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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Um Canto de Natal, por Guilherme Modkovski *



É de senso comum que durante as festividades de fim de ano as pessoas estão mais vulneráveis à depressão e ao suicídio. Contrariando esta crença, estudos apontam uma diminuição das internações em hospitais e emergências psiquiátricas bem como das tentativas de suicídio e de suicídios consumados durante este período. Objetivamente, o que acontece é uma redução em até 40% desses desfechos. O que pode significar que, em verdade, esse é um período de maior proteção contra essas fatalidades. Nas festas de Natal e Ano-Novo, procuramos nos aproximar das pessoas que nos são queridas e nos envolvemos em rituais festivos. Talvez seja na reunião em torno desses rituais, e não nos rituais em si, que resida a propriedade protetora desta época do ano.

Mas nenhum mito surge sem razão. Também é verdade que neste período muitas pessoas são acometidas por sentimentos de tristeza e angústia. Para refletirmos sobre essas angústias, proponho nos remetermos à obra de Charles Dickens Um Canto de Natal. É a insólita história de um Natal da vida de Ebenezer Scrooge, um velho avarento e amargo que recebe assustadora visita de três fantasmas: o dos Natais passados, o do Natal presente e o dos Natais futuros.

A história foi amplamente revisitada e adaptada para cinema, teatro e televisão devido ao sucesso com que simboliza o nosso próprio mundo de pensamentos, sentimentos e fantasias inconscientes. Assim, é possível associar a visita do fantasma dos Natais passados aos nossos sentimentos de perda, aos entes queridos que se foram, às reuniões familiares agora impossíveis, aos Natais de ouro da infância, aos relacionamentos amorosos findados etc. Também representam a frustração e o arrependimento pelo que não se fez, não se conquistou ou não se mudou. Este último sentimento nos leva às assombrações do Natal presente. As expectativas de reunião, de uma festa perfeita, de comprarmos, recebermos e darmos muitos e belos presentes e de assim obtermos nada mais que a felicidade dourada e perfeita.

A virada de ano é também um marco cultural da passagem do tempo. Outro ciclo solar se completa e somos forçados a uma reflexão existencial. A ideia da transitoriedade, de um movimento inexorável em direção ao fim da vida, que negamos de uma forma ou de outra na maior parte do tempo, nos é esfregada na cara como uma verdade incontestável. Este vislumbre translúcido e irreal dá lugar a angústias sem nome, tristezas sem causa aparente, crises de pânico, pesadelos terroríficos, temores hipocondríacos e toda sorte de sofrimentos da esfera psíquica. Por trás deles, sob o véu do último fantasma, ali está ela: a concretude do fim. Cada pessoa a experimenta de forma particular, não se tratando de uma doença depressiva, mas sim de uma vivência humana universal e natural.

Voltando à história de Scrooge, após ser obrigado a contemplar a própria lápide, ele consegue se libertar. Finalmente lhe sobrevém o entendimento de que há um tempo a nós destinado que nos é muito precioso. Scrooge abandona seus hábitos avarentos que lhe serviam de defesa contra a ideia da morte. A aceitação da finitude lhe permitiu focar-se na vida e nas pessoas significativas. Assim, acredito que cada um que se permitir desembrulhar este belo presente de sua terrível embalagem poderá desfrutar de uma vida mais plena. Um feliz Natal a todos.





* Médico psiquiatra


Fonte: Jornal Zero Hora 


Imagem em: blogs.jovempan.uol.com.br/.../ 

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Tempo de trapaça - Por J.R.Guzzo


"Nas demais sociedades civilizadas vale o princípio pelo qual é permitido tudo o que não é expressamente proibido em lei. No Brasil é proibido tudo o que não é expressamente permitido"

Todo cidadão que acompanha, mesmo de longe, o noticiário político seria capaz de jurar que há uma campanha eleitoral em andamento no Brasil e que diversas pessoas querem suceder ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2010. Há a ministra Dilma Rousseff e o deputado Ciro Gomes, do lado do governo, o governador José Serra, pela oposição, e outros mais. Ao mesmo tempo, o público é informado diariamente de que não há nenhuma campanha eleitoral e nenhum candidato à Presidência. Os comícios não são comícios. A propaganda não é propaganda. Os candidatos não são candidatos. O que é isso tudo, então? É exatamente o que parece, mas o governo e a oposição não podem dizer que é. Podem fazer tudo. Mas não podem falar; aí já seria contra a lei, que, na sua ambiciosa lista de regras destinadas a regular tudo, marca o dia 6 de julho do ano que vem para o começo das campanhas. Como se sabe, temos leis eleitorais rigorosíssimas neste país, possivelmente as mais severas do mundo. Enquanto nas demais sociedades civilizadas vale o princípio pelo qual é permitido tudo o que não é expressamente proibido em lei, no Brasil dos tribunais eleitorais a coisa funciona ao contrário: é proibido tudo o que não é expressamente permitido. É uma surpresa, no fundo, que alguém consiga ser eleito com tanta proibição assim – e a saída para os políticos, inevitavelmente, é trapacear. É o que está acontecendo no momento.
É ruim, porque a campanha eleitoral de 2010, como tantas que vieram antes dela, começa em cima de uma falsificação por atacado da verdade. O presidente Lula, por exemplo, viaja sem parar pelo Brasil fazendo comícios e pedindo votos para quem for o candidato do governo – e ameaçando o país com a ruína se o eleitorado cometer a estupidez de preferir um outro nome. Mas ele diz que está "inspecionando obras". (Já da inspeção que a lei manda fazer, a dos tribunais de contas, o presidente vive reclamando.) E os comícios, com ônibus fretado, despesa paga pelo Erário e sorteio de casas entre a plateia? "Qualquer reunião com mais de três pessoas já é comício", diz Lula. Ou seja: o que é que se vai fazer? Afinal, o presidente da República não pode ficar trancado em casa. Se acham que é comício quando ele discursa em lugares onde há gente reunida, paciência. Quanto aos votos que pede para a ministra Dilma, nenhum problema. O presidente diz que está apenas elogiando uma grande servidora do governo – e apenas dando a opinião de que ela seria um colosso como sua sucessora. Que mal haveria nisso?
A ministra Dilma, por sua vez, faz rigorosamente tudo o que os coordenadores de campanha prescrevem para um candidato. Há tempos deixou de comparecer com regularidade ao seu local de trabalho e passou a correr de um lado para outro atrás de votos, seja em shows de música popular com o cantor Dominguinhos, seja em "fiscalização de obras" nas margens do Rio São Francisco; há pouco foi vista inaugurando um estádio de futebol em Araraquara. O que isso tudo teria a ver com as funções que é paga para exercer na Casa Civil? Do lado da oposição, a peça de teatro é estrelada pelo governador José Serra, que quer a Presidência tanto quanto qualquer um dos seus adversários, mas diz que só vai tocar no assunto no ano que vem. Serra não pode fazer campanha aberta como Lula faz; tem de se contentar com os limites impostos pelo seu cargo. Carrega a mão, por exemplo, na propaganda oficial; a última, no gênero, é a decisão da Assembleia Legislativa que autoriza o governo a fazer publicidade de suas obras em outros estados, para "promover o turismo" em São Paulo.
Registre-se, enfim, a notável contribuição do deputado Ciro Gomes, que recentemente passou a ter seu domicílio eleitoral em São Paulo, para manter aberta a possibilidade de candidatar-se ao governo paulista. Mas o deputado não mora em São Paulo; só a Justiça Eleitoral acredita nisso. Tudo o que fez foi passar quatro horas na cidade, no começo de outubro, apresentar um endereço de fantasia e assinar um papel num cartório garantindo que reside ali. Um cidadão "comum", como diria o presidente Lula, não pode ter um domicílio falso; aliás, vive tendo de provar onde mora com contas de luz, correspondência de bancos ou carnês de crediário, e se der um endereço que não é realmente o seu vai, com certeza, arrumar complicação. Já para ser candidato a presidente da República ou governador do estado não há problema nenhum.
Não se sabe, é claro, quem vai ganhar as eleições de 2010. Mas a verdade, desde já, está levando uma surra.

Fonte: Revista Veja - Edição 2136 - 28 de outubro de 2009.
Veja  a imagem em: estagio-e-trainee.blogspot.com/2008/01/fique-...

