sábado, 16 de maio de 2009

A estrutura de um ensaio filosófico

A. P. Martinich Universidade do Texas, Austin

1. Esboço da estrutura de um ensaio filosófico

Sócrates não era amigo daquilo que entendia por retórica. Ainda assim, dispunha-se a conceder que "Todo discurso deve ser construído como uma criatura viva, dotado por assim dizer do seu próprio corpo; não lhe podem faltar nem pés nem cabeça; tem de dispor de um meio e de extremidades compostas de modo tal que sejam compatíveis uns com os outros e com a obra como um todo" (Fedro, 264C). Estendendo o alcance da metáfora, assim como as partes do corpo têm diferentes formas e funções — braços, pernas, asas e chifres —, assim também as têm as partes do ensaio. Além disso, assim como diferentes animais exibem diferentes anatomias, assim também se passa com os ensaios filosóficos: alguns são mais complexos e invulgares do que outros. Todos, contudo, evoluem a partir de uma forma básica.

Neste livro, discute-se a forma mais básica do ensaio e os seus descendentes imediatos na escala da evolução. Todas essas formas têm cabeça, tronco e cauda. Em termos prosaicos, todo ensaio deve apresentar três partes: começo, meio e fim. Foi Winston Churchill, creio eu, quem o disse da seguinte maneira: diga o que vai fazer, faça-o, diga o que fez. Talvez já tenhas ouvido isso, e por uma boa razão: trata-se de uma verdade. Além disso, como um primeiro critério de especificação da estrutura de um ensaio, é uma valiosa observação. Mas esse truísmo seria objectável se não se dissesse nada mais sobre o que entra na estrutura do ensaio e como o autor pode construir uma. Faz-se necessário um guia mais informativo (vê abaixo) sobre a redacção do ensaio.

No guia mais informativo, o primeiro elemento, "diz o que vai fazer", e o terceiro, "diz o que fizeste", não sofrem modificações substanciais. Eles aparecem a seguir como segmentos I e V, respectivamente. O segundo elemento, "fá-lo", no entanto, divide-se em três segmentos, II, III e IV.

A estrutura de um ensaio filosófico (forma simples):

I — Apresenta a proposição a demonstrar.

II — Apresenta o argumento a favor da proposição.

III — Demonstra que o argumento é válido.

IV — Demonstra que as premissas são verdadeiras.

V — Retoma de modo conclusivo o que foi provado.

O segmento I, "Apresenta a proposição a demonstrar", é o começo do ensaio. A proposição a demonstrar costuma receber o nome de "frase de tese" ou, mais simplesmente, "tese". A tese tem de ser um enunciado como "A justiça é atribuir a cada pessoa aquilo que lhe é devido", assim como pode ter carácter histórico: "A dúvida metódica de Descartes é equivalente ao cepticismo de Sexto Empírico".

Aristóteles disse: "Um discurso tem duas partes: temos de apresentar nossa tese e temos de a demonstrar". Embora um ensaio não seja propriamente um discurso escrito, aquilo que Aristóteles diz sobre este último pode aplicar-se ao ensaio. A divisão mais básica de um ensaio é a apresentação da tese e a demonstração dessa tese. A afirmação da tese vem antes da demonstração. Se começares o ensaio com a primeira premissa, em vez de começar com a apresentação de tua tese, o leitor terá grandes dificuldades para compreender a relevância da premissa. Um dos motivos disso é que de uma proposição segue-se um número infinito de proposições. (É fácil, porém irrelevante aqui, demonstrar isso. Qualquer pessoa que tenha feito um curso de lógica deverá ser capaz de fazê-lo. Quem não fez esse curso pode pedir ao professor, num dia chuvoso, que o faça.) Embora virtualmente todas as proposições infinitas possíveis tenham uma probabilidade absurdamente baixa de ser usadas pelo autor, ainda haverá com frequência um número relativamente grande de proposições com uma probabilidade relativamente alta de ser escolhidas; é injusto e irracional que o autor espere que o leitor antecipe quais dessas poderá usar.

