quinta-feira, 28 de maio de 2009

Superprático Big Brother Brasil e a sociedade do espetáculo

Por Augusta Cristina de Souza Novaes

Leitor, no momento em que inicio a escrita deste artigo (4/3/2009) está sendo exibida pela Rede Globo a edição nove do reality show Big Brother Brasil. Não assisto ao BBB, mas ao entrar no IG para ler meus e-mails, corri os olhos sobre as notícias do Último Segundo e vi uma chamada para uma entrevista de Pedro Bial concedida ao jornal. Lendo tal entrevista deparei-me com a seguinte fala do apresentador do programa BBB: "Ralf e Milena fazem sexo com regularidade. Quem tem pay per view acompanha.

Augusta Cristina de Souza Novaes é ex-aluna do colégio Sagrado Coração de Jesus de Belo Horizonte, é psicanalista, bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em Letras com ênfase em literaturas de Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. (novaesaugusta@ig.com.br)

A câmera não fica muito tempo neles, não por pudor, mas porque é chato". Em outro momento da entrevista Pedro Bial comenta sobre a rentabilidade do programa: "Este programa está batendo todos os recordes de faturamento (...). É um merchandising matador. Você faz o gosto do freguês." Desse dito o que nos interessa à reflexão é pensar como na sociedade do espetáculo, termo de Guy Debord, ocorre o esvaziamento, a banalização da intimidade e o estrangulamento do desejo humano.

Sabemos que Guy Debord (1931-1994), filósofo e cineasta, publicou, em 1967, o livro Sociedade do espetáculo (Editora Contraponto, 1997), livro este que foi e continua sendo recepcionado pela academia como a crítica insuperável do nosso tempo. De acordo com o próprio filósofo em prefácio à edição de 1992 (Edições Gallimard), uma teoria crítica não se altera, enquanto perdurarem as condições histórico- culturais que lhe deram origem.

Na sociedade capitalista atual, a produção alienada vem juntar-se ao consumo alienado. O consumidor é consumidor de ilusões, conforme afirma Richard Gombin no seu livro As origens do esquerdismo (Lisboa Editora, 1972). Consumidores de ilusões são todos os que, hipnotizados pela cultura de massa, consomem imagens irrefletidamente e da vida autêntica volvem à inautêntica. Quanto mais eles consomem as "imagens dominantes", menos eles compreendem suas existências, seus desejos. Assim, em termos de Debord no livro já citado, o espetáculo é a negação da vida que se tornou visível.

É da ordem do grotesco pessoas copularem diante de câmaras cônscias da existência dessas e de que, o que supostamente seria um momento de intimidade e privacidade de ambas, está sendo filmado. Seria o caso de uma perversão exibicionista, gerada e alimentada pela perversão do nosso triste sistema capitalista2, que não tem pudor e não se detém, quando recordes de faturamento estão sendo obtidos. O fim é fazer o gosto do freguês... Mas, gosto de qual freguês? Do freguês que patrocina ou o do freguês que consome? Antes, qual é o gosto do freguês? O trágico é que o freguês, qualquer que seja ele, encontra-se alienado do seu desejo. Ele simplesmente goza, goza de todos os objetos de gozo que produz e dos que lhe são oferecidos , cedendo ao imperativo do gozo: goze! No discurso do capitalista, todos são escravos!

Na sociedade do espetáculo, as imagens exibidas e consumidas não provocam nenhum movimento de estranhamento no sujeito, o que - se houvesse - o levaria a se perguntar por si mesmo, ao embate com os seus desejos, à escuta do outro de si mesmo; ao acolhimento de outrem. Enfim, à autenticidade. Tal sujeito se subordinaria à lei do desejo, à lei simbólica, e não cederia à face mortífera do gozo. Subordinar-se-ia à força da ética e não à força bruta da razão instrumental.

A intimidade e o erotismo não interessam à sociedade do espetáculo, pois são transgressores. A intimidade e o erotismo apontam para o desejo, para a falta, para a Lei, para a vida e à sua fruição. Apontam para a liberdade, na sua acepção filosófica; apontam para outrem e à sua recusa em se dar como objeto. Apontam à complexidade da realidade humana e nunca para a sua banalização.

Para terminar, leiamos o aforismo 37 de A Sociedade do espetáculo: "O mundo (...) que o espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria dominando tudo o que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado como ele é, pois o seu movimento é idêntico ao afastamento dos homens entre si e em relação a tudo que produzem."

Leitor, o mundo vivido em sua autenticidade certamente é o único mundo que interessa ao exercício da nossa humanidade; mundo no qual a dor da gente não sai no jornal!

"O espetáculo na sociedade representa concretamente uma fábrica de alienação"

Debord

"O espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta em sua plenitude a essência de todo sistema ideológico: o empobrecimento, a sujeição e a negação da vida real"

Debord

divulgação

Para saber mais

A sociedade do espetáculo, de Guy Debord, publicado pela editora Contraponto em 1997

Fonte:http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/34/big-brother-brasil-e-a-sociedade-do-espetaculo-133506-1.asp

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