contudo, não tente dizer ao leitor tudo que sabe sobre o ponto de vista de X. O estudante também tem de ter espaço para oferecer sua própria contribuição filosófica. Resuma apenas aquelas partes da posição de X que são relevantes para o que pretende fazer. Às vezes precisamos de argumentar em defesa das nossas interpretações do que X diz, citando passagens que a confirmem. E é aceitável que queiramos discutir uma opinião que julgamos ser de um filósofo, ou que poderia ter sido, apesar de nos textos desse filósofo não haver nenhuma indicação directa desse ponto de vista. Quando fizermos isto, todavia, devemos explicitamente dizer que o fazemos. Diga algo como: O filósofo X não afirma explicitamente que P, mas parece que o presume porque... Citações Quando uma passagem de um texto for particularmente útil para apoiar a sua interpretação do ponto de vista de algum filósofo, pode ajudar se citar directamente a passagem. (Especifique de onde retirou a passagem.) Todavia, as citações directas devem ser usadas com parcimónia. Raramente é necessário citar mais do que umas poucas frases. Frequentemente será mais apropriado parafrasear o que X diz, do que citá-lo directamente. Quando parafraseamos o que outra pessoa disse, temos de nos certificar que é claro que estamos a fazer isso (e também neste caso temos de citar as páginas onde se encontram as passagens que estamos a parafrasear). As citações nunca devem ser usadas com um substituto da nossa própria explicação. Quando citamos um autor, temos de explicar o que a citação diz com as nossas próprias palavras. Se a passagem citada contém um argumento, temos de o reconstruir em termos mais explícitos e directos. Se a passagem citada contém uma afirmação ou pressuposto principal, temos de indicar qual é. Pode ser que queiramos usar exemplos para ilustrar a posição do autor. Por vezes, é necessário distinguir a opinião do autor de outras com as quais pode ser confundida. Paráfrases Às vezes, quando os estudantes tentam explicar o ponto de vista de um filósofo, fazem-no através de paráfrases muito próximas às próprias palavras do filósofo. Mudam algumas palavras, omitem outras, mas geralmente ficam muito próximos do texto original. Por exemplo, Hume começa o seu Tratado Sobre o Entendimento Humano da seguinte forma: Todas as percepções da mente humana se dividem em dois tipos distintos, a que irei chamar impressões e ideias. A diferença entre eles consiste no grau de força e vivacidade com que afectam a mente e entram no nosso pensamento ou consciência. Àquelas percepções que entram com mais força e violência podemos chamar impressões; e sob este nome eu abranjo todas as nossas sensações, paixões e emoções, tal como primeiro surgem na alma. Por ideias entendo as imagens mais fracas destas impressões no pensamento e no raciocínio. Aqui está um exemplo de como não se deve parafrasear: Hume diz que todas as percepções da mente se dividem em dois tipos: impressões e ideias. A diferença está na intensidade da força ou vivacidade que têm nos nossos pensamentos e na nossa consciência. As percepções com maior força e violência são impressões: são as sensações, paixões e emoções. As ideias são imagens fracas de nosso pensamento e raciocínio. Há dois problemas principais com paráfrases deste tipo. Em primeiro lugar, são feitas mecanicamente. Não demonstram que o autor compreendeu o texto. Em segundo lugar, uma vez que o autor ainda não compreendeu bem o que o texto quer dizer de modo a expressá-lo pelas suas próprias palavras, há o risco de inadvertidamente alterar o significado original do texto. No exemplo acima, Hume diz que as impressões "afectam a mente" com mais força e vivacidade do que as ideias. Mas a paráfrase diz que as impressões têm mais força e vivacidade "nos nossos pensamentos". Não é óbvio que isto seja a mesma coisa. Além disso, Hume diz que as ideias são imagens fracas das impressões; mas a paráfrase diz que as ideias são imagens fracas do nosso pensamento, o que não é a mesma coisa. Assim, o autor da paráfrase parece não ter compreendido o que Hume diz. Um modo muito melhor de explicar o que Hume diz aqui seria o seguinte: Hume afirma que há dois tipos de "percepções" ou estados mentais, a que chama impressões e ideias. Uma impressão é um estado mental muito "forte", como a impressão sensorial que alguém tem ao olhar uma maçã vermelha. Uma ideia é um estado mental menos "forte", como a ideia que se tem de uma maçã quando pensamos sobre ela sem a ver. Não é claro o que Hume quer dizer com "forte". Pode querer dizer que... Antecipe objecções Tente antecipar objecções ao seu ponto de vista e responda-lhes. Por exemplo, se você objectar contra a opinião de algum filósofo, não presuma que ele admitiria imediatamente que estava enganado. Imagine qual poderá ser a contra-objecção desse filósofo. E como poderá responder a essa contra-objecção? Não tenha receio de mencionar objecções à sua própria tese. É melhor que nós mesmos apresentemos objecções do que pressupor que o leitor não vai pensar nelas. Explique como acha que estas objecções podem ser contraditas ou superadas. Certamente não é possível, com frequência, responder a todas as objecções que se possa levantar. Assim, concentre-se naquelas que parecem mais fortes ou mais importantes. O que acontece se ficarmos encravados? Os nossos ensaios nem sempre têm de dar uma solução definitiva para um problema, ou uma resposta directa, do tipo sim ou não, para o problema levantado. Muitos ensaios excelentes de filosofia não oferecem respostas directas. Às vezes argumentam que o problema precisa de ser clarificado, ou que certos problemas adicionais precisam de ser levantados. Outras vezes, argumentam que certos pressupostos precisam de ser desafiados. Outras vezes, ainda, argumentam que certas respostas ao problema são fáceis demais, isto é, não funcionam. Assim, se estes ensaios estiverem correctos, o problema será de resolução muito mais complexa do que poderíamos ter pensado. Estes resultados são todos importantes e filosoficamente valiosos. Portanto, não há problema em fazer perguntas e levantar problemas nos nossos ensaios, mesmo que não possamos dar respostas satisfatórias a todos. Podemos deixar algumas perguntas não respondidas no final do ensaio. (Mas temos de deixar claro para o leitor que algumas questões ficarão propositadamente sem resposta.) E devemos dizer algo sobre como a questão poderia ser respondida, e o que torna a questão interessante e relevante para o tema em causa. Se alguma coisa na abordagem que estamos a investigar não ficou clara, não a devemos disfarçar. Pelo contrário, devemos chamar a atenção para a falta de clareza e sugerir diferentes formas de a compreender. Temos ainda de explicar por que razão ainda não se pode dizer quais destas interpretações