Compara escrever um ensaio com dirigir um veículo. Se o passageiro não souber o destino, vai ser-lhe difícil lembrar-se das ruas por onde passou. Se, por outro lado, o destino for conhecido, toda a curva à esquerda e à direita, toda a placa ou sinal de trânsito serão registados com relação a esse destino. Como a filosofia pode ser difícil, é importante dizer com toda a clareza possível o que estás a tentar demonstrar no teu ensaio. Não deve haver surpresas na filosofia, excepto as causadas por uma descoberta expressa com uma clareza brilhante. Não confundas pirotecnia retórica com luz filosófica.

Claro que o teu principal objectivo, ao escrever um ensaio filosófico, é a Verdade pela Verdade (Veritas gratia Veritatis). Outro propósito pode ser, no entanto, mostrar ao teu professor que conheces o assunto. Antes de ler o teu ensaio, o professor não vai supor nem que conheces nem que não conheces o assunto; mas, quando começar a ler, o ónus de provar que conheces o assunto é todo teu. Um ensaio sem clareza é indício de um pensamento sem clareza.

Os segmentos II, III e IV constituem o meio do ensaio. Quanto ao segmento II, é boa prática apresentar o mais cedo possível todas as tuas premissas. Isso dá ao leitor a oportunidade de ver a estrutura geral do teu argumento. O leitor tem a hipótese de conhecer a aparência geral da maneira como vais proceder para provar a tua tese. Então, no segmento III, mostra que o teu argumento é válido, isto é, que as premissas estabelecidas conduzem de facto à conclusão. Explica de que maneira as suas premissas implicam a sua conclusão. Como um argumento válido só garante uma conclusão verdadeira se todas as premissas forem verdadeiras, o próximo passo do teu ensaio (segmento IV) é provar que as tuas premissas são verdadeiras. Apresenta em primeiro lugar os indícios a favor das tuas premissas. Essa é a maneira mais directa e patente de defender a tua tese. Tipicamente, o público mostrar-se-á dúbio com relação a uma ou mais das tuas premissas. Levantar as objecções que antecipas que o leitor poderá fazer ajuda a desanuviar a atmosfera, sobretudo se puderes responder a essas objecções. Além disso, a resposta a objecções reforça a tua defesa e torna-a mais imperiosa quanto à sua aceitação por parte do leitor.

O segmento V é o fim do teu ensaio. Há várias maneiras de terminar um ensaio. Uma delas é resumir o teu argumento. Isso segue a ideia de "diz o que fizeste". Como vem no final da tua explicação cuidadosa, o teu resumo pode supor muitas coisas. Podes usar termos técnicos livremente e supor que o sentido de todas as tuas proposições é claro. Outra maneira de terminares o ensaio é explicar que outra ou outras implicações ele tem ou dizer qual é o próximo passo da tua investigação. Esta última conclusão não é adequada quando se está a apresentar a monografia final de uma disciplina ou curso.

Outra maneira de terminar o ensaio é explicar por que razão os resultados obtidos são importantes, caso a sua importância não tenha podido ser explicada pela tua apresentação em algum segmento anterior do ensaio. Tipicamente, é bom explicar a importância dos resultados perto do começo do ensaio, a fim de despertar o interesse do leitor. Mas às vezes não é possível avaliar essa importância antes de se percorrer todo o argumento; ou a relação entre os resultados e a importância que têm é implausível sem o argumento. Nesses casos, é tanto justificável como aconselhável explicar a importância dos resultados no final.

Descrevi em linhas gerais a estrutura mais simples que um ensaio filosófico pode ter. Tipicamente, essa estrutura é bem mais complexa. A fim de te ajudar a reflectir sobre essa complexidade, vamos examinar um esboço bem mais complicado da estrutura de um ensaio filosófico. Vê as páginas seguintes.