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A FILOSOFIA E A VISAO COMUM DO MUNDO* a Bento Prado

Autor: Oswaldo Porchat Fonte: Pausa para a Filosofia



1. Se me disponho a filosofar, é porque busco compreender as coisas e os fatos que me envolvem, a Realidade em que estou imerso. E porque quero saber o que posso saber e como devo ordenar minha visão do Mundo, como situar-me diante do Mundo físico e do Mundo humano e de tudo quanto se oferece à minha experiência. Como entender os discursos dos homens e meu próprio discurso. Como julgar os produtos das artes, das religiões e das ciências.
Mas não posso esquecer todos os outros que filosofaram antes de mim. Num certo sentido, é porque eles filosofaram que me sinto estimulado a retomar o seu empreendimento. 0 legado cultural da espécie põe à minha disposição uma literatura filosófica extremamente rica e diversificada, de que minha reflexão se vai alimentando. Se me disponho a filosofar, tenho também de situar-me em relação às filosofias e a seus discursos, tenho de considerar os problemas que eles formularam e as soluções que para eles propuseram.
Nesse contato com as filosofias e no seu estudo, faço a experiência de sua irredutível pluralidade, de seu conflito permanente e de sua recíproca incompatibilidade. A consciência desse conflito e dessa incompatibilidade exprime-se em seus discursos, aliás, de modo quase sempre bastante explícito. Porque cada filosofia emerge no tempo histórico, opondo-se polemicamente às outras filosofias, que ela rejeita e anatematiza no mesmo movimento pelo qual se instaura. Contra os outros discursos filosóficos, cada novo discurso vem propor-se como o "bom" discurso. Qualquer que seja o seu projeto, o de "editar" o Real ou o de propor uma crítica do conhecimento, o de orientar a práxis humana ou o de efetuar uma análise "terapêutica" da linguagem, pertence, em geral, a todo discurso filosófico o dever impor-se como a única maneira correta de filosofar. Sob esse prisma, vale dizer que cada um deles de algum modo se propõe como a solução adequada do conflito das filosofias. Por isso mesmo, obriga-se a argumentar em causa própria, no afã de legitimar-se em face dos rivais e de validar a posição privilegiada que para si reivindica na arena filosófica. Pretensão que os outros discursos evidentemente desqualificam, opondo argumentos aos seus argumentos e reacendendo o conflito.
Dispondo-me a filosofar, abordo criticamente os discursos filosóficos. E cedo descubro, então, que nenhum discurso filosófico é demonstrativo, mesmo num sentido fraco da palavra, contrariamente ao que tantos filósofos pretenderam. Dou-me conta de que a retórica é a lógica da filosofia. De que, com um pouco de boa vontade e algum engenho, sempre se pode construir um discurso filosófico bem argumentado a favor de ou contra qualquer ponto de vista. Por outro lado, jamais se persuade o auditório que se tem em mente. Os critérios de autovalidação próprios a cada discurso são sempre discutidos e rejeitados pelos outros. Donde a perpetuação inevitável de conflito das filosofias, num P , testemunho eloqüente de sua indecidibilidade básica. Situação essa que parece condenar inexoravelmente as filosofias, todas e cada uma delas, a uma insuperável precariedade, dificilmente compatível com a natureza mesma dos projetos por que elas costumeiramente se definem. Seus discursos, em última análise, parecem impotentes para efetivamente resolver os problemas que elas inventaram. Os céticos, de há muito, tinham feito sobre isso seu severo diagnóstico.
É natural, então, que eu seja tentado a ver, nos discursos das filosofias, meros jogos de palavras, jogos engenhosos e complicados mas que, uma vez apreendidos e analisados, não posso mais levar a sério. Brinquedos dos filósofos com a linguagem, da linguagem com os filósofos, que ela enfeitiçou. É natural, então, que eu desespere de poder filosofar. Por que daria minha adesão a tal visão do Mundo e não a tal outra? Por que assumiria tal atitude filosófica e não tal outra? Assumir qualquer posição filosófica configuraria uma escolha e uma escolha, em última análise, arbitrária, uma vez que sua justificação não constituiria senão um exercício a mais de habilidade retórica. Não vendo como aderir criticamente a um discurso de outrem, por que me cometeria a editar um discurso original e novo, sabendo-o de antemão condenado, por sua própria natureza, à sorte adversa de que todos os outros compartilham? Por que continuar o empreendimento, por que insistir em buscar soluções filosóficas para os problemas das filosofias?
0 ceticismo antigo, apesar de sua critica acerba aos "dogmatismos", definiu-se por uma investigação continuada e incansável, caracterizou-se como uma filosofia "zetética".1 Entendeu que suas razões valiam tanto quanto as do dogmatismo filosófico e que não lhe era possível validar sua própria argumentação cética.2 Propôs, por isso, a suspensão do juízo, a epokhé, sobre cada uma das questões examinadas. Para seu propósito de abalar o dogmatismo, isso lhe era suficiente. Mas, por isso mesmo, a lógica interna de seu procedimento condenava-o a prosseguir investigando. Essa atitude me parece pouco natural e nada razoável. Porque o razoável e natural é que a experiência repetida do fracasso engendre o desânimo e o abandono da empresa. Se somos mais do que ratos de laboratório, também dependemos, entretanto, das contingências de reforço: sem nenhuma recompensa, desistimos.
Resta-me, ao que parece, dizer adeus às pretensões filosóficas que em vão alimentei, deixar atrás a filosofia. Optar pelo silêncio da não-filosofia e nele recolher-me. Numa decisão de ordem prática e existencial, que se me impõe como justificada, ainda que não seja, por certo, justificável filosoficamente. Contentar-me-ei em ser apenas um homem entre os outros homens. Deixando-me viver, em sua plenitude, a vida comum dos homens. Redescobrindo e revivendo o homem comum em mim.
Os céticos tinham entendido que sua postura filosófica não implicava a renúncia à vida comum.3 Pondo em xeque os critérios da pretensa objetividade dogmática tomaram o phainómenon, o que aparece, como critério da ação, segundo os ditames da vida. De fato, porém, seu retorno à vida comum não foi completo, porque não souberam mergulhar em sua não-filosofia. A permanência no empreendimento filosófico, a proposta de investigação continuada atestam que eles ficaram a meio caminho. Os céticos não desesperaram da filosofia. Por isso mesmo, não se permitiram suprimir definitivamente o distanciamento que o dogmatismo instaurou entre a filosofia e a vida. Contestaram as soluções dogmáticas, mas preservaram o seu quadro teórico. Guardaram a nostalgia de um espaço extramundano reservado para a investigação filosófica, em oposição ao espaço banal da vida comum à qual, enquanto homens, se apegavam.
Proponho uma ruptura com a filosofia bem mais radical que a do ceticismo. Um mergulho profundo, definitivo e de alma inteira na vida cotidiana dos homens. Não me limito a suspender meus juízos mas, em face dos jogos filosóficos, ouso dizer: "Não jogo mais"4 Regresso à humanidade comum e assumo integralmente a sua não-filosofia.


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Fonte:  Pausa para a Filosofia


Imagem: Google

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Charges que nos levam a pensar...Geraldo Fernandes - Passo Fundo - RS

As charges são de Geraldo Fernandes, e estão no "Chargeonlie" como Geraldo PassoFundo. E como Geraldo Fernandes, no Jornal "O Nacional" de Passo Fundo - RS. Charges que nos levam a pensar... ...e a filosofia? Fonte: Fonte: Geraldo Passo Fundo e-mail: geraldopassofundo@terra.com.br

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Do lugar da filosofia no mundo atual

Há muito tempo a filosofia se tornou apenas um estudo da história da filosofia e o principal medo de Weber parece ter acontecido de uma forma tão sutil que nem ao menos percebemos ao certo: o pesquisador se separou totalmente do professor. De maneira que até mesmo suas careiras universitárias são diferentes, mesmo dentro da mesma área. Justificando parte disso, temos a consciência de que não é possível ensinar alguém a ser mais criativo, crítico ou analítico o suficiente para que se possa parar de fazer apenas analise da história da filosofia, a potencialidade filosófica vem de cada um e trabalhasse com ela como se bem deseja, mas ninguém está em um curso de filosofia por obrigação, ou por única opção assim como já foi, está por no mínimo interesse dentro do campo filosófico, entretanto o filósofo de hoje parece que vê a filosofia apenas como história da filosofia, como um curso para conhecer quem foram os principais pensadores para poderem citá-los em suas rodinhas de amigos e isso acontece de tal forma que o filósofo perdeu, quase que totalmente, sua utilidade para o meio social, onde no final das contas não sabemos mais qual o lugar dele no mundo globalizado.

As ciências adquiriram independência através da filosofia, esta historicamente instigou tudo aquilo que rodeia o homem e com o nascimento do interesse focado e massificado de apenas algumas partes da filosofia, nasceram as demais ciências e destas demais ciências outras ciências, cada vez mais voltadas a uma técnica, a um ponto, se afastando cada vez mais das suas ciências de origem, assim se sucedeu com a matemática, a física e tantas outras. Ao questionarmos o lugar da filosofia hoje, temos de saber do como ela nasceu e ao vermos isso, independente das demais definições para filosofia, vemos que o seu papel sempre foi fazer a analise de um sistema desde os seus princípios fundamentais, até mesmo metafísicos, até o seu ponto mais alto e mais complexo e as demais ciências só se tornaram o que são quando perceberam que junto a técnica era necessário também analisar as bases, os fundamentos, do que estudava. Sendo assim, a física só se tornou uma ciência a parte da filosofia por conta da própria filosofia ter definido seus fundamentos e com isso seu campo de atuação e com isso a física pode então pensar em si mesma sem o intervenho da filosofia.

Analisando por este lado e vendo que o objetivo da filosofia é estruturar o pensamento, vemos que a função da filosofia é de apenas analisar algo, dar seus fundamentos e a partir daí fundar uma nova ciência que resolverá e desenvolverá o conhecimento dentro desde novo campo. Assim também se deu com a sociologia do século XIX, por encontrar seu fundamentos, campo de atuação, ainda que por mais óbvio que fosse e toda a sua epistemologia, tornou-se assim uma nova ciência, fora da filosofia. Deste modo vemos que a filosofia era para ser desde o princípio uma ciência que cavaria sua própria cova, que se degeneraria em prol de todas as demais ciências, sendo assim uma ciência com data para morrer, ao criar a última ciência que faltaria para o mundo. E ainda vendo desta maneira, tudo que restaria ao final para um curso de filosofia seria fazer apenas história da filosofia e historiografia de algum pensador.