é a correcta. Se apresentamos duas opiniões e, após um exame cuidadoso, não conseguimos decidir entre elas, tudo bem. Não há problema em dizer que os pontos fortes e fracos destas opiniões têm igual força, mas note-se que isto também é uma afirmação que exige explicação e defesa ponderada, como qualquer outra. Devemos apresentar razões que a apoiem, mas estas razões têm de ser suficientemente boas para eventualmente persuadir quem não acha que as duas opiniões têm igual força. Às vezes, ao escrever, descobrimos que os nossos argumentos não são tão bons como pareciam no início. Podemos ter encontrado uma objecção a um argumento a que não conseguimos dar uma boa resposta. Não é caso para entrar em pânico. Se há uma dificuldade com o nosso argumento que não conseguimos resolver, temos de tentar descobrir por que razão não podemos fazê-lo. Não há problema em mudar a nossa tese para outra que seja defensável. Por exemplo, ao invés de escrever um ensaio que apresenta uma defesa inteiramente sólida da perspectiva P, podemos mudar de ideias e escrever um ensaio que seja mais ou menos assim: Segundo uma perspectiva filosófica, P. Esta perspectiva é plausível, pelas seguintes razões... Todavia, há algumas razões para duvidar se será verdade que P. Uma destas razões é X. X levanta um problema à opinião de que P porque... Não é claro como o defensor de P pode superar esta objecção. Ou podemos escrever um ensaio da seguinte forma: Um argumento a favor de P é o "Argumento da Conjunção", que funciona como se segue... À primeira vista, este argumento é bastante atraente. Todavia, falha pelas seguintes razões... Podemos tentar corrigir o argumento, da seguinte maneira... Mas estas correcções não funcionam, porque... Concluo que o Argumento da Conjunção na verdade não consegue estabelecer que P. Escrever um ensaio desse tipo não significa que nos "rendemos" à posição contrária. Afinal, nenhum destes ensaios nos compromete com a perspectiva não-P. São apenas justificações honestas da dificuldade de se encontrar argumentos conclusivos a favor de P. Mas pode ser que mesmo assim P seja verdade. 3. Reescreva, e continue a reescrever Depois de termos escrito um rascunho completo do nosso ensaio devemos deixá-lo de lado por um dia ou dois. Então, devemos retomá-lo e relê-lo. À medida que for lendo cada frase, diga a si mesmo coisas como: "Esta afirmação realmente faz sentido?" "Isto não está claro!" "Isto é pretensioso." "O que quer isto dizer?" "Qual é a conexão entre estas duas frases?" "Estou a repetir-me?", e assim por diante. Certifique-se que todas as frases do seu rascunho fazem falta e livre-se daquelas que não fazem falta. Se não consegue identificar a contribuição de uma frase qualquer para a sua discussão central, livre-se dela, ainda que pareça boa. Nunca devemos inserir questões a mais nos nossos ensaios, a menos que sejam importantes para o argumento principal e que haja espaço para explicá-las. Se não estiver satisfeito com alguma frase, pergunte a si mesmo por que razão essa frase o incomoda. Pode ser que não tenha entendido bem o que está a tentar dizer, ou que não acredite realmente no que está a afirmar. Temos de nos certificar de que nossas frases dizem exactamente o que queremos dizer. Por exemplo, suponha-se que escrevemos "O aborto é o mesmo que assassinato". É isso realmente o que pretendemos dizer? Então, quando Oswald assassinou Kennedy, ele estava a fazer o mesmo do que a abortar Kennedy? Ou queremos dizer outra coisa qualquer? Talvez queiramos dizer que o aborto é uma forma de assassinato. Numa conversa, é razoável esperar que alguém entenda o que queiramos dizer, mas não deve escrever dessa maneira. Ainda que o nosso professor de filosofia consiga entender o que queremos dizer, está mal escrito. Na redacção filosófica, é preciso dizer exactamente o que se pretende. Procure, ainda, prestar atenção à estrutura de seu esboço. Quando for revê-lo, é muito mais importante trabalhar na estrutura e clareza geral do trabalho do que ocupar-se em apagar uma frase ou palavra. Certifique-se de que seu leitor sabe qual é sua afirmação principal e quais são seus argumentos a favor dela. Temos de garantir que os nossos leitores são capazes de dizer qual é o ponto principal de cada parágrafo. Não basta que nós o saibamos. É preciso que seja óbvio para o leitor, mesmo para um leitor preguiçoso, tolo e maldoso. Se puder, mostre o rascunho do seu ensaio a amigos ou colegas de curso e recolha alguns argumentos e conselhos. Recomendo vivamente que o faça. Os seus amigos compreendem os seus pontos principais? Há trechos obscuros ou confusos para os outros no seu rascunho? Se os seus amigos não são capazes de compreender tudo que escreveu, o professor também não o será. Os seus parágrafos e seu argumento podem parecer perfeitamente claros para si e não fazer sentido para mais ninguém. Outra maneira boa de verificar seu rascunho é lê-lo em voz alta, o que o ajudará a perceber se é coerente. Nós podemos saber o que queremos dizer, mas o que pretendemos dizer pode não estar realmente escrito. Ler o ensaio em voz alta ajuda-nos a perceber falhas no nosso raciocínio, digressões e trechos obscuros. Saiba que precisará de escrever muitos rascunhos de seu artigo. Pelo menos 3 ou 4! QUESTÕES MENORES Começar a escrever Não comece com frases do tipo "Ao longo dos tempos, a humanidade tem reflectido sobre o problema do...". Não há necessidade de aquecimento. Vá directo ao ponto, na primeira frase. Não inicie igualmente o artigo com frases do tipo "O dicionário Webster define alma como...". Os dicionários não são boas autoridades no campo da filosofia. Eles registam a maneira como as palavras são usadas no dia-a-dia, mas muitas destas palavras têm significados diferentes, especializados, na filosofia. Gramática * Não devemos evitar repetições, se para as evitarmos obscurecemos o texto. Falar de Aristóteles, e depois de "o estagirita" e depois de "o discípulo de Platão" só para não repetir o nome de Aristóteles em nada ajuda a compreender o texto. * Evite deselegâncias gramaticais que dificultam a compreensão, como frase passivas ("A doutrina da imortalidade da alma foi aceite por Platão desde muito cedo" é muito mais difícil de perceber do que a activa: "Desde muito cedo que Platão aceitou a doutrina da imortalidade da alma.") * Podemos usar livremente a primeira pessoa nos nossos ensaios, sobretudo para marcar a diferença entre o relato do que dizem os outros filósofos e o que nós pensamos do que eles dizem. É mais claro dizer "Julgo que o cogito de Descartes é uma falácia subtil" do que dizer "Julgamos que o cogito de Descartes é uma falácia subtil". * Procure usar frases declarativas e assertivas simples, evite perguntas de retórica, exageros e hipérboles. É mais claro dizer "Julgo