O esboço é, em larga medida, auto-explicativo. Ainda assim, é necessário dizer outras coisas sobre ele, visto que se trata de uma entidade abstracta e esquemática. Em primeiro lugar, nem todo o ensaio conterá todos os elementos do esboço. Em segundo, nem todos conterão esses elementos na ordem aqui apresentada. Essa ordem, embora padrão, não deve ser considerada invariável; o teu material deve ditar a ordem. Em terceiro lugar, alguns itens do esboço são mais ou menos os mesmos, como, por exemplo, I(a)(2) e I(b)(1). Uma das razões disso é que, de um modo geral, os ensaios desenvolvem um passo de cada vez. É muitas vezes retoricamente mais eficaz seguir este procedimento: indicar as bases gerais, apresentar a tua posição, fornecer bases mais específicas e assim por diante. Outro motivo de o mesmo tópico geral ser referenciado em mais de um lugar no esboço depende, mais uma vez, do facto de o teu material dever ditar a ordem, o que em alguns casos significa discutir o tópico num dado lugar e noutros casos, noutro lugar. Por fim, partes desse esboço — e mesmo todo ele — podem ser incorporadas como elementos de outras partes do esboço. Por exemplo, no começo do ensaio, no curso da explicação daquilo que outros filósofos pensaram sobre o teu problema, podes querer introduzir o argumento que outro filósofo qualquer apresenta em favor da sua posição, ou seja, podes querer introduzir os segmentos II, III e IV do "Esboço" como elemento subordinado a I(a)(2). Se fizeres isso, o esboço da primeira parte do teu ensaio conterá elementos encaixados. (Vê a caixa ilustrativa.)

A estrutura de um ensaio filosófico (Forma um pouco mais complexa):

I — Começo: apresenta a proposição a demonstrar.

a) Orientação

1) Especifica o tópico geral a ser discutido.

2) Relata o que outros filósofos pensaram sobre o tópico.

b) Apresenta o que vai ser provado; apresenta a tese.

1) Diz quem teve a mesma opinião ou um ponto de vista semelhante.

2) Diz quem teve uma opinião oposta ou um ponto de vista diferente.

c) Motivação: explica por que essa tese ou tópico é interessante ou importante,

d) Diz o que vais pressupor no teu ensaio sem discussão.

II — Apresenta o argumento em favor da proposição a ser provada.

a) Explica a força geral do argumento.

b) Explica o que as premissas significam.

III — Demonstra que o argumento é válido.

a) Explica os termos usados em sentido técnico ou que são ambíguos; resolve a ambiguidade.

b) Explica de que maneira a conclusão é consequência das premissas.

1) A inferência que leva a conclusões intermediárias terá de ser explicada como parte da explicação como um todo.

2) Às vezes é possível explicar as inferências citando regras de um sistema natural de dedução, como, por exemplo, modus ponens ou modus tollens. O mais comum é que a explicação se volte para esclarecer as relações conceptuais entre os conceitos expressos nas premissas.

c) Apresenta as regras que justificam as inferências não aparentes feitas a partir do enunciado inicial do argumento.

IV — Demonstra que as premissas são verdadeiras.

a) Fornece os indícios a favor das premissas.

1) Explica as premissas, bem como o significado de termos que podem ser entendidos erradamente e, assim, prejudicar a verdade das tuas premissas.

2) Aduz as intuições do público; dá exemplos e apresenta argumentos subsidiários que apoiem a verdade das tuas premissas.

b) Levanta objecções.

1) Apresenta objecções que tenham sido efectivamente levantadas à tua posição.

i) Apresenta as objecções que filósofos historicamente significativos tenham levantado com relação ao teu problema;

ii) Apresenta as objecções levantadas pelo teu professor e pelos teus colegas;

2) Levanta objecções que ninguém tenha levantado e que, uma vez respondidas, explicitem e tornem mais clara a tua tese.

c) Responde às objecções.