Entretanto, apesar de hoje haver um campo de atuação técnico para tudo aquilo que um dia a filosofia criou, a filosofia ainda pode contribuir para as ciências criadas e recuperar o seu poder analítico de outrora. Assim como dito anteriormente, a filosofia sempre foi uma analise de sistemas, seja o sistema que for, e o mundo hoje nada mais é do que um conglomerado de sistemas, estes, criados pelas suas respectivas ciências. Está então o papel da filosofia reintegrar em seu campo de estudo todas as bases das demais ciências, para que se faça uma analise de todas elas e separar, o que o vício nos faz, o que é técnica do que é realmente fundamental para a ciência e distinguir, claramente, onde começa uma ciência e onde começa a outra, principalmente entre as ciências que são tão próximas da filosofia. Logo, o papel da filosofia está justamente na atuação do que sempre fez: analisar o que cerca o homem, ainda que coisas criadas por ele mesmo, e oferecer soluções aos seus problemas, fundamentar suas ciências e distingui-las.

Porém a maneira de como isso será feito agora não é mais descobrindo e analisando fenômenos, e sim analisando as idéias de uma teoria com os fundamentos da ciência para a qual ela foi criada, é conhecer a técnica e ver se ela condiz com o seus fundamentos.

S.S.U. M. Nagashima. Der Mann, die Legende. Fonte: http://balthazarabrakadabra.spaces.live.com/blog/cns!7C2BCD672DE3B521!373.entry

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Republicação - Aula sobre "Reflexão" para 1º ano do ensino médio

Plano da Unidade – Filosofia

Tema: Reflexão

Série: 1ª ano do Ensino Médio

Aulas: 2 aulas de 50 minutos

Professora: Marise

Conteúdo e temas: Desenvolvimento de conceitos básicos de Filosofia, reflexão e reconhecimento do intelecto.

Objetivos:

Desenvolver as habilidades de reflexão e organização do pensamento.

METODOLOGIA:

Sensibilização: Um espelho de tamanho médio e seis espelhos pequenos e seis coelhito

( um ovo que vira coelho).

Dividir a classe no máximo em 6 grupos. Assim que os grupos estiverem formados, coloque as seguintes questões na lousa:

Como funciona um espelho?

O que o espelho pode mostrar?

O que o espelho não pode mostrar?

O que podemos fazer com um espelho, além de ver nossos reflexos?

Será que podemos refletir olhando no espelho?

Será que o espelho vai responder a minha pergunta: Quem sou eu?

Sobreviveremos sem o espelho?

Qual a importância do espelho na nossa vida?

O que poderemos fazer com o espelho além de ver os nossos reflexos?

Poderemos usar o espelho para ensinar a refletir?

Problematização: Cada grupo com o espelho na mão, vai discutir e responder as questões que estão na lousa. A partir das resposta cada grupo poderá formular novas questões

.

Investigação: Vamos comparar a “Reflexão do Espelho” com “Reflexão Intelectual” . Destacando as diferenças de ambos na lousa.

Qual a diferença entre o refletir do espelho e o refletir (pensar, imaginar)?

O espelho pode refletir sobre si mesmo? E nós podemos refletir sobre nós mesmo?

Onde esta reflexão nos leva?

Qual a importância do pensar, refletir?

E onde o espelho nos leva?

E se o espelho quebrar?

Num segundo momento usaremos o Coelhito”. Ele está na forma de ovo, e vira coelho. Surpresa na classe. E coloco a seguinte questão: Se não desenvolvermos o intelecto (reflexão), seremos como o espelho, não existe nada além dele.

No momento em que refletimos desvendamos o mundo, levando ao crescimento interior do “ser”como o “coelho que sai do ovo”. A partir deste momento vemos o mundo com outros olhos.

Conceituação:

Cada grupo apresentará as suas reflexões à classe.

Para finalizar cada participante desenvolverá um texto:”Fazendo a sua reflexão sobre refletir.”

Avaliação:

Através da observação e anotações a respeito da participação oral e produção de texto escrito.

Conclusão:

No uso dos recursos “espelho, coelhito e copos descartáveis” os alunos ficam surpresos e concluíram que: A filosofia é um instrumento para se questionar, duvidar, ampliar nossos conhecimentos.Filosofar é refletir sobre nosso saber, interrogarmo-nos sobre nos mesmo, é conhecer a si mesmo. O primeiro passo para a filosofia é a inquietação que conduz ao questionamento. O objeto da filosofia é a reflexão, o movimento do pensamento que nos permite recuar, nos distanciarmos dos fatos aparentemente banais para buscarmos seus fundamentos.

“ A reflexão leva ao questionamento e ao encontro do eu.”

Observações:

Nessa mesma aula ocorreu o seguinte: Como usei o espelho do banheiro das meninas. Na hora do intervalo elas anunciaram que o "espelho do banheiro feminino tinha sido roubado".Aí surge a questão polêmica :

Como fica nossa vida sem reflexão?

E se a nossa capacidade de refletir for roubada ?

Complementando: Para fazer uso da interdisciplinaridade, esta aula pode ser trabalhada juntamente com o professor Física ( como está na proposta do 1º Bimestre).

O professor de Física poderá trabalhar na prática e a teoria como funciona o espelho , como os objetos absorvem a luz, que é composta das cores do arco-íris. O que é o reflexo? Afinal o que é um espelho?

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Pensar - Rubem Alves

Quando eu era menino, na escola as professoras me ensinaram que o Brasil estava destinado a um futuro grandioso porque as suas terras estavam cheias de riquezas: ferro, ouro, diamantes, florestas e coisas semelhantes. Ensinaram errado. O que me disseram equivale a predizer que um homem será um grande pintor por ser dono de uma loja de tintas. Mas o que faz um quadro não é a tinta: são as idéias que moram na cabeça do pintor. São as idéias dançantes na cabeça que fazem as tintas dançar sobre a tela.

Por isso, sendo um país tão rico, somos um povo tão pobre, somos pobres em idéias. Não sabemos pensar. Nisto nos parecemos com os dinossauros, que tinham excesso de massa muscular e cérebros de galinha. Hoje nas relações de troca entre os países, o bem mais caro, o bem mais cuidadosamente guardado, o bem que não se vende, são as idéias. É com as idéias que o mundo é feito. Prova disso são os tigres asiáticos, Japão, Coréia, Formosa, que pobres de recursos naturais, se enriqueceram por ter se especializado na arte de pensar.

Minha filha me fez uma pergunta: “O que é pensar?”. Disse-me que esta era uma pergunta que o professor de filosofia havia imposto à classe. Pelo que lhe dou os parabéns. Primeiro, por ter ido diretamente à questão essencial. Segundo, por ter tido a sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta. Porque se tivesse dado a resposta, teria com ela cortado as asas do pensamento. O pensamento é como a águia que só alça vôo nos espaços vazios do desconhecido. Pensar é voar sobre o que não se sabe. Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.

E, no entanto, não podemos viver sem respostas. As asas, para o impulso inicial do vôo, dependem dos pés apoiados na terra firme. Os pássaros, antes de saber voar, aprendem a se apoiar sobre os seus pés. Também as crianças, antes de aprender a voar têm de aprender a caminhar sobre a terra firme. Terra firme: as milhares de perguntas para as quais as gerações passadas já descobriram as respostas. O primeiro momento da educação é a transmissão desse saber. Nas palavras de Roland Barthes: “Há um momento em que se ensina o que se sabe…” E o curioso é que este aprendizado é justamente para nos poupar da necessidade de pensar.

As gerações mais velhas ensinam às mais novas as receitas que funcionam. Sei amarrar os meus sapatos, automaticamente, sei dar o nó na minha gravata automaticamente: as mãos fazem o trabalho com destreza enquanto as idéias andam por outros lugares. Aquilo que um dia eu não sabia me foi ensinado; eu aprendi com o corpo e esqueci com a cabeça. E a condição para que as minhas mãos saibam bem é que a cabeça não pense sobre o que elas estão fazendo. Um pianista que, na hora da execução, pensa sobre os caminhos que seus dedos deverão seguir, tropeçará fatalmente. Há a história de uma centopéia que andava feliz pelo jardim, quando foi interpelada por um grilo: “Dona centopéia, sempre tive a curiosidade sobre uma coisa: quando a senhora anda, qual, dentre as suas cem pernas, é aquela que a senhora movimenta primeiro?”. “Curioso”, ela respondeu. “Sempre andei, mas nunca me propus esta questão. Da próxima vez, prestarei atenção”. Termina a história dizendo que a centopéia nunca mais voltou a andar.

Todo mundo fala, e fala bem. Ninguém sabe como a linguagem foi ensinada e nem como ela foi aprendida. A despeito disso, o ensino foi tão eficiente que não preciso pensar em falar. Ao falar, não sei se estou usando um substantivo, um verbo ou um adjetivo, e nem me lembro das regras da gramática. Quem, para falar, tem que se lembrar dessas coisas, não sabe falar. Há um nível de aprendizado em que o pensamento é um estorvo. Só se sabe bem com o corpo aquilo que a cabeça esqueceu. E assim escrevemos, lemos, andamos de bicicleta, nadamos, pregamos prego, guiamos carros: sem saber com a cabeça, porque o corpo sabe melhor. É um conhecimento que se tornou parte inconsciente de mim mesmo. E isso me poupa do trabalho de pensar o já sabido. Ensinar, aqui, é inconscientizar.