que este argumento está errado." do que dizer "Será que alguém pensa que este argumento está certo?". * Procure usar claramente os conectivos lógicos da linguagem. É mais claro dizer "Se a vida não tem sentido, não há valores morais" do que dizer "Considerando que a vida não tem sentido, somos forçados a concluir por necessidade que a existência de valores morais tem de ser uma ilusão". Domine o uso das conjunções (e), disjunções (ou), condicionais (se…, então…), negações (não) e bicondicionais (…se, e só se,…). Domine também o uso dos quantificadores (todos, alguns, pelo menos um, um e um só, etc.). Leituras secundárias Na maioria das disciplinas, há leituras complementares. Trata-se de leituras opcionais, e devem ser fruto de estudo independente. Não precisamos de usar estas leituras complementares quando estamos a redigir um ensaio. O objectivo do ensaio é ensinar o estudante a analisar um argumento filosófico e a apresentar os seus próprios argumentos a favor ou contra uma dada conclusão. Os argumentos que estudamos nas aulas são, por si, suficientemente complexos para merecer toda a atenção do estudante. Podemos escrever o ensaio como um diálogo ou um conto? Não. Bem feitas, essas formas de redacção filosófica podem ser bastante eficientes. É por isso que nas aulas estudamos alguns diálogos e contos. Mas são extremamente difíceis de se fazer bem. É fácil cair na imprecisão e no uso de metáforas pouco claras. É preciso dominar os métodos comuns de redacção filosófica antes de se conseguir fazer um bom trabalho com estas formas mais difíceis. Observações técnicas Procure manter-se dentro do limite de número de palavras; nem mais, nem menos. Ensaios muito longos são tipicamente demasiado ambiciosos, ou repetitivos, ou cheios de digressões. A classificação dos estudantes sofrerá negativamente se os ensaios tiverem qualquer um destes defeitos. Por isso, é importante perguntar a si mesmo quais são as coisas mais importantes que tem de dizer, e o que pode ser deixado de fora. Mas o seu ensaio também não deve ser demasiado curto! Não corte abruptamente um argumento. Se o tópico que escolheu levanta certos problemas, assegure-se de que lhes responde. Use espaço duplo nos ensaios, numere as páginas e inclua margens largas. Um ensaio académico não deve ter capas de plástico, fotografias com cores, etc.; deve valer pela sofisticação do conteúdo e pela sobriedade da apresentação. Coloque o seu nome no ensaio, e guarde uma cópia para si! (Estas coisas deveriam ser óbvias, mas aparentemente não são.) COMO SERÁ CLASSIFICADO Os estudantes são classificados com base em três critérios básicos: 1. Qual é o grau de compreensão dos assuntos do ensaio? 2. Que qualidade têm os argumentos que oferece? 3. A redacção é clara e bem organizada? Os professores não avaliam o seu trabalho a partir de uma possível concordância com sua conclusão. Pode ser que venhamos a discordar entre nós sobre qual seria a melhor conclusão, mas não teremos dificuldade em concordar que tenha feito um bom trabalho argumentando a favor de sua conclusão. Mais especificamente, faremos perguntas como as seguintes: * O estudante afirma claramente o que pretende com seu artigo? A sua tese principal é óbvia para o leitor? * O estudante oferece argumentos que apoiem as suas afirmações? É óbvio para o leitor quais são esses argumentos? * A estrutura do ensaio é clara? Por exemplo, é fácil perceber que partes de seu artigo são exposições de ideias e que partes são sua própria contribuição positiva? * A prosa é simples, fácil de ler e de fácil compreensão? * O estudante ilustra as suas afirmações com bons exemplos? Explica as noções principais? Diz exactamente o que quer dizer? * O estudante apresenta as opiniões de outros filósofos de forma precisa e caridosa? Os comentários que mais frequentemente tenho feito aos artigos dos meus estudantes são os seguintes: * "Explique esta afirmação" ou "O que quer dizer com isto?" ou "Não compreendo o que está a dizer aqui". * "Esta passagem não está clara (ou confusa, difícil de ler)." "Complicado demais." "Difícil de acompanhar." "Simplifique." * "Por que razão afirma isto?" "Há necessidade de argumentos mais fortes aqui." Por que razão devemos acreditar no que diz?" "Explique por que razão isto é uma razão para se acreditar em P." "Explique por que razão isto se segue do que disse antes." * "Irrelevante." * "Dê um exemplo." Tente antecipar estes comentários e evite que o professor os tenha de fazer! Responder a comentários do professor Quando tiver a oportunidade de reescrever um artigo corrigido pelo professor, mantenha as seguintes observações em mente. Os textos que reescrever devem tentar superar os erros específicos e problemas indicados pelo professor. Se teve uma nota baixa, então seu rascunho estava, de um modo geral, difícil de ler, era difícil reconhecer o seu argumento, a estrutura do ensaio, e assim por diante. Só pode corrigir falhas como essas refazendo totalmente o trabalho. (Abra um novo documento no seu processador de texto.) Use o rascunho e as observações do professor para construir um novo esboço, e escreva a partir dele. Tenha em mente que quando o seu professor dá uma nota a um ensaio reescrito ele pode reparar em falhas que deixou escapar na primeira leitura, em partes que não foram alteradas. Talvez estas falhas afectem a impressão geral de seu trabalho, mas o professor não deu nenhuma recomendação específica de como corrigi-las. Por isso, tente melhorar todo o trabalho, não apenas as passagens que o professor comentou. É possível melhorar um ensaio sem que esta melhoria seja suficiente para garantir uma nota superior à primeira. Às vezes isso acontece. Mas espero que consiga fazer melhor. Normalmente, não terá a possibilidade de reescrever seus ensaios depois de terem sido corrigidos. Por isso, precisa se disciplinar para escrever um rascunho, examiná-lo cuidadosamente, revê-lo e reescrevê-lo antes de o entregar ao professor. James Pryor Agradecimentos: Não quero atribuir crédito falso a este trabalho. A minha contribuição consistiu, na sua maior parte, em coligir e organizar sugestões de outras pessoas. Boa parte dos conselhos que apresento aqui foi tomada de empréstimo dos apontamentos de amigos e colegas. (Alison Simmons e Justin Broackes merecem crédito especial.) E é de esperar que eu tenha encontrado alguns destes conselhos ao ler outros guias deste género na Internet. Tenho muita pena de não ter registado essas dívidas. Tradução de Eliana Curado A Crítica agradece a autorização do autor para traduzir e publicar este ensaio, cujo original está em http://www.princeton.edu/~jimpryor/general/writing.html. Imprimir · Termos de utilização Reproduza livremente mas, por favor, cite a fonte. Fonte: http://criticanarede.com/html/fil_escreverumensaio.html