V — Conclusão

a) Retoma de modo conclusivo o que foi provado.

b) Indica outros resultados que se podem querer obter.

A estrutura de um ensaio filosófico (Com uma estrutura encaixada):

I — Começo: apresenta a proposição a demonstrar.

a) Orientação

1) Especifica o tópico geral a ser discutido.

2) Relata o que outros filósofos pensaram sobre o tópico.

II — Apresenta o argumento em favor da proposição a demonstrar.

III — Demonstra que o argumento é válido.

a) Explica os termos usados em sentido técnico ou que são ambíguos; resolve a ambiguidade. b) Apresenta as regras que justificam as inferências não aparentes feitas a partir do enunciado inicial do teu argumento.

IV — Demonstra que as premissas são verdadeiras.

b) Apresenta o que vai ser provado; apresenta a tese.

1) Diz quem teve a mesma opinião ou um ponto de vista semelhante. 2) Diz quem teve opinião oposta ou um ponto de vista diferente.
c) Motivação: explica por que essa tese ou tópico é interessante ou importante.

II — Apresenta o argumento em favor da proposição a demonstrar.

III — Demonstra que o argumento é válido.

IV — Demonstra que as premissas são verdadeiras.

V — Conclusão

2. Anatomia de um ensaio

Reproduzimos a seguir um exemplo da teoria moral de Hobbes segundo a ordem que ilustra a maioria dos itens da estrutura de um ensaio filosófico discutida na secção anterior. As passagens foram numeradas (de [1] a [22]) para posterior referência ao já adiantado sobre a estrutura texto do ensaio. Para melhores resultados no uso dos comentários, faz uma leitura prévia e rápida de todo o ensaio (é bastante curto). Depois, volta ao começo e lê cada item numerado e a nota que lhe corresponde.

[1]A Teoria Moral de Hobbes Segundo a Ordem Divina
[2] O problema central da filosofia moral de Thomas Hobbes é responder à seguinte questão: "Por que razão estão os seres humanos obrigados a seguir as leis morais?" [3] Há duas maneiras essenciais de interpretar a resposta de Hobbes a essa pergunta. [4] A primeira é a de que os seres humanos têm de obedecer à lei moral porque Deus lhes ordena que obedeçam. [5] Essa interpretação é de modo geral conhecida como Tese de Taylor-Warrender. [6] A outra interpretação diz que os seres humanos devem obedecer às leis morais porque essas leis são racionais, no sentido em que são dedutíveis pela razão. [7] Podemos denominá-la Tese Secular. [8] Neste ensaio, apresento uma interpretação que é uma versão da Tese de Taylor-Warrender. [9] Segundo essa tese, para Hobbes, uma acção é moral quando Deus a ordena. [10] A minha interpretação, porém, incorpora igualmente o principal elemento da Tese Secular, visto que aquilo que Deus ordena é dedutível pela razão. [11] Hobbes afirma com frequência que as leis morais, por ele identificadas com os ditames da razão, são leis divinas (Leviatã, org. por C. B. Macpherson, Penguin, 1962, c. 31, p. 399). Ele afirma ainda que "A Palavra de Deus deve, pois, ser levada igualmente em consideração no tocante aos Ditames da razão e da equidade" (Leviatã, p. 456; ver também De Cive, 4.1). A partir das muitas passagens que podem ser citadas, fica claro que é genuína a adesão de Hobbes a essa doutrina; ele não a enunciou casualmente nem o fez com reservas. [12] A concepção segundo a qual se deve obedecer às leis morais por serem elas ordenadas por Deus, pode igualmente ser demonstrada por recurso a um argumento que Hobbes não poderia deixar de aceitar. As leis morais são leis. Todas as leis requerem um legislador. Não há outro legislador da lei moral além de Deus. Logo, Deus é o legislador da lei moral. [13] Uma objecção à minha tese é que Hobbes não recorre a Deus ao deduzir as leis morais. [14] Com respeito a essa objecção, afirmo não ser necessário que Hobbes mencione Deus na dedução das leis morais. [15] O primeiro passo para compreender por que isso é verdade consiste em distinguir entre a forma e o conteúdo da lei. [16] Para Hobbes, como para todos os teorizadores que recorrem à ordem divina ao tratar da obediência às leis morais, toda a lei tem duas partes: há o seu conteúdo, que exprime o que se tem de fazer, e a sua forma, expressão da autoridade que obriga a fazer o que se tem de fazer. [17] Por exemplo, a frase "Ordeno que todos os que tomarem algo em empréstimo devolvam o objecto em questão no mesmo estado em que se encontrava quando do empréstimo" é usada apropriadamente para exprimir uma lei quando enunciada por um soberano, [18] e é divisível em duas partes. [19] A expressão "ordeno" exprime a forma da lei ou, como diz Hobbes, "O estilo de uma Lei é Ordenamos" (Leviatã, p. 588; ver também p. 317). [20] O resto da frase exprime o seu conteúdo. [21] Embora a forma das leis morais seja imediatamente clara (eu, Deus, ordeno), o seu conteúdo não o é, porque os seres humanos não têm acesso directo a Deus, visto ser Ele invisível bem como propenso a ser percebido de outras maneiras. Não obstante, há certos conhecimentos que os seres humanos têm a respeito de Deus, como o de ser racional. Além disso, as leis têm de ser racionais; é impossível haver uma lei irracional ou contraditória. Ora, como tudo o que é racional é dedutível pela razão, o conteúdo da lei moral também o é. [22] Conclui-se, assim, que o conteúdo da lei moral é dedutível pela razão, porém não a partir de nosso conhecimento da natureza de Deus; e a ordem de Deus é o que torna esse conteúdo uma lei e, por conseguinte, de obediência obrigatória.