O sabido é o não pensado, que fica guardado, pronto para ser usado como receita, na memória deste computador que se chama cérebro. Basta apertar a tecla adequada para que a receita apareça no vídeo da consciência. Aperto a tecla moqueca. A receita aparecerá no meu vídeo cerebral: panela de barro, azeite, peixe, tomate, cebola, coentro, cheiro-verde, urucum, sal, pimenta, seguidos de uma série de instruções sobre o que fazer.

Não é coisa que eu tenha inventado. Me foi ensinado. Não precisei pensar. Gostei. Foi para a memória. Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda.

E o saber fica memorizado de cor – etimologicamente, no coração -, à espera de que o teclado desejo de novo o chame de seu lugar de esquecimento.

Memória: um saber que o passado sedimentou. Indispensável para se repetir as receitas que os mortos nos legaram. E elas são boas. Tão boas que nos fazem esquecer que é preciso voar. Permitem que andemos pelas trilhas batidas. Mas nada têm a dizer sobre os mares desconhecidos. Muitas pessoas, de tanto repetir as receitas, metamorfosearam-se de águias em tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem diplomas universitários. Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinar o que o passado legou – e ensinou bem – fazem os alunos se esquecer de que o seu destino não é passado cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não-saber que somente pode ser explorado com as asas do pensamento. Compreende-se então, que Barthes tenha dito que, seguindo-se ao tempo em que se ensina o que se sabe, deve chegar o tempo em que se ensina o que não se sabe.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Um por todos, todos por um!

Alexandre Oliva Cooperação, respeito e lealdade aos companheiros: esse era o espírito do maior trio de mosqueteiros da cultura mundial. Maior não apenas porque nunca antes na história daquele país se vira um trio com tantos membros: Athos, Porthos, Aramis e d'Artagnan; senão principalmente pelo exemplo grandioso e inspirador de atitude solidária e fraterna, essência do Movimento Software Livre e da Cultura Wiki. Fraternidade, a prática de tratar ao próximo como um irmão, tem suas raízes no princípio moral universal da reciprocidade, de tratar ao próximo como se gostaria de ser tratado. Como ninguém gosta de ser desrespeitado e cerceado, e ninguém faria isso a um irmão querido, esse princípio embasa o imperativo moral e ético de respeitar as quatro liberdades enumeradas na Definição do Software Livre, tanto as duas primeiras, da auto-suficiência, quanto as duas últimas, da fraternidade ativa. Sim, pois a fraternidade não se limita ao mero respeito ao próximo, não lhe pondo obstáculos. Alcança também o anseio humano inato de estender a mão aos seus semelhantes, como faziam os neomosqueteiros Salim e Jamal Malik e sua companheira Latika. Impedir alguém de atender a esse anseio, de saciar necessidades alheias, de compartilhar e contribuir para com a comunidade, estende desrespeito e malefício a quem tem o anseio frustrado e a todos que dele se beneficiariam. Em contraponto, o respeito a esse anseio viabiliza a solidariedade, o espírito de equipe e de ajuda mútua em que se constrói qualquer comunidade ou parceria, seja um casal funcional, uma comunidade Wiki ou de desenvolvimento de Software Livre, até toda uma sociedade, como a Confederação Helvética. O mesmo espírito de “(cada) um por todos, todos por (cada) um!” de três ou quatro mosqueteiros uniu os vários cantões suíços, permitindo cooperação num ambiente em que prevalece a solidariedade, por força da lealdade e do respeito mútuo. Na mesma linha, o Movimento Software Livre propõe aos usuários a solidariedade como fórmula para solucionar o problema social do desrespeito às liberdades de todos: se usuários permanecerem leais e solidários, rejeitando, ainda que à custa de algum sacrifício pessoal, o desrespeito de quem ouse tentá-lo, o respeito prevalecerá. É curioso que a frase presente na obra de Alexandre Dumas tenha se popularizado na ordem inversa à que ele escreveu, “tous por un, un por tous”, locução proveniente do Latim “Unus pro omnibus, omnes pro uno”. O Latim nos trouxe ainda a locução “E pluribus unum”, igualmente relacionada a comunidades e formação de países, e também invertida na atual cultura popular, senão na escrita, sem dúvida nos valores. O sentido original carregava a noção da construção de um todo unido a partir de componentes plurais com grande diversidade. Para simbolizar a união de diferentes colônias e povos, a frase em Latim foi adotada no brasão dos Estados Unidos da América logo após sua independência. De lá para cá, tem adquirido um sentido de competição destrutiva, perdendo o sentido de como-unidade. Ao invés do “a partir de muitos, forma-se um”, como a “uma só carne” do casamento cristão, é comum hoje em dia encontrar quem entenda a expressão como “de muitos, um se destacou”, ou mesmo “restou apenas um”, um sentido Highlander que nada carrega do original comunitário, solidário e fraterno. Em tempos em que o mercado descontrolado do “cada um por si” de Adam Smith anda em baixa (em mais de um sentido), ganha força a constatação de John Nash, a Mente Brilhante do filme, de que a premissa de Smith era incompleta: “o melhor resultado advém de cada um fazer o melhor para si, e para o grupo”, ou “cada um por si e por todos”. Monopólios artificiais como as versões atuais, corrompidas, de direito autoral, patentes e marcas, tiveram origem a partir de pressões apoiadas na busca do benefício próprio, pregada por Smith, mas paradoxalmente dependeram, para sua introdução, e cada vez mais dependem, para sua manutenção até os dias de hoje, da forte intervenção estatal rejeitada por princípio na economia liberal. Esses privilégios impróprios, cada vez mais usados com propósitos anti-concorrenciais (outro conflito com a doutrina da economia liberal), têm mostrado repetidamente que a satisfação da ambição individual, levada às últimas consequências, não só não serve ao bem comum, como ainda o prejudica. Por isso mesmo ganham mais espaço os modelos de produção e inovação “coopetitivos” Wiki e Software Livre. Nessa nova economia, em que a competição se dá não em oposição, mas em adição à cooperação, à solidariedade e à fraternidade, vale propor uma combinação dos lemas dos mosqueteiros franceses e dos fundadores estadunidenses: “(cada) um por todos, todos por (cada) um e pelo um formado por todos.” Falta só descobrir como escrever isso em Latim. Copyright 2009 Alexandre Oliva Cópia literal, distribuição e publicação da íntegra deste artigo são permitidas em qualquer meio, em todo o mundo, desde que sejam preservadas a nota de copyright, a URL oficial do documento e esta nota de permissão.
Publicado na terceira edição, de junho de 2009, da Revista Espírito Livre. http://www.fsfla.org/svnwiki/blogs/lxo/pub/todos-por-um

sábado, 6 de junho de 2009

Uma carta aberta a Lula, aquele que vive viajando...

Carta do Presidente do CREA (Ceará) ao Presidente Lula

NOTA DO AUTOR:

Pode divulgar o que eu escrevi na íntegra, não precisa cortar nada não. Eu nunca falo ou escrevo nada em segredo.

Num pais de covardes como este o único medo que eu tenho é de viver muito mais do que já vivi..

Veja abaixo um e-mail que eu mandei para o "presidente" Lula, com cópia para todos os senadores e deputados federais, revistas, jornais e para todos os da minha lista.

Um abraço, Otacílio M. Guimarães

A CARTA:

Sr. Luis Inácio Lula da Silva:

Causa indignação a qualquer cidadão medianamente esclarecido ouvir ou ler a asneira abaixo, pronunciada por uma pessoa semi-analfabeta, despreparada, sem nenhuma ética, que 52 milhões de abobalhados colocaram na presidência da república do Brasil. Esclarecendo: asneira vem de asno ou burro. O senhor passou a sua vida toda, juntamente com o seu partido (?!?!?!), mentindo para um povo até conseguir conquistar as consciências de 52 milhões de incautos que não sabem distinguir óleo de água e agora, depois de ter implantado no Brasil o maior esquema de corrupção jamais visto no mundo ainda vem dar uma de o mais honesto do país com essa afirmação desproposital, descabida e desrespeitosa.

Pois eu lhe digo, senhor Luis Inácio: eu sou um brasileiro de 62 anos de idade, não sou analfabeto, meus pais não eram analfabetos, eu recebi uma educação doméstica, moral e formal para dizer ao senhor, o seguinte: me respeite! Respeite o meu país! Respeite as pessoas que estão indignadas com a sua desfaçatez!

Se o senhor acha que o único repositório da ética e da moral deste país é o senhor, pois fique sabendo que eu quero discutir com o senhor sobre ética e moral, cara a cara, olho no olho.

Eu quero que o senhor me explique como é que Delúbio Soares e Sílvio Pereira armaram o esquema criminoso que resultou neste mar de lama que emporcalha a história do Brasil sem que o senhor, o José Genuíno e o José Dirceu soubessem de nada.

Eu quero que o senhor me explique, cara a cara, olho no olho, porque Celso Daniel, prefeito de Santo André, foi assassinado friamente e o seu governo agiu no sentido de paralisar as investigações.

Será que o senhor sabe o que significa obstrução da justiça? Pois foi isto o que o senhor fez, obstruiu a justiça. Se o Brasil fosse um pais sério, o senhor já estaria na cadeia só por isto.

Eu quero que o senhor me explique porque mandou a prefeita de São José dos Campos, Ângela Guadagnin, exonerar o secretário de finanças Paulo de Tarso Venceslau só porque este, que também fora secretário de finanças da Prefeitura de Campinas, descobriu um esquema de desvio de dinheiro público operado pela CPEM, que somente em 1992 desviou 10,5 milhões de dólares da prefeitura de São José dos Campos, sem falar nas outras três onde o esquema funcionava (Campinas, Piracicaba e Ribeirão Preto, esta última tendo como prefeito Antônio Palocci, ex-ministro da fazenda), dinheiro esse que se destinava a alimentar o caixa 2 do PT.