sábado, 16 de maio de 2009

A estrutura de um ensaio filosófico

A. P. Martinich Universidade do Texas, Austin

1. Esboço da estrutura de um ensaio filosófico

Sócrates não era amigo daquilo que entendia por retórica. Ainda assim, dispunha-se a conceder que "Todo discurso deve ser construído como uma criatura viva, dotado por assim dizer do seu próprio corpo; não lhe podem faltar nem pés nem cabeça; tem de dispor de um meio e de extremidades compostas de modo tal que sejam compatíveis uns com os outros e com a obra como um todo" (Fedro, 264C). Estendendo o alcance da metáfora, assim como as partes do corpo têm diferentes formas e funções — braços, pernas, asas e chifres —, assim também as têm as partes do ensaio. Além disso, assim como diferentes animais exibem diferentes anatomias, assim também se passa com os ensaios filosóficos: alguns são mais complexos e invulgares do que outros. Todos, contudo, evoluem a partir de uma forma básica.

Neste livro, discute-se a forma mais básica do ensaio e os seus descendentes imediatos na escala da evolução. Todas essas formas têm cabeça, tronco e cauda. Em termos prosaicos, todo ensaio deve apresentar três partes: começo, meio e fim. Foi Winston Churchill, creio eu, quem o disse da seguinte maneira: diga o que vai fazer, faça-o, diga o que fez. Talvez já tenhas ouvido isso, e por uma boa razão: trata-se de uma verdade. Além disso, como um primeiro critério de especificação da estrutura de um ensaio, é uma valiosa observação. Mas esse truísmo seria objectável se não se dissesse nada mais sobre o que entra na estrutura do ensaio e como o autor pode construir uma. Faz-se necessário um guia mais informativo (vê abaixo) sobre a redacção do ensaio.

No guia mais informativo, o primeiro elemento, "diz o que vai fazer", e o terceiro, "diz o que fizeste", não sofrem modificações substanciais. Eles aparecem a seguir como segmentos I e V, respectivamente. O segundo elemento, "fá-lo", no entanto, divide-se em três segmentos, II, III e IV.

A estrutura de um ensaio filosófico (forma simples):

I — Apresenta a proposição a demonstrar.

II — Apresenta o argumento a favor da proposição.

III — Demonstra que o argumento é válido.

IV — Demonstra que as premissas são verdadeiras.

V — Retoma de modo conclusivo o que foi provado.

O segmento I, "Apresenta a proposição a demonstrar", é o começo do ensaio. A proposição a demonstrar costuma receber o nome de "frase de tese" ou, mais simplesmente, "tese". A tese tem de ser um enunciado como "A justiça é atribuir a cada pessoa aquilo que lhe é devido", assim como pode ter carácter histórico: "A dúvida metódica de Descartes é equivalente ao cepticismo de Sexto Empírico".

Aristóteles disse: "Um discurso tem duas partes: temos de apresentar nossa tese e temos de a demonstrar". Embora um ensaio não seja propriamente um discurso escrito, aquilo que Aristóteles diz sobre este último pode aplicar-se ao ensaio. A divisão mais básica de um ensaio é a apresentação da tese e a demonstração dessa tese. A afirmação da tese vem antes da demonstração. Se começares o ensaio com a primeira premissa, em vez de começar com a apresentação de tua tese, o leitor terá grandes dificuldades para compreender a relevância da premissa. Um dos motivos disso é que de uma proposição segue-se um número infinito de proposições. (É fácil, porém irrelevante aqui, demonstrar isso. Qualquer pessoa que tenha feito um curso de lógica deverá ser capaz de fazê-lo. Quem não fez esse curso pode pedir ao professor, num dia chuvoso, que o faça.) Embora virtualmente todas as proposições infinitas possíveis tenham uma probabilidade absurdamente baixa de ser usadas pelo autor, ainda haverá com frequência um número relativamente grande de proposições com uma probabilidade relativamente alta de ser escolhidas; é injusto e irracional que o autor espere que o leitor antecipe quais dessas poderá usar.

Compara escrever um ensaio com dirigir um veículo. Se o passageiro não souber o destino, vai ser-lhe difícil lembrar-se das ruas por onde passou. Se, por outro lado, o destino for conhecido, toda a curva à esquerda e à direita, toda a placa ou sinal de trânsito serão registados com relação a esse destino. Como a filosofia pode ser difícil, é importante dizer com toda a clareza possível o que estás a tentar demonstrar no teu ensaio. Não deve haver surpresas na filosofia, excepto as causadas por uma descoberta expressa com uma clareza brilhante. Não confundas pirotecnia retórica com luz filosófica.

Claro que o teu principal objectivo, ao escrever um ensaio filosófico, é a Verdade pela Verdade (Veritas gratia Veritatis). Outro propósito pode ser, no entanto, mostrar ao teu professor que conheces o assunto. Antes de ler o teu ensaio, o professor não vai supor nem que conheces nem que não conheces o assunto; mas, quando começar a ler, o ónus de provar que conheces o assunto é todo teu. Um ensaio sem clareza é indício de um pensamento sem clareza.