Notas

[1] O título é uma parte extremamente importante do ensaio porque, se formulado com habilidade, ajuda a compor as duas partes mais importantes do início de um ensaio. Como é sempre a primeira coisa que o leitor vê, antes mesmo do nome do autor, o título cria a primeira impressão. O título deve veicular uma gama restrita de tópicos a partir dos quais é seleccionado o tópico principal. O título "A Teoria Moral de Hobbes Segundo a Ordem Divina" indica, evidentemente, que o principal tópico da discussão não incluirá elefantes nem eras geológicas, restringindo o tópico à intersecção de tópicos sobre Hobbes e a teoria moral segundo a ordem divina. Claro que a compreensão do título depende em larga medida do grau de informação do público. O título é mais informativo para alguém que saiba quem é Hobbes e o que é a teoria moral segundo a ordem divina.

[2] A primeira frase deve fazer a transição entre o carácter abstracto e esquemático do título e o carácter concreto e específico do ensaio. A transição é muito suave neste ensaio, visto que a expressão "filosofia moral de Thomas Hobbes", na primeira frase, faz eco a duas das palavras contidas no titulo. O item [2] satisfaz I(a)(i): Especifica o tópico geral a ser discutido. (A diferença entre I(a)(i), I(b)(i) e 1(b)(2) reside apenas na relação que as frases têm com outras partes do ensaio.) I(a)(i) é um relato da história do problema que não vincula esta história com a tese do autor; I(b)(i) e 1(b)(2) relatam essa história na sua relação com essa tese.

[3] Esta frase introduz 1(a)(2): Relata o que outros filósofos pensaram sobre o tópico.

O item [3] é, por outro lado, proléptico, isto é, ele exprime de maneira geral algo que precisa ser relatado em detalhes. As frases prolépticas assemelham-se a promessas implícitas relativamente a falar mais sobre o tópico. Essas promessas devem ser cumpridas assim que for possível. No nosso caso, a promessa é cumprida nas frases seguintes: [4] a [7].