Nesse esquema o Paulo Okamoto, que não detinha cargo público e era apenas militante do PT, fazia o papel que o Sílvio Pereira fez até ser desmascarado recentemente.

Note-se que estes fatos ocorreram há 12/13 anos atrás. Não é de hoje, portanto, que o PT se utiliza desses esquemas criminosos para suprir o seu caixa 2 e aumentar o patrimônio de seus integrantes. Inclusive o seu e do seu filho, o Lulinha, que recentemente recebeu da Telemar cinco milhões e duzentos mil reais como investimento numa empresa que eu não pagaria um centavo por ela. A troco de quê, senhor Lula, a Telemar deu essa dinheirama toda ao seu filho?

O senhor e seus asseclas vivem dizendo que tudo é culpa das elites brasileiras. Para mim, as elites que jogaram o PT e o governo Lula na lama têm nomes: José Dirceu, Sílvio Pereira, Delúbio Soares, Marcos Valério e os que estão acima destes que o senhor tão bem conhece e eu não preciso citar. O senhor é o chefe de todos eles. É o campeão mundial da "maracutaia" (palavra que tanto usou no passado para ofender, impunemente, seus adversários políticos)..

Pois eu lhe digo, senhor Lula: neste país nasceu antes do senhor um homem em condições de discutir com o senhor, cara a cara, olho no olho, sobre ética e muitos outros atributos que o senhor não possui, como por exemplo, capacidade administrativa, discernimento, iniciativa e coragem de tomar decisões.

E digo mais: que eu não estou sozinho, pois o Brasil tem milhões de homens e mulheres que têm condições de discutir com o senhor sobre ética e moral e dar aulas destas matérias, se é que iria entender. Quer me parecer que o senhor não entende o verdadeiro significado das palavras ética e moral, talvez seja este o caso, já que nunca estudou e se gaba de ter nascido de país analfabetos.

Na verdade, quem se gaba de ter nascido de país analfabetos e de ter pouco estudo não tem o direito de ofender todo um povo arvorando-se no único repositório da ética e da moral. Isto já é coisa de doente mental como aconteceu com Hitler, Stalin, Lumumba e tantos outros ditadores, responsáveis por milhões de assassinatos de inocentes.

Senhor Lula, o senhor foi colocado onde está por pessoas tão ignorantes ou mal intensionadas quanto o senhor. Mas eu devo lhe dizer que os homens e mulheres de bem deste país já estão cheios das asneiras que o senhor fala e faz e com suas bravatas, com a sua incapacidade sobejamente demonstrada em governar o país e com o fato de estar se esquivando de suas responsabilidades nos desmandos praticados pela cúpula dirigente do PT querendo nos fazer crer que Sílvio Pereira e Delúblio Soares agiram sozinhos. Não creio que Sílvio Pereira e Delúbio Soares s ejam tão burros assim. Só um idiota acreditaria nisso.

E digo-lhe mais uma coisa: pare de subestimar a inteligência dos brasileiros, pare de ofender os brasileiros, principalmente aqueles que acreditaram em suas mentiras e suas falácias e lhe colocaram onde está hoje. Está na hora do senhor devolver estes votos juntamente com um pedido de desculpas tomando a decisão de renunciar ao cargo para o qual o senhor nunca esteve preparado para exercer.

A seguir trecho do discurso proferido ontem pelo senhor, presidente Lula, para uma platéia de petroleiros da REDUC, Duque de Caxias, e que ofende pelo menos aqueles que possuem ética e dignidade neste país, o que não é o seu caso.

"Neste país está para nascer alguém que venha querer discutir ética comigo. Eu digo sempre o seguinte: sou filho de pai e mãe analfabetos. E o único legado que eles deixaram, não apenas para mim, mas para toda a família, é que andar de cabeça erguida é a coisa mais importante que pode acontecer para um homem ou uma mulher. E eu conquistei o direito de andar de cabeça erguida neste país com muito sacrifício. E não vai ser a elite brasileira que vai fazer eu baixar a cabeça".

Estou pronto para discutir com o senhor sobre ética e outros assuntos a qualquer momento que o senhor escolher. Isto se o senhor tiver coragem, porque sempre foge covardemente do debate com a imprensa e com pessoas inteligentes, pois não tem a hombridade de responder ou enfrentar. A maioria do povo brasileiro está de saco cheio com o senhor e com o seu PT - PARTIDO dos TRAMBIQUEIROS, cambada de assaltantes que ocupam postos chaves de nossa nação, mas vai chegar a hora de prestarem contas das falcraturas que enche seus bolsos dia e noite. E não vão adiantar operações plásticas e outros artificios, fugir para outros países, pois o mundo hoje está muito menor do que já foi no passado e sua figura burlesca já é bem conhecida lá fora.

Estarei aberto para debater estes e outros assuntos em público, em dia, hora e local que bem lhe aprouver, com a presença da imprensa ainda não comprometida. Considere-se desafiado a partir deste momento.

Otacílio M. Guimarães - Presidente do CREA (Ceará) Se vc é dos que tem moral e ética, ou pelo menos vergonha na cara, divulgue esta carta, porque o Brasil merece, assim como seus descendentes que estão vindo aí.

Fonte: TERNUMA e do Blog do Clausewitz , aproveite para visitar o Blog.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

A pensar morreu um burro

No Brasil, não é muito diferente... Algumas das forças que nos levam a não pensar José Alberto Quaresma

"Nos temperamentos espontâneos e expansivos, violentos e fracos, nas cabeças sem rumo seguro, nas vontades sem firmeza, as impressões governam mais do que os planos: a ocasião vale tudo, o pensamento nada." Oliveira Martins, Portugal Contemporâneo, 1881

Aqui há uns anos um amigo meu comentava, com alguma jocosidade, a situação respeitante a outro amigo, que tinha sido obsequiado com uma pequena quota numa empresa, desta forma: "É pá, o João foi convidado para uma sociedade para pensar!". Pensar era, na sua maneira de ver, ainda menos do que a mais sublime das inutilidades que a alma humana podia cultivar.

A opinião, muito sólida, está mais generalizada na sociedade portuguesa do que se poderia supor. A convicção vem de longe. Continua coriácea. Sobreviverá certamente à nossa contemporaneidade.

Alguns provérbios e aforismos populares parecem, todavia, contrariar aquela afirmação: "antes de falar põe-te a pensar", "o bem pensado nunca sai errado" ou "quem dos outros fala e murmura, pouco pensa e muito se aventura". Mas a história não regista proveito e exemplo de que tenham sido muito cultivados.

Não há uma tradição de exercício do pensamento e, muito menos, do pensamento crítico. Nunca se pensou muito em Portugal. E não é preciso recuar até ao fundo do tempo para o constatar. No improviso, no desenrasca, somos aparentemente brilhantes, consolamo-nos muito com isso, temos jactância para dar e vender. Já o pensar, estudar, prever, planificar, avaliar, realizar é geralmente entendido como pura perda de tempo, falta de jeito, incapacidade, quando não estultícia. Pensar é pouco mais do que caquear. Uma sandice, uma inépcia. A pensar morreu um burro...

O pensamento enquanto acto de espírito, exercício de inteligência, ginástica da razão, que procura mobilizar conhecimentos adquiridos do património científico e cultural da humanidade e acrescentar qualquer coisinha, não pode deixar de estar intimamente ligado à cultura escrita. Quase sempre o foi. Mas a cultura escrita ainda hoje tarda em repartir-se pela maioria da população portuguesa. Factores históricos e estruturais são determinantes nesta situação.

Portugal chega muito tarde à primeira industrialização e à economia capitalista desenvolvida. Meios familiares desfavorecidos induziram uma desqualificação sistemática para as práticas de leitura, escrita e cálculo que atingiu sucessivas gerações de portugueses. A irregular expansão do ensino e as deficiências materiais, pedagógicas, metodológicas e relacionais das escolas, ainda hoje não permitem inverter a situação. Apesar do esforço das políticas educativas para fazer chegar a escolaridade básica ao maior número possível de pessoas, e acertar o passo com os países mais desenvolvidos (ainda que para deslumbre estatístico), uma constatação grita-nos muda: temos a população quase integralmente escolarizada, mas larguíssimos sectores dela continuam a ter dificuldades graves precisamente no domínio da leitura, da escrita e do cálculo elementar. Há uma enorme incapacidade, num amplo sector da população, para processar informação escrita e lidar com ela na actividade social ou profissional.

Portugal chega tarde, muito tarde, à escolaridade básica. À data da implantação da República, os analfabetos constituíam 75% da totalidade dos habitantes. Há quarenta anos, ainda resistia iletrada mais de 40% da população. Mais de 21% mal sabia ler e escrever, sem possuir qualquer grau de ensino. Em 1960, apenas 22,5% da população possuía o ensino primário. Menos de 1%, na mesma altura, conseguia tirar um curso médio ou superior. Só agora estamos a chegar, no fim do século XX, aos 90% de taxa de alfabetização. Precisamente a que os povos da Escócia, Países Baixos, Inglaterra e leste de França, conseguiram em 1900. A escolaridade básica não há muito tempo ficava concluída com a terceira classe. O ensino obrigatório de seis anos tem apenas um quarto de século. A escolaridade de 9 anos só há poucos anos foi tornada imperativa.