Os segmentos II, III e IV constituem o meio do ensaio. Quanto ao segmento II, é boa prática apresentar o mais cedo possível todas as tuas premissas. Isso dá ao leitor a oportunidade de ver a estrutura geral do teu argumento. O leitor tem a hipótese de conhecer a aparência geral da maneira como vais proceder para provar a tua tese. Então, no segmento III, mostra que o teu argumento é válido, isto é, que as premissas estabelecidas conduzem de facto à conclusão. Explica de que maneira as suas premissas implicam a sua conclusão. Como um argumento válido só garante uma conclusão verdadeira se todas as premissas forem verdadeiras, o próximo passo do teu ensaio (segmento IV) é provar que as tuas premissas são verdadeiras. Apresenta em primeiro lugar os indícios a favor das tuas premissas. Essa é a maneira mais directa e patente de defender a tua tese. Tipicamente, o público mostrar-se-á dúbio com relação a uma ou mais das tuas premissas. Levantar as objecções que antecipas que o leitor poderá fazer ajuda a desanuviar a atmosfera, sobretudo se puderes responder a essas objecções. Além disso, a resposta a objecções reforça a tua defesa e torna-a mais imperiosa quanto à sua aceitação por parte do leitor.

O segmento V é o fim do teu ensaio. Há várias maneiras de terminar um ensaio. Uma delas é resumir o teu argumento. Isso segue a ideia de "diz o que fizeste". Como vem no final da tua explicação cuidadosa, o teu resumo pode supor muitas coisas. Podes usar termos técnicos livremente e supor que o sentido de todas as tuas proposições é claro. Outra maneira de terminares o ensaio é explicar que outra ou outras implicações ele tem ou dizer qual é o próximo passo da tua investigação. Esta última conclusão não é adequada quando se está a apresentar a monografia final de uma disciplina ou curso.

Outra maneira de terminar o ensaio é explicar por que razão os resultados obtidos são importantes, caso a sua importância não tenha podido ser explicada pela tua apresentação em algum segmento anterior do ensaio. Tipicamente, é bom explicar a importância dos resultados perto do começo do ensaio, a fim de despertar o interesse do leitor. Mas às vezes não é possível avaliar essa importância antes de se percorrer todo o argumento; ou a relação entre os resultados e a importância que têm é implausível sem o argumento. Nesses casos, é tanto justificável como aconselhável explicar a importância dos resultados no final.

Descrevi em linhas gerais a estrutura mais simples que um ensaio filosófico pode ter. Tipicamente, essa estrutura é bem mais complexa. A fim de te ajudar a reflectir sobre essa complexidade, vamos examinar um esboço bem mais complicado da estrutura de um ensaio filosófico. Vê as páginas seguintes.

O esboço é, em larga medida, auto-explicativo. Ainda assim, é necessário dizer outras coisas sobre ele, visto que se trata de uma entidade abstracta e esquemática. Em primeiro lugar, nem todo o ensaio conterá todos os elementos do esboço. Em segundo, nem todos conterão esses elementos na ordem aqui apresentada. Essa ordem, embora padrão, não deve ser considerada invariável; o teu material deve ditar a ordem. Em terceiro lugar, alguns itens do esboço são mais ou menos os mesmos, como, por exemplo, I(a)(2) e I(b)(1). Uma das razões disso é que, de um modo geral, os ensaios desenvolvem um passo de cada vez. É muitas vezes retoricamente mais eficaz seguir este procedimento: indicar as bases gerais, apresentar a tua posição, fornecer bases mais específicas e assim por diante. Outro motivo de o mesmo tópico geral ser referenciado em mais de um lugar no esboço depende, mais uma vez, do facto de o teu material dever ditar a ordem, o que em alguns casos significa discutir o tópico num dado lugar e noutros casos, noutro lugar. Por fim, partes desse esboço — e mesmo todo ele — podem ser incorporadas como elementos de outras partes do esboço. Por exemplo, no começo do ensaio, no curso da explicação daquilo que outros filósofos pensaram sobre o teu problema, podes querer introduzir o argumento que outro filósofo qualquer apresenta em favor da sua posição, ou seja, podes querer introduzir os segmentos II, III e IV do "Esboço" como elemento subordinado a I(a)(2). Se fizeres isso, o esboço da primeira parte do teu ensaio conterá elementos encaixados. (Vê a caixa ilustrativa.)

A estrutura de um ensaio filosófico (Forma um pouco mais complexa):

I — Começo: apresenta a proposição a demonstrar.

a) Orientação

1) Especifica o tópico geral a ser discutido.

2) Relata o que outros filósofos pensaram sobre o tópico.

b) Apresenta o que vai ser provado; apresenta a tese.

1) Diz quem teve a mesma opinião ou um ponto de vista semelhante.

2) Diz quem teve uma opinião oposta ou um ponto de vista diferente.

c) Motivação: explica por que essa tese ou tópico é interessante ou importante,

d) Diz o que vais pressupor no teu ensaio sem discussão.

II — Apresenta o argumento em favor da proposição a ser provada.

a) Explica a força geral do argumento.

b) Explica o que as premissas significam.

III — Demonstra que o argumento é válido.

a) Explica os termos usados em sentido técnico ou que são ambíguos; resolve a ambiguidade.

b) Explica de que maneira a conclusão é consequência das premissas.

1) A inferência que leva a conclusões intermediárias terá de ser explicada como parte da explicação como um todo.

2) Às vezes é possível explicar as inferências citando regras de um sistema natural de dedução, como, por exemplo, modus ponens ou modus tollens. O mais comum é que a explicação se volte para esclarecer as relações conceptuais entre os conceitos expressos nas premissas.

c) Apresenta as regras que justificam as inferências não aparentes feitas a partir do enunciado inicial do argumento.

IV — Demonstra que as premissas são verdadeiras.

a) Fornece os indícios a favor das premissas.

1) Explica as premissas, bem como o significado de termos que podem ser entendidos erradamente e, assim, prejudicar a verdade das tuas premissas.

2) Aduz as intuições do público; dá exemplos e apresenta argumentos subsidiários que apoiem a verdade das tuas premissas.

b) Levanta objecções.

1) Apresenta objecções que tenham sido efectivamente levantadas à tua posição.

i) Apresenta as objecções que filósofos historicamente significativos tenham levantado com relação ao teu problema;

ii) Apresenta as objecções levantadas pelo teu professor e pelos teus colegas;

2) Levanta objecções que ninguém tenha levantado e que, uma vez respondidas, explicitem e tornem mais clara a tua tese.

c) Responde às objecções.

V — Conclusão

a) Retoma de modo conclusivo o que foi provado.

b) Indica outros resultados que se podem querer obter.