[4] Esta frase é a primeira parte da explicação do que foi dito em [3].

[5] Esta frase dá o nome da interpretação a que se fez referência em [4]. Seria apropriado introduzir aqui uma nota com referências ao trabalho académico de Taylor, de Warrender e de qualquer outro estudioso que o autor julgue que fornece fundamentos relevantes sobre o assunto. Essa nota não aparece aqui por razões de simplicidade.

O item [5] também marca o lugar no qual se poderia incluir uma discussão do trabalho de Taylor e de Warrender, caso o autor desejasse ampliar o ensaio. Por exemplo, a frase [5] poderia ser facilmente transformada em três:

[5] Essa interpretação é de modo geral conhecida como Tese de Taylor-Warrender. [5a] A. E. Taylor apresentou pela primeira vez a tese com as seguintes palavras: "Só posso tornar consistentes entre si os enunciados de Hobbes supondo que ele considerava com toda a seriedade aquilo que diz com tanta frequência: que a «lei natural» é a ordem de Deus, devendo, pois, ser obedecida por ser ordem de Deus" (A. E. Taylor, "The Ethical Doctrine of Hobbes", in Hobbes Studies, org. por Stuart Brown, Oxford, Basil Blackwell, 1965, p. 49). [5b] Howard Warrender elaborou mais tarde uma variante da tese nos seguintes termos: "[De acordo com Hobbes], a razão pela qual devo cumprir o meu dever é que Deus me ordena que o faça" (The Political Philosophy of Hobbes, Oxford, Clarendon Press, 1957, p. 213).

Estas três proposições ([5], [5a] e [5b]) poderiam ser expandidas em dez ou mais se isso fosse necessário ou desejado, de preferência descrevendo, em vez de citar, as suas ideias.

A citação ou outras indicações do pensamento de outros estudiosos sobre uma questão filosófica oferece bases ao leitor ideal e indícios ao teu professor de que investigaste e estás bem informado sobre o teu tópico. Há muitos outros pontos deste ensaio que podem ser expandidos de várias maneiras. Vê, por exemplo a nota, ao segmento [11].

[6] Esta e a próxima frase completam a discussão de I(a)(2). Vê a estrutura paralela de [4], que começa com "A primeira" e de [6], que começa com "A outra interpretação", Esse tipo de estrutura une diferentes frases e contribui para o que é chamado de "coerência" ou "coesão".

[7] Esta frase relaciona-se com [5]. Ela completa a discussão de 1(a)(2): "Relata o que outros filósofos pensaram sobre o tópico".

[8] Esta frase satisfaz 1(b): "Apresenta o que vai ser demonstrado; apresenta a tese".

[9] Esta frase satisfaz parcialmente 1(b). Ela dá uma explicação adicional à tese, repetindo ligeiramente as informações dadas em [6], mas a repetição é proveitosa se o autor julgar que o público pode não estar familiarizado com os estudos sobre Hobbes. A repetição evita que o leitor tenha de voltar para ver o que é a Tese Taylor-Warrender.

[10] Esta frase continua a satisfazer 1(b). Tal como [9], repete ligeiramente as informações dadas antes.

[11] As frases deste segmento satisfazem tanto II, "Apresenta o argumento a favor da proposição", como IV, "Demonstra que as premissas são verdadeiras". O argumento é tão breve e simples que as suas premissas nem sequer são dadas no ensaio. Uma consequência disso é que não há necessidade de incluir no ensaio coisa alguma que satisfaça o item III: "Demonstra que o argumento é válido". Se se explicitasse o argumento, ele teria a seguinte forma:

Se Hobbes diz que as leis da natureza são leis divinas, então Hobbes pensa que as leis da natureza são leis divinas.

Hobbes diz que as leis da natureza são leis divinas.

Logo, Hobbes pensa que as leis da natureza são leis divinas.