Em 1960, gastava-se 1,8% do PIB na Educação. Hoje, à volta de 6%, excluindo o ensino privado. A revolução no ensino foi, no plano formal, estrondosa. O número total de alunos, que era em 1960 de 1.140.000, mais do que duplicou. A população universitária saltou de 24.000 alunos, em 1960, para mais de 300.000 nos nossos dias. Ainda assim continuamos na cauda dos países desenvolvidos. A fracção da população escolarizada, entre os 25 e os 64 anos, que atingiu um grau de ensino ao nível do secundário ou superior, no início dos anos 90 é, em Portugal, de apenas 7%, quando em Espanha é de 13%, na Alemanha 22%, na Suécia 24%, nos Estados Unidos 31% e no Canadá de 41%. Melhor será não falar nas actuais taxas de abandono na escolaridade básica, no ensino secundário (10.º-12.º anos) e no ensino superior.

Num estudo intitulado A Literacia em Portugal, coordenado por Ana Benavente, e publicado em 1996, demonstra-se claramente a incapacidade da maioria da população para processar informação escrita. A escrita é menos praticada do que a leitura e o cálculo. A leitura de livros é muito menor do que a leitura de jornais e de revistas. Uns e outros de reduzidíssima frequência. As maiores taxas de leitura, no quotidiano fora da actividade profissional, são as legendas de televisão. Na escrita, são os recados e o preenchimento de documentos. E, no cálculo, são apenas as compras correntes e a gestão do orçamento doméstico.

Na actividade profissional há uma muita limitada utilização de materiais escritos. Só a minoria de quadros técnicos é que contraria este panorama desolador. Na generalidade das situações de trabalho, o recurso à informação escrita é de expressão ínfima.

Não é difícil imaginar os problemas que se podem levantar a uma participação activa, esclarecida, no plano cívico e social de tanta gente.

Há cinquenta anos, mais de três quartos da população portuguesa ainda vivia no campo. A sua vida decorria ao ritmo da natureza e do calendário religioso. Divertimentos eram apenas as procissões, feiras, romarias e festas. Os dias seguiam vaporosos nas tabernas. Nas aldeias pasmava-se. Nas cidades a vida não era menos modorrenta.

Demos um salto vertiginoso do analfabetismo puro e mole para a sociedade da informação. A televisão entrou-nos pela barraca adentro. Com o nosso consentimento, para nosso deleite. Saltámos de uma cultura oral para uma cultura audiovisual. Demorámo-nos pouco, menos do que uma geração, numa cultura escrita, generalizada a toda a população. O que é pouco mais do que nada para ganhar o vício. O salto foi pacífico. Aterrámos bem. Talvez porque as duas sejam a mesma realidade contemplativa de apenas ver e ouvir. Tudo chega explicadinho, pronto a digerir, assimilar... e esquecer.

Só que a última das culturas populares é a mais real. Vem certificada pelo poder omnisciente, sacralizado, da televisão. Como, outrora, os outros poderes, igualmente omniscientes da Igreja ou da tradição, certificavam a realidade longínqua ou desconhecida, explicando o inexplicável.

O pensamento precisa de tempo. O pensamento crítico ainda de mais tempo. Uma estreita relação estabelece-se entre pensamento e velocidade. Ora o nosso tempo é rápido e fugaz. Tempo é dinheiro. Não pensar é dinheiro. Mais do que nunca. E os meios de comunicação de massas aí estão para nos poupar tempo e trabalho. E até dar dinheiro. Muito dinheiro.

Na televisão, o ainda mais importante de todos eles, os programas de entretenimento ocupam, de forma quase exclusiva, o horário nobre, deixando para esconso horário "plebeu" os programas de informação ou os programas científicos, quando existem. O "prime-time" não é para pensar. É para não pensar. E, mesmo nos programas de informação, os canais de televisão nunca se esquecem de convidar o "especialista", aquele que sabe tudo sobre o tema e que explica bem e depressa. E o mérito está precisamente nestes "fast-thinkers" que pensam rápido, pensam por eles e para todos. O que pressupõe que os receptores, em última instância, não pensem. Fazem-nos esse favor. O fenómeno está a tornar-se universal. Para bem dos nossos pecados, salvo seja, como demonstra Pierre Bourdieu no opúsculo Sur la Télévision.

Somos dados a opinar muito e a pensar pouco. Saltámos de uma oralidade rústica para uma oralidade mediática, tecnológica e urbana. Falamos muito e bem ao telemóvel. Já navegamos à bolina pela Internet. Ainda somos poucos, aqui, mas amanhã seremos quase todos. Pelo menos essa é a vontade de quem nos governa.

A escola está a cavalgar esta onda gigante, privilegiando o aparato tecnológico à profundidade da substância e dos conteúdos. E nós, professores, vamos tentando cada vez mais, apenas, que os nossos alunos mexam bem nos instrumentos. E que não pensem muito. Pensar traumatiza.

Mas, mesmo que a pensar morra um burro, nós precisamos de pensar para não morrer. O que de melhor a humanidade produziu foi pensando bem que o fez. A História disso faz periodicamente o balanço. Pensar é preciso. Navegar não é preciso. Ou não é tão preciso. Menos ainda quando já fechámos o Império e abatemos a frota ao efectivo.

O pensamento crítico permite defendermo-nos das afirmações falsas ou falaciosas, distinguir os bons dos maus argumentos, fundamentar melhor e mais claramente as nossas melhores razões. Certifica-nos verdade e qualidade.

Os programas curriculares do ensino secundário deviam ser despidos de toda a ganga que os submerge e que não deixa ver, nem a professores, nem a alunos, o fundamental, distinguindo-o do acessório e até do inútil. Equipas multidisciplinares integradas e coordenadas por "missionários" (do pensamento crítico, entenda-se) da Filosofia poderiam passar a pente fino os programas curriculares e tentar introduzir exercícios e actividades que estimulassem o exercício do pensamento crítico nessas disciplinas. Evidentemente, tendo em atenção o nível etário e cultural dos alunos. O espaço da aula devia ser um espaço de reflexão. E o próprio exercício de pensar um dos objectivos centrais de cada uma das disciplinas do ensino básico e secundário. Não seria difícil nelas introduzir noções, problemas, exercícios práticos, actividades que tivessem no horizonte as bases fundamentais do pensamento crítico. Problemas como os da vagueza, da fronteira imprecisa, das afirmações morais, da ambiguidade, da confusão entre objectividade e subjectividade, continuam a encher manuais escolares, conteúdos didácticos, práticas lectivas, contaminando toda a transmissão de conhecimentos. O problema é do nosso tempo e dele também não escapam as sociedades mais desenvolvidas. As experiências de Alex Bavelas, um especialista na interacção de grupos, descritas por Paul Watzlawick no livro A Realidade é Real?, demonstram de forma surpreendente como podemos facilmente ser vítimas das nossas convicções mais profundas: assim que uma tentativa de explicação de um fenómeno domina as nossas mentes, qualquer explicação do contrário pode levar não a corrigir o erro mas a "elaborações" da própria explicação, tornando-a auto-suficiente. É fácil errar e persistir no erro ainda com maior convicção. Quantos de nós, professores, não andaremos inflados das melhores intenções a persistir...

Instrumentos operativos de avaliação de premissas, de critérios de aceitação ou rejeição de afirmações, são passíveis de introdução nos currículos da maior parte das disciplinas do segundo e terceiros ciclos e do ensino secundário. Dar a conhecer os princípios que regulam o uso das afirmações complexas ou das afirmações gerais na argumentação em muitos dos conteúdos científicos dessas disciplinas também.

Este trabalho não é um trabalho qualquer. Mexer nos conteúdos disciplinares, para avaliar da sua boa sanidade relativamente ao pensamento crítico, pode ter o mesmo efeito que a passagem de uma retro-escavadora por uma loja de bibelots de cristal. Não tenho grande fé que o sistema educativo e os seus gurus tenham vontade para introduzir alterações de substância nos currículos disciplinares, do ensino básico ao secundário, para levar aos conteúdos e às práticas lectivas o exercício do pensamento crítico. O pensamento crítico é perigoso. O voo livre abana as sólidas e seculares construções do próprio sistema, e de nós todos que dele, harmoniosamente, fazemos parte. Mas, ainda assim, vale a pena tentar. Convém não ser tão pessimista como Anatole France, prémio Nobel da Literatura, em 1924: "O pensamento é uma doença própria de alguns indivíduos e que não se propagaria sem levar imediatamente ao fim da espécie".