A estrutura de um ensaio filosófico (Com uma estrutura encaixada):

I — Começo: apresenta a proposição a demonstrar.

a) Orientação

1) Especifica o tópico geral a ser discutido.

2) Relata o que outros filósofos pensaram sobre o tópico.

II — Apresenta o argumento em favor da proposição a demonstrar.

III — Demonstra que o argumento é válido.

a) Explica os termos usados em sentido técnico ou que são ambíguos; resolve a ambiguidade. b) Apresenta as regras que justificam as inferências não aparentes feitas a partir do enunciado inicial do teu argumento.

IV — Demonstra que as premissas são verdadeiras.

b) Apresenta o que vai ser provado; apresenta a tese.

1) Diz quem teve a mesma opinião ou um ponto de vista semelhante. 2) Diz quem teve opinião oposta ou um ponto de vista diferente.
c) Motivação: explica por que essa tese ou tópico é interessante ou importante.

II — Apresenta o argumento em favor da proposição a demonstrar.

III — Demonstra que o argumento é válido.

IV — Demonstra que as premissas são verdadeiras.

V — Conclusão

2. Anatomia de um ensaio

Reproduzimos a seguir um exemplo da teoria moral de Hobbes segundo a ordem que ilustra a maioria dos itens da estrutura de um ensaio filosófico discutida na secção anterior. As passagens foram numeradas (de [1] a [22]) para posterior referência ao já adiantado sobre a estrutura texto do ensaio. Para melhores resultados no uso dos comentários, faz uma leitura prévia e rápida de todo o ensaio (é bastante curto). Depois, volta ao começo e lê cada item numerado e a nota que lhe corresponde.

[1]A Teoria Moral de Hobbes Segundo a Ordem Divina
[2] O problema central da filosofia moral de Thomas Hobbes é responder à seguinte questão: "Por que razão estão os seres humanos obrigados a seguir as leis morais?" [3] Há duas maneiras essenciais de interpretar a resposta de Hobbes a essa pergunta. [4] A primeira é a de que os seres humanos têm de obedecer à lei moral porque Deus lhes ordena que obedeçam. [5] Essa interpretação é de modo geral conhecida como Tese de Taylor-Warrender. [6] A outra interpretação diz que os seres humanos devem obedecer às leis morais porque essas leis são racionais, no sentido em que são dedutíveis pela razão. [7] Podemos denominá-la Tese Secular. [8] Neste ensaio, apresento uma interpretação que é uma versão da Tese de Taylor-Warrender. [9] Segundo essa tese, para Hobbes, uma acção é moral quando Deus a ordena. [10] A minha interpretação, porém, incorpora igualmente o principal elemento da Tese Secular, visto que aquilo que Deus ordena é dedutível pela razão. [11] Hobbes afirma com frequência que as leis morais, por ele identificadas com os ditames da razão, são leis divinas (Leviatã, org. por C. B. Macpherson, Penguin, 1962, c. 31, p. 399). Ele afirma ainda que "A Palavra de Deus deve, pois, ser levada igualmente em consideração no tocante aos Ditames da razão e da equidade" (Leviatã, p. 456; ver também De Cive, 4.1). A partir das muitas passagens que podem ser citadas, fica claro que é genuína a adesão de Hobbes a essa doutrina; ele não a enunciou casualmente nem o fez com reservas. [12] A concepção segundo a qual se deve obedecer às leis morais por serem elas ordenadas por Deus, pode igualmente ser demonstrada por recurso a um argumento que Hobbes não poderia deixar de aceitar. As leis morais são leis. Todas as leis requerem um legislador. Não há outro legislador da lei moral além de Deus. Logo, Deus é o legislador da lei moral. [13] Uma objecção à minha tese é que Hobbes não recorre a Deus ao deduzir as leis morais. [14] Com respeito a essa objecção, afirmo não ser necessário que Hobbes mencione Deus na dedução das leis morais. [15] O primeiro passo para compreender por que isso é verdade consiste em distinguir entre a forma e o conteúdo da lei. [16] Para Hobbes, como para todos os teorizadores que recorrem à ordem divina ao tratar da obediência às leis morais, toda a lei tem duas partes: há o seu conteúdo, que exprime o que se tem de fazer, e a sua forma, expressão da autoridade que obriga a fazer o que se tem de fazer. [17] Por exemplo, a frase "Ordeno que todos os que tomarem algo em empréstimo devolvam o objecto em questão no mesmo estado em que se encontrava quando do empréstimo" é usada apropriadamente para exprimir uma lei quando enunciada por um soberano, [18] e é divisível em duas partes. [19] A expressão "ordeno" exprime a forma da lei ou, como diz Hobbes, "O estilo de uma Lei é Ordenamos" (Leviatã, p. 588; ver também p. 317). [20] O resto da frase exprime o seu conteúdo. [21] Embora a forma das leis morais seja imediatamente clara (eu, Deus, ordeno), o seu conteúdo não o é, porque os seres humanos não têm acesso directo a Deus, visto ser Ele invisível bem como propenso a ser percebido de outras maneiras. Não obstante, há certos conhecimentos que os seres humanos têm a respeito de Deus, como o de ser racional. Além disso, as leis têm de ser racionais; é impossível haver uma lei irracional ou contraditória. Ora, como tudo o que é racional é dedutível pela razão, o conteúdo da lei moral também o é. [22] Conclui-se, assim, que o conteúdo da lei moral é dedutível pela razão, porém não a partir de nosso conhecimento da natureza de Deus; e a ordem de Deus é o que torna esse conteúdo uma lei e, por conseguinte, de obediência obrigatória.

Notas

[1] O título é uma parte extremamente importante do ensaio porque, se formulado com habilidade, ajuda a compor as duas partes mais importantes do início de um ensaio. Como é sempre a primeira coisa que o leitor vê, antes mesmo do nome do autor, o título cria a primeira impressão. O título deve veicular uma gama restrita de tópicos a partir dos quais é seleccionado o tópico principal. O título "A Teoria Moral de Hobbes Segundo a Ordem Divina" indica, evidentemente, que o principal tópico da discussão não incluirá elefantes nem eras geológicas, restringindo o tópico à intersecção de tópicos sobre Hobbes e a teoria moral segundo a ordem divina. Claro que a compreensão do título depende em larga medida do grau de informação do público. O título é mais informativo para alguém que saiba quem é Hobbes e o que é a teoria moral segundo a ordem divina.