(Alguns filósofos diriam que [11] não exprime um argumento, mas só uma proposição e o indício a favor da sua verdade. Não desejo discutir isso aqui e peço que seja aceite como um argumento para fins de exposição.)

Há uma boa razão para mostrar esse argumento simples aqui, embora não no próprio ensaio. Alguns estudiosos julgam que o argumento não é sólido; dependendo da definição de "diz", é a primeira ou a segunda premissa que é falsa. Por exemplo, Leo Strauss acha que, por razões políticas, Hobbes escreveu, como muitos outros filósofos, palavras que não desejava ver tomadas literalmente. Num ensaio curto como este (cerca de duas páginas), não há espaço para discutir a interpretação de Strauss e nem sequer para mencioná-la.

Se o ensaio fosse ampliado para uma versão de 10-20 páginas, seria apropriado introduzir as ideias de Strauss neste ponto. (Para uma discussão adicional disso, vê o capitulo 4, secção 4, "Elaboração sucessiva".)

Consideremos agora a maneira como [11] satisfaz o item IV. Na primeira frase de [11], o autor dá como referência o Leviatã, que substancia propositadamente a sua posição. Na frase seguinte, o autor cita de facto as palavras de Hobbes como indício favorável à sua concepção, além de fornecer mais uma referência à obra deste. A última frase do parágrafo afirma que seria possível apresentar mais indícios, mas não as apresenta. O autor já fundamentou satisfatoriamente a verdade da premissa "Hobbes diz que as leis da natureza são leis divinas". Num ensaio mais longo, contudo, teriam de se oferecer mais indícios e alguma discussão sobre elas.

[12] Este parágrafo desenvolve um segundo argumento a favor da tese do autor. Embora teoricamente um único argumento sólido em favor de uma proposição seja suficiente para a provar, na prática é muitas vezes necessário ao autor desenvolver no ensaio mais de um argumento, a fim de alcançar o seu propósito. Há pelo menos duas razões para isso. Em primeiro lugar, o público com frequência não o reconhece como sólido se for o único argumento sólido apresentado em favor da conclusão. Parece ser um facto psicológico sobre os seres humanos ser mais fácil aceitar um argumento como sólido se houver vários outros argumentos, ainda que logicamente independentes do primeiro, que levem à mesma conclusão. Em segundo lugar, o público do autor é heterogéneo. Diferentes pessoas reconhecerão como sólidos diferentes argumentos. Uma pessoa pode ser persuadida por um argumento sólido e outra por outro, dependendo das suas crenças e dos princípios de prova que sustentarem antes da leitura. Assim, para convencer muitas pessoas, é tipicamente necessário desenvolver vários argumentos em favor da mesma conclusão. Isso, no entanto, não significa que o autor deva apresentar os seus argumentos com demasiada brevidade nem com insuficiência de detalhes. Não é do mesmo modo um estímulo para que ela apresente o máximo de argumentos que puder, por piores ou aparentemente piores que sejam. Apresentar um argumento mau ou um argumento que pareça mau pode prejudicar o objectivo do autor. Ainda que um argumento não-sólido a favor de uma proposição não indique que ela é falsa, pode provocar, com isso, o efeito psicológico de levar o público a pensar que a proposição é falsa. No tocante ao carácter persuasivo ou não do ensaio, apresentar 20 argumentos maus a favor de uma tese pode fazer muito mais mal do que apresentar apenas um argumento sólido. Deve-se enfatizar ainda que uma conclusão é verdadeira se houver ao menos um argumento sólido que a sustente e que a existência de um milhão de argumentos maus para a sustentar não prova que a conclusão seja falsa.

Se o argumento do item [12] fosse explicitado, a sua forma seria:

As leis morais são leis.

Todas as leis precisam de um legislador.

Não há legislador da lei moral além de Deus.

Logo, Deus é o legislador da lei moral.