José Alberto Quaresma

Bibliografia

  • BARRETO, António, (coordenação de), A formação de Portugal moderno: A evolução social, 1960-1995, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1996.
  • BENAVENTE, Ana, (coordenação), A Literacia em Portugal, Fundação Calouste Gulkbenkian, Lisboa, 1996.
  • BOUDON, Raymond, L'Art de se persuader des idées douteuses, fragiles ou fausses, Librairie Arthème Fayard, Paris, 1990
  • BOURDIEU, Pierre, Sur la Télévision, Liber — Raisons d'agir, Paris, 1996.
  • EPSTEIN, Richard & MURCHO, Desidério, Pensamento Crítico, em preparação.
  • MARTINS, Oliveira, Portugal Contemporâneo, 8.ª edição, Guimarães Editores, Lisboa, 1976.
  • MATTOSO, José (direcção de), História de Portugal, Vol. VII e VIII, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993.
  • WATZLAWICK, Paul, A Realidade é Real? (How Real is Real?), Relógio d'Água, Lisboa, s/data.
  • WESTON, Anthony, A Arte de Argumentar, Gradiva, Lisboa, 1996.
Fonte: http://criticanarede.com/html/fil_apensarmorreu.html Imagem: http://tvdigitalnobrasil.files.wordpress.com/2007/09/globo_lock_final1.jpg

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A ATUALIDADE DA FILOSOFIA

Theodor W. Adorno

Quem hoje em dia escolhe o trabalho filosófico como profissão, deve, de início, abandonar a ilusão de que partiam antigamente os projetos filosóficos: que é possível, pela capacidade do pensamento, se apoderar da totalidade do real. Nenhuma razão legitimadora poderia se encontrar novamente em uma realidade, cuja ordem e conformação sufoca qualquer pretensão da razão; apenas polemicamente uma realidade se apresenta como total a quem procura conhecê-la, e apenas em vestígios e ruínas mantém a esperança de que um dia venha a se tornar uma realidade correta e justa. A filosofia, que hoje se apresenta como tal, não serve para nada, a não ser para ocultar a realidade e perpetuar sua situação atual. Antes de qualquer resposta, tal função já se encontra na pergunta, pergunta essa que hoje em dia é tida como radical, e, no entanto, é a menos radical de todas: a pergunta, pura e simples, pelo ser, tal como a formularam expressamente os novos projetos ontológicos e tal como, a despeito de toda oposição, subjaz também aos sistemas idealistas, que se pretende superar. Esta pergunta apresenta como perspectiva sua própria resposta: que o ser é adequado e acessível ao pensamento, que é possível se colocar a pergunta pela idéia do existente. Mas a adequação do pensamento ao ser como totalidade se desagregou e com isso se tornou impossível a pergunta pela idéia do existente, que um dia, soberana, pode se elevar como estrela, em clara transparência, por cima de uma realidade redonda e fechada, e que, talvez, se desvaneceu para sempre aos olhos humanos quando as imagens de nossa vida foram afiançadas pela história. A idéia do ser se tornou impotente na filosofia; nada mais que um princípio formal vazio, cuja arcaica dignidade ajuda a decifrar conteúdos arbitrários. Nem a plenitude do real, como totalidade, se deixa subordinar à idéia do ser, que lhe atribui o sentido; nem a idéia do existente se deixa construir a partir dos elementos do real. Ela se perdeu para a filosofia, e, com ela, sua pretensão de atingir a totalidade real, na origem.

A história da filosofia presta testemunho disso. A crise do idealismo é equivalente à crise da pretensão filosófica de totalidade. A ratio autônoma - tese de todo sistema idealista - deveria ser capaz de desenvolver, a partir de si mesma, o conceito de realidade e de toda realidade. Esta tese se autodissolveu. O neokantismo da escola de Marburgo, que aspirava recuperar, com o máximo rigor, o conteúdo da realidade a partir de categorias lógicas, preservou, na verdade, sua integridade sistemática, porém perdeu, em virtude disso, todos os direitos sobre a realidade e se vê exilado em uma região formal, em que cada determinação de conteúdo se torna fugidia, como ponto virtual final de um processo sem fim. A posição antagônica à escola de Marburgo no círculo do idealismo, a filosofia da vida de Simmel - psicológica e irracionalmente orientada - manteve contato com a realidade abordada, porém perdeu, com isso, o direito de dar sentido a uma empiria confusa, e se resignou a um conceito naturalista, cego e obscuro do vivente, que procurava se elevar, em vão, a uma aparente e clara transcendência de uma "vida superior" (Mehr-als-Lebens). Por fim a escola de Rickert, do sudoeste alemão - oscilando entre os extremos - julga que dispõe, nos valores, de padrões filosóficos de medida mais concretos e práticos que aqueles utilizados pela escola de Marburgo em suas idéias, e desenvolveu um método que relaciona esses valores com a empiria, mas de um modo como sempre frágil. Continuam indeterminados o lugar e a origem dos valores; permanecem eles em algum espaço entre a necessidade lógica e a diversidade psicológica; nem presos ao real, nem transparentes ao espiritual. Uma ontologia da aparência que não é capaz de suportar a pergunta "de onde vem sua validade" e nem mesmo "para onde leva sua validade". As filosofias científicas trabalham sem se preocupar com as grandes tentativas de solução da filosofia idealista, e, desde o início, abandonam a questão fundamental idealista sobre a constituição do real. Apenas atribuem validade, nos marcos de uma propedêutica, às ciências particulares desenvolvidas, especialmente às ciências da natureza. Julgam, com isso, dispor de um fundamento mais sólido na abordagem dos dados, sejam eles referentes ao sistema da consciência, ou relativos à investigação das ciências particulares. Ao perderem a relação com os problemas históricos da filosofia, esqueceram-se de que suas próprias experimentações estão indissociavelmente vinculadas, em cada um de seus pressupostos, aos problemas históricos e à história do problema. Não podem solucioná-las independentemente deles.

Nesta situação se insere o esforço do espírito filosófico que se nos apresenta com o nome de fenomenologia: esforço de recuperar - após a decadência do sistema idealista e com o mesmo instrumental do idealismo - a ratio autônoma, uma ordem do ser obrigatoriamente acima do subjetivo. Aí está o profundo paradoxo de todos os intentos fenomenológicos: o desejo de resgatar a objetividade, que tais intentos contradizem na origem, por meio das mesmas categorias que o subjetivo pensamento pós-cartesiano proferiu. Não é por acaso que a fenomenologia em Husserl tomou como seu ponto de partida o idealismo transcendental. E quanto menos os produtos mais tardios da fenomenologia podem desmentir essa origem, tanto mais tentam se esquecer disso. A descoberta realmente mais produtiva de Husserl - mais importante que o método da "intuição da essência" (Wesensshau), muito famoso no exterior - foi haver reconhecido e feito frutífero o conceito do dado irredutível, tal como as orientações positivistas haviam configurado, em sua significação para o problema fundamental das relações entre razão e realidade. Ele conseguiu para a psicologia o conceito de intuição original, e no desenvolvimento do método descritivo voltou a ganhar para a filosofia, pela precisão analítica, um crédito, que havia perdido tempos atrás entre as ciências particulares. Mas não se pode desconhecer que as análises husserlianas do dado, no conjunto, permanecem relacionadas a um implícito sistema do idealismo transcendental, cuja idéia também foi formulada por Husserl - e o fato de Husserl ter manifestado isso, diversas vezes, revela a grande e pura retidão do pensador -, que a "jurisdição da razão" permanece como a última instância para as relações entre razão e realidade; que, por isso, todas as descrições husserlianas fazem parte do círculo dessa razão. Husserl purificou o idealismo de todo excesso especulativo e o levou até a medida máxima atingível da realidade. Mas não o fez explodir. Em seu domínio impera o espírito autônomo, assim como em Cohen e Natorp; ele apenas renuncia à pretensão da força produtiva do espírito - da espontaneidade kantiana e fichteana - e se resigna, assim como Kant também o fez, a se apossar apenas da esfera do que lhe é adequadamente acessível. A concepção da história filosófica dos últimos trinta anos quer ver uma limitação nessa auto-apresentação da fenomenologia husserliana e a considera como início de um desenvolvimento que, finalmente, conduza ao projeto realizado dessa ordem do ser que, na descrição de Husserl, apenas formalmente é adequado à relação noético-noemática. Devo contradizer, de maneira expressa, essa concepção. A passagem para a "fenomenologia material" se deu apenas na aparência e ao preço dessa confiabilidade pelo resultado, que, sozinho, garantiria um fundamento de direito ao método fenomenológico. Quando no desenvolvimento de Max Scheler as eternas verdades fundamentais se fluidificaram em uma súbita metamorfose, para ser banidas, no final, à impotência de sua transcendência, se pode ver nisso o infatigável impulso questionador de um pensamento que, só no movimento de um erro a outro, se transforma parcialmente em verdade. Mas o desenvolvimento enigmático e inquietante de Scheler poderá ser entendido com maior rigor que sob a simples categoria do destino espiritual individual. Ele mostra, antes, que a passagem da fenomenologia da região formal-idealista para a material e objetiva não só não poderia se realizar sem saltos nem dúvidas, como também que a imagem de uma verdade supra-histórica - que uma vez, de maneira tão sedutora, essa filosofia esboçou nos bastidores de uma completa e acabada doutrina católica - se confundiu e se desagregou, tão logo se buscou encontrá-la em cada realidade, cuja compreensão constituía precisamente o programa da "fenomenologia material". A última mudança de Scheler me parecer fundamentar seu real e exemplar direito no fato de ele reconhecer o salto entre as idéias eternas e a realidade, para superar o qual a fenomenologia se adentrou na esfera material - reconhecidamente material-metafísica em si mesma -, abandonando assim a realidade a um cego impulso, cuja relação com o céu das idéias é obscuro, problemático e não se deixa mais espaço nem para o mais leve traço de esperança. Em Scheler a fenomenologia material se volta dialeticamente para si mesma: de seu projeto ontológico resta apenas a metafísica do impulso; a eternidade última, de que sua filosofia dispõe, é a eternidade de uma ilimitada e ingovernável dinâmica. Sob o aspecto deste voltar-se-para-si-mesmo da fenomenologia, também a doutrina de Martin Heidegger se apresenta diferente, deixa-se manifestar como o "pathos do começar-de-novo" e explica seu efeito a partir do exterior. Em lugar da pergunta sobre as idéias objetivas e sobre o ser objetivo, em Heidegger, pelo menos nos escritos publicados, surge o subjetivo; a exigência da ontologia material se reduz à esfera da subjetividade, em cujas profundezas busca o que não pode encontrar na incerta plenitude da realidade. Por isso não é casual, nem mesmo na perspectiva histórico-filosófica, que Heidegger retroceda justamente ao último projeto da ontologia subjetiva, que o pensamento ocidental produziu: a filosofia existencial de Sören Kierkegaard. Mas o projeto de Kierkegaard se rompeu e é irreparável. A dialética enfática de Kierkegaard não foi capaz de atingir nenhum ser solidamente fundado na subjetividade; a desesperança, em que se desmoronou a subjetividade, foi o último abismo, que se lhe abriu; uma desesperança objetiva, que transforma o projeto do ser-em-subjetividade em um projeto do inferno; ela não consegue se salvar deste lugar infernal a não ser através de um "salto" na transcendência, que permanece irreal, sem conteúdo e um mero ato subjetivo do pensamento, e que encontra seu sentido supremo no paradoxo de que ali o espírito subjetivo deve sacrificar-se a si mesmo e para isso deve manter a fé, cujo conteúdo - casualmente para a subjetividade - brota somente da Bíblia. Heidegger só é capaz de se esquivar de tal conseqüência pela aceitação de uma realidade "dada", adialética por princípio e historicamente pré-dialética. Porém o salto e a dialética negativa do ser subjetivo constituem, no caso, a única justificativa disso: só que a análise do que se encontra - em que Heidegger permanece vinculado à fenomenologia e se diferencia, por princípio, da especulação idealista de Kierkegaard - impede a transcendência da fé e sua espontânea comoção pelo sacrifício do espírito subjetivo; em seu lugar apenas reconhece uma transcendência em direção ao "ser-assim" vital, cego e obscuro: na morte. Com a metafísica da morte de Martin Heidegger a fenomenologia confirma um desenvolvimento, que Scheler já inaugurara com a doutrina do impulso. Não se pode silenciar que, com ela, a fenomenologia está em vias de se acabar nesse vitalismo, contra o qual, em sua origem, lutou: a transcendência da morte em Simmel só se diferencia da heideggeriana pelo fato de ela insistir em categorias psicológicas, onde Heidegger fala em categorias ontológicas, sem que no objeto - por exemplo na análise do fenômeno da angústia - se pudesse encontrar um meio mais seguro de distingui-las. É consentâneo com essa maneira de se entender - transição da fenomenologia ao vitalismo - o fato de que Heidegger só soube se esquivar da segunda grande ameaça à ontologia fenomenológica, a do historicismo, ontologizando o tempo e colocando-o como constituinte da essência humana: através disso o esforço da fenomenologia material para buscar o eterno no ser humano se dissolve paradoxalmente: só a temporalidade permanece como eterna. Às pretensões ontológicas eram suficientes apenas as categorias, de cuja hegemonia a fenomenologia queria desobrigar o pensamento: mera subjetividade, mera temporalidade. Com o conceito de "estar lançado" (Geworfenheit), colocado como a última condição do ser humano, se torna a vida tão cega e vazia de sentido em si mesma, como só o era na filosofia da vida, e a morte sabe atribuir algum sentido positivo tanto aqui como ali. A pretensão de totalidade do pensamento foi arremessada de volta ao pensamento mesmo e finalmente também aqui quebrantada. É preciso apenas compreender a estreiteza das categorias existenciais de Heidegger - estar-lançado, angústia e morte -, impotentes para banir a plenitude do vivente, e o puro conceito de vida se apodera completamente do projeto ontológico heideggeriano. Se não se engana, com essa ampliação prepara já a decadência definitiva da filosofia fenomenológica. Pela segunda vez a filosofia se encontra impotente diante da pergunta pelo ser. Ela se encontra tão pouco capaz de descrever o ser como independente e fundamental, como antes se encontrava para desenvolvê-lo a partir de si mesma. pela precisão analítica.