[2] A primeira frase deve fazer a transição entre o carácter abstracto e esquemático do título e o carácter concreto e específico do ensaio. A transição é muito suave neste ensaio, visto que a expressão "filosofia moral de Thomas Hobbes", na primeira frase, faz eco a duas das palavras contidas no titulo. O item [2] satisfaz I(a)(i): Especifica o tópico geral a ser discutido. (A diferença entre I(a)(i), I(b)(i) e 1(b)(2) reside apenas na relação que as frases têm com outras partes do ensaio.) I(a)(i) é um relato da história do problema que não vincula esta história com a tese do autor; I(b)(i) e 1(b)(2) relatam essa história na sua relação com essa tese.

[3] Esta frase introduz 1(a)(2): Relata o que outros filósofos pensaram sobre o tópico.

O item [3] é, por outro lado, proléptico, isto é, ele exprime de maneira geral algo que precisa ser relatado em detalhes. As frases prolépticas assemelham-se a promessas implícitas relativamente a falar mais sobre o tópico. Essas promessas devem ser cumpridas assim que for possível. No nosso caso, a promessa é cumprida nas frases seguintes: [4] a [7].

[4] Esta frase é a primeira parte da explicação do que foi dito em [3].

[5] Esta frase dá o nome da interpretação a que se fez referência em [4]. Seria apropriado introduzir aqui uma nota com referências ao trabalho académico de Taylor, de Warrender e de qualquer outro estudioso que o autor julgue que fornece fundamentos relevantes sobre o assunto. Essa nota não aparece aqui por razões de simplicidade.

O item [5] também marca o lugar no qual se poderia incluir uma discussão do trabalho de Taylor e de Warrender, caso o autor desejasse ampliar o ensaio. Por exemplo, a frase [5] poderia ser facilmente transformada em três:

[5] Essa interpretação é de modo geral conhecida como Tese de Taylor-Warrender. [5a] A. E. Taylor apresentou pela primeira vez a tese com as seguintes palavras: "Só posso tornar consistentes entre si os enunciados de Hobbes supondo que ele considerava com toda a seriedade aquilo que diz com tanta frequência: que a «lei natural» é a ordem de Deus, devendo, pois, ser obedecida por ser ordem de Deus" (A. E. Taylor, "The Ethical Doctrine of Hobbes", in Hobbes Studies, org. por Stuart Brown, Oxford, Basil Blackwell, 1965, p. 49). [5b] Howard Warrender elaborou mais tarde uma variante da tese nos seguintes termos: "[De acordo com Hobbes], a razão pela qual devo cumprir o meu dever é que Deus me ordena que o faça" (The Political Philosophy of Hobbes, Oxford, Clarendon Press, 1957, p. 213).

Estas três proposições ([5], [5a] e [5b]) poderiam ser expandidas em dez ou mais se isso fosse necessário ou desejado, de preferência descrevendo, em vez de citar, as suas ideias.

A citação ou outras indicações do pensamento de outros estudiosos sobre uma questão filosófica oferece bases ao leitor ideal e indícios ao teu professor de que investigaste e estás bem informado sobre o teu tópico. Há muitos outros pontos deste ensaio que podem ser expandidos de várias maneiras. Vê, por exemplo a nota, ao segmento [11].

[6] Esta e a próxima frase completam a discussão de I(a)(2). Vê a estrutura paralela de [4], que começa com "A primeira" e de [6], que começa com "A outra interpretação", Esse tipo de estrutura une diferentes frases e contribui para o que é chamado de "coerência" ou "coesão".

[7] Esta frase relaciona-se com [5]. Ela completa a discussão de 1(a)(2): "Relata o que outros filósofos pensaram sobre o tópico".

[8] Esta frase satisfaz 1(b): "Apresenta o que vai ser demonstrado; apresenta a tese".

[9] Esta frase satisfaz parcialmente 1(b). Ela dá uma explicação adicional à tese, repetindo ligeiramente as informações dadas em [6], mas a repetição é proveitosa se o autor julgar que o público pode não estar familiarizado com os estudos sobre Hobbes. A repetição evita que o leitor tenha de voltar para ver o que é a Tese Taylor-Warrender.

[10] Esta frase continua a satisfazer 1(b). Tal como [9], repete ligeiramente as informações dadas antes.

[11] As frases deste segmento satisfazem tanto II, "Apresenta o argumento a favor da proposição", como IV, "Demonstra que as premissas são verdadeiras". O argumento é tão breve e simples que as suas premissas nem sequer são dadas no ensaio. Uma consequência disso é que não há necessidade de incluir no ensaio coisa alguma que satisfaça o item III: "Demonstra que o argumento é válido". Se se explicitasse o argumento, ele teria a seguinte forma:

Se Hobbes diz que as leis da natureza são leis divinas, então Hobbes pensa que as leis da natureza são leis divinas.

Hobbes diz que as leis da natureza são leis divinas.

Logo, Hobbes pensa que as leis da natureza são leis divinas.

(Alguns filósofos diriam que [11] não exprime um argumento, mas só uma proposição e o indício a favor da sua verdade. Não desejo discutir isso aqui e peço que seja aceite como um argumento para fins de exposição.)

Há uma boa razão para mostrar esse argumento simples aqui, embora não no próprio ensaio. Alguns estudiosos julgam que o argumento não é sólido; dependendo da definição de "diz", é a primeira ou a segunda premissa que é falsa. Por exemplo, Leo Strauss acha que, por razões políticas, Hobbes escreveu, como muitos outros filósofos, palavras que não desejava ver tomadas literalmente. Num ensaio curto como este (cerca de duas páginas), não há espaço para discutir a interpretação de Strauss e nem sequer para mencioná-la.

Se o ensaio fosse ampliado para uma versão de 10-20 páginas, seria apropriado introduzir as ideias de Strauss neste ponto. (Para uma discussão adicional disso, vê o capitulo 4, secção 4, "Elaboração sucessiva".)

Consideremos agora a maneira como [11] satisfaz o item IV. Na primeira frase de [11], o autor dá como referência o Leviatã, que substancia propositadamente a sua posição. Na frase seguinte, o autor cita de facto as palavras de Hobbes como indício favorável à sua concepção, além de fornecer mais uma referência à obra deste. A última frase do parágrafo afirma que seria possível apresentar mais indícios, mas não as apresenta. O autor já fundamentou satisfatoriamente a verdade da premissa "Hobbes diz que as leis da natureza são leis divinas". Num ensaio mais longo, contudo, teriam de se oferecer mais indícios e alguma discussão sobre elas.