[13] Esta frase introduz o item IV(b): "Levanta objecções". Trata-se da frase do parágrafo que introduz o teu tópico. Ela convida à questão "Por que será que Hobbes menciona Deus na sua dedução da lei moral?", sendo respondida nas frases imediatamente seguintes.

Trata-se de uma objecção-padrão levantada pelos críticos da Tese Taylor-Warrender. Assim, enquadra-se mais especificamente em IV(b)(I)(i). Num ensaio mais longo, seria apropriado fazer referência a pelo menos o mais importante desses críticos, e até descrever com alguma extensão as suas objecções. Se este ensaio fosse o esboço de um ensaio mais longo, elaborado pelo autor de acordo com o método da "Elaboração sucessiva", esse seria o lugar apropriado para o expandir da maneira descrita. Sendo ele breve, mesmo as referências aos oponentes de Taylor e de Warrender foram omitidas. Este segmento exprime de modo não qualificado a visão geral do autor. Essa visão geral precisa ser elaborada, o que vem nas frases seguintes.

[14] Esta frase começa a responder à objecção levantada em [13]. Começa, assim, a satisfazer o item IV(c).

[15] Esta frase dá continuidade ao item IV(c). Embora não seja óbvio — nem precise de o ser —, a partir desta frase, que a distinção entre forma e conteúdo é muito importante, no momento certo será. É importante que o autor não apresse a sua exposição. Ele não deve tentar dizer o que há para ser dito em uma ou duas frases; é preciso que ele desvele o seu pensamento passo a passo, nem de forma apressada nem tardiamente.

O ponto mais importante do ensaio não deve ser introduzido em resposta a uma objecção, dado que uma resposta é, de modo geral, uma parte subordinada, mas é muitas vezes legitimo introduzir como réplicas pontos dotados de certa importância. Se todas as réplicas forem relativamente sem importância, a leitura do ensaio será entediante.

[16] Esta frase dá continuidade a IV(c). Além disso, embora se inicie remetendo para Hobbes ("Para Hobbes"), ela amplia de imediato a sua importância ao generalizar ("como para todos os teóricos que recorrem à ordem divina"). O resto da frase serve então para caracterizar a diferença entre a forma e o conteúdo da lei. Uma caracterização é sempre geral e abstracta.

A frase seguinte toma a caracterização mais clara ao ilustrá-la com um exemplo.

[17] Esta frase dá um exemplo daquilo que é caracterizado em [16]. Torna a caracterização menos abstracta.

[18] Esta frase começa a explicar o exemplo; é proléptica, realizando-se nas duas frases seguintes, [19] e [20].

[19] Esta frase explica que parte do exemplo diz respeito à forma da lei, vinculando-a com as palavras de Hobbes ("como diz Hobbes"). Há uma certa redundância na informação dada em [19], mas essa repetição justifica-se, dado que o autor apresenta um ponto que o público provavelmente não conhece e explicá-lo de duas maneiras distintas reduz o ónus do leitor.

[20] Esta frase está coordenada com [19], mas [19] é bem mais breve do que ela. Ao que parece, é preciso dizer mais, o que é feito no próximo parágrafo.

[21] As expressões "a forma das leis morais" e "seu conteúdo", na primeira frase deste parágrafo, ligam-no ao anterior. Mais uma vez é criada coesão.

A maior parte deste parágrafo apresenta uma reconstrução da maneira como Hobbes vincula o conteúdo de uma lei moral como racional (ou dedutível) à forma de uma lei moral.

Isso completa a discussão de IV(c).

[22] Este parágrafo satisfaz V: Conclusão. Resume o argumento de todo o ensaio.

A. P. Martinich Tradução de Vítor Oliveira Excerto retirado de Philosophical Writing: An Introduction, de A. P. Martinich (Oxford: Backwell, 1998, pp. 52-66); edição brasileira: Ensaio Filosófico (São Paulo: Edições Loyola, 2002).

Fonte: http://criticanarede.com/html/filos_ensaiofilosofico.html

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