[12] Este parágrafo desenvolve um segundo argumento a favor da tese do autor. Embora teoricamente um único argumento sólido em favor de uma proposição seja suficiente para a provar, na prática é muitas vezes necessário ao autor desenvolver no ensaio mais de um argumento, a fim de alcançar o seu propósito. Há pelo menos duas razões para isso. Em primeiro lugar, o público com frequência não o reconhece como sólido se for o único argumento sólido apresentado em favor da conclusão. Parece ser um facto psicológico sobre os seres humanos ser mais fácil aceitar um argumento como sólido se houver vários outros argumentos, ainda que logicamente independentes do primeiro, que levem à mesma conclusão. Em segundo lugar, o público do autor é heterogéneo. Diferentes pessoas reconhecerão como sólidos diferentes argumentos. Uma pessoa pode ser persuadida por um argumento sólido e outra por outro, dependendo das suas crenças e dos princípios de prova que sustentarem antes da leitura. Assim, para convencer muitas pessoas, é tipicamente necessário desenvolver vários argumentos em favor da mesma conclusão. Isso, no entanto, não significa que o autor deva apresentar os seus argumentos com demasiada brevidade nem com insuficiência de detalhes. Não é do mesmo modo um estímulo para que ela apresente o máximo de argumentos que puder, por piores ou aparentemente piores que sejam. Apresentar um argumento mau ou um argumento que pareça mau pode prejudicar o objectivo do autor. Ainda que um argumento não-sólido a favor de uma proposição não indique que ela é falsa, pode provocar, com isso, o efeito psicológico de levar o público a pensar que a proposição é falsa. No tocante ao carácter persuasivo ou não do ensaio, apresentar 20 argumentos maus a favor de uma tese pode fazer muito mais mal do que apresentar apenas um argumento sólido. Deve-se enfatizar ainda que uma conclusão é verdadeira se houver ao menos um argumento sólido que a sustente e que a existência de um milhão de argumentos maus para a sustentar não prova que a conclusão seja falsa.

Se o argumento do item [12] fosse explicitado, a sua forma seria:

As leis morais são leis.

Todas as leis precisam de um legislador.

Não há legislador da lei moral além de Deus.

Logo, Deus é o legislador da lei moral.

[13] Esta frase introduz o item IV(b): "Levanta objecções". Trata-se da frase do parágrafo que introduz o teu tópico. Ela convida à questão "Por que será que Hobbes menciona Deus na sua dedução da lei moral?", sendo respondida nas frases imediatamente seguintes.

Trata-se de uma objecção-padrão levantada pelos críticos da Tese Taylor-Warrender. Assim, enquadra-se mais especificamente em IV(b)(I)(i). Num ensaio mais longo, seria apropriado fazer referência a pelo menos o mais importante desses críticos, e até descrever com alguma extensão as suas objecções. Se este ensaio fosse o esboço de um ensaio mais longo, elaborado pelo autor de acordo com o método da "Elaboração sucessiva", esse seria o lugar apropriado para o expandir da maneira descrita. Sendo ele breve, mesmo as referências aos oponentes de Taylor e de Warrender foram omitidas. Este segmento exprime de modo não qualificado a visão geral do autor. Essa visão geral precisa ser elaborada, o que vem nas frases seguintes.

[14] Esta frase começa a responder à objecção levantada em [13]. Começa, assim, a satisfazer o item IV(c).

[15] Esta frase dá continuidade ao item IV(c). Embora não seja óbvio — nem precise de o ser —, a partir desta frase, que a distinção entre forma e conteúdo é muito importante, no momento certo será. É importante que o autor não apresse a sua exposição. Ele não deve tentar dizer o que há para ser dito em uma ou duas frases; é preciso que ele desvele o seu pensamento passo a passo, nem de forma apressada nem tardiamente.

O ponto mais importante do ensaio não deve ser introduzido em resposta a uma objecção, dado que uma resposta é, de modo geral, uma parte subordinada, mas é muitas vezes legitimo introduzir como réplicas pontos dotados de certa importância. Se todas as réplicas forem relativamente sem importância, a leitura do ensaio será entediante.

[16] Esta frase dá continuidade a IV(c). Além disso, embora se inicie remetendo para Hobbes ("Para Hobbes"), ela amplia de imediato a sua importância ao generalizar ("como para todos os teóricos que recorrem à ordem divina"). O resto da frase serve então para caracterizar a diferença entre a forma e o conteúdo da lei. Uma caracterização é sempre geral e abstracta.

A frase seguinte toma a caracterização mais clara ao ilustrá-la com um exemplo.

[17] Esta frase dá um exemplo daquilo que é caracterizado em [16]. Torna a caracterização menos abstracta.

[18] Esta frase começa a explicar o exemplo; é proléptica, realizando-se nas duas frases seguintes, [19] e [20].

[19] Esta frase explica que parte do exemplo diz respeito à forma da lei, vinculando-a com as palavras de Hobbes ("como diz Hobbes"). Há uma certa redundância na informação dada em [19], mas essa repetição justifica-se, dado que o autor apresenta um ponto que o público provavelmente não conhece e explicá-lo de duas maneiras distintas reduz o ónus do leitor.

[20] Esta frase está coordenada com [19], mas [19] é bem mais breve do que ela. Ao que parece, é preciso dizer mais, o que é feito no próximo parágrafo.

[21] As expressões "a forma das leis morais" e "seu conteúdo", na primeira frase deste parágrafo, ligam-no ao anterior. Mais uma vez é criada coesão.

A maior parte deste parágrafo apresenta uma reconstrução da maneira como Hobbes vincula o conteúdo de uma lei moral como racional (ou dedutível) à forma de uma lei moral.

Isso completa a discussão de IV(c).

[22] Este parágrafo satisfaz V: Conclusão. Resume o argumento de todo o ensaio.

A. P. Martinich Tradução de Vítor Oliveira Excerto retirado de Philosophical Writing: An Introduction, de A. P. Martinich (Oxford: Backwell, 1998, pp. 52-66); edição brasileira: Ensaio Filosófico (São Paulo: Edições Loyola, 2002).

Fonte: http://criticanarede.com/html/filos_ensaiofilosofico.html

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