Ingressei na mais recente história da filosofia não por intenção e orientação geral da história do espírito e sim porque a questão da atualidade da filosofia unicamente se depreende com precisão do entrelaçamento histórico de perguntas e respostas. E, na verdade, depois do fracasso dos esforços em prol de uma filosofia grande e total, se apresenta uma forma mais singela: se a filosofia é absolutamente atual. Por atualidade não se entende uma vaga "caducidade" ou não caducidade, com base em idéias arbitrárias, da situação espiritual geral, e sim, ao contrário: se, depois do fracasso dos últimos grandes esforços, existe ainda alguma adequação entre as questões filosóficas e a possibilidade de respostas: se realmente o resultado da história do problema mais recente não é a impossibilidade, por princípio, de resposta para as questões filosóficas cardeais. A questão não deve, de modo algum, ser tomada como retórica e sim literalmente; toda filosofia, que, nos dias de hoje, não depende da segurança da situação espiritual e social existente e sim da verdade, se vê em confronto com o problema da liquidação da própria filosofia. A liquidação da filosofia tem sido empreendida, com uma seriedade jamais vista, por parte da ciência, particularmente da lógica e da matemática; uma seriedade que tem seu próprio peso, porque há muito tempo as ciências particulares, e também as ciências matemáticas da natureza, se despojaram do aparato conceitual da natureza, que as fizera submissas no século XIX à teoria idealista do conhecimento, e nelas o conteúdo da crítica do conhecimento tomou corpo plenamente. Com ajuda de métodos mais precisos da crítica epistemológica, a lógica mais avançada - eu penso na nova escola de Viena, que se originou com Schilick, e que hoje, continuada por Carnap e Dubislav, opera em estreita relação com a logística e com Russell - age para restringir exclusivamente à experiência todo conhecimento propriamente pesquisado e para classificar como enunciados analíticos, meramente tautológicos, todos os enunciados que ultrapassam o âmbito da experiência e sua relatividade. Segundo isso, a pergunta kantiana pela constituição dos juízos sintéticos a priori carece simplesmente de fundamento, porque não existem absolutamente tais juízos; fica proibido qualquer rebaixamento da faculdade de verificação pela experiência; a filosofia se converte apenas em instância de ordenação e de controle das ciências particulares, sem poder acrescentar nada aos resultados essenciais das ciências particulares. A esse ideal científico de filosofia lhe corresponde simplesmente, como complemento e apêndice - não, na verdade, para a escola de Viena, mas para toda concepção que queira defender a filosofia da pretensão exclusiva de cientificidade e que reconheça a si mesma nessa pretensão -, um conceito de poesia filosófica, cuja arbitrariedade para com a verdade só se torna superada por seu estranhamento à arte e inferioridade estética; seria preferível liquidar terminantemente a filosofia e dissolvê-la nas ciências particulares, que vir em sua ajuda com um ideal literário que nada significa a não ser uma má roupagem ornamental de falsas idéias.

Em todo caso, deve-se dizer que, por princípio, a tese da dissolução de todas as construções filosóficas em ciências particulares de modo algum está hoje livre de qualquer dúvida, e sobretudo que essa tese não está, em absoluto, tão livre de pressuposições filosóficas, como se supõe. Quisera eu recordar apenas dois problemas que não se podem resolver com essa tese: primeiro, o problema da significação do "dado", categoria fundamental de todo empirismo, em que se continua colocando a questão do sujeito correspondente, só possível de se responder histórico-filosoficamente: pois o sujeito do dado não é a-históricamente idêntico, transcendental, antes assume uma forma historicamente mutável e compreensível. No marco do empiriocriticismo, inclusive em sua versão mais moderna, este problema não foi colocado e se aceitou ingenuamente em seu lugar o ponto de partida kantiano. O outro problema é-lhe familiar nesse marco, mas só foi resolvido arbitrariamente e sem nenhum rigor: o da consciência alienada, do eu alienado, que para o empiriocriticismo só pode ser acessível por analogia, só pode ser construído posteriormente, com base na própria vivência; pois o método empiriocriticista já pressupõe necessariamente uma consciência alienada na linguagem, de que dispõe, e em seu postulado da verificabilidade. Simplesmente pela colocação desses dois problemas, a teoria da escola de Viena já se insere nessa continuidade filosófica, da qual queria ficar separada. Não obstante isso, nada se coloca contra a extraordinária importância dessa escola. Vejo sua relevância por que - graças ao rigor com que formula o que na filosofia é ciência - ressalta os contornos de tudo que, na filosofia, depende de outras instâncias diferentes da lógica e das ciências particulares e não porque tenha conseguido realmente a projetada passagem da filosofia à ciência. A filosofia não se transformará em ciência, mas sob a pressão dos ataques empiristas banirá todos os posicionamentos que, por serem especificamente científicos, são devidos às ciências particulares e obscurecem os posicionamentos filosóficos. Não me parece que a filosofia deva desistir outra vez do contato com as ciências particulares ou afrouxar essa ligação que, por fim, voltou a conquistar e que se coloca entre os resultados mais afortunados da mais recente história da filosofia. Ao contrário. A filosofia só poderá conseguir plenitude material e concreção dos problemas a partir do estado contemporâneo das ciências particulares. Por sua vez a filosofia não poderia elevar-se acima das ciências particulares para tomar delas os resultados como algo pronto e meditar sobre eles a uma distância mais segura. Os problemas filosóficos se encontram continuamente, e, em certo sentido, indissoluvelmente encerrados nas questões mais definidas das ciências particulares. A filosofia não se distingue da ciência, como assume hoje em dia uma opinião trivial, por força de um grau mais alto de generalidade; nem pela abstração das categorias, nem pela natureza do material se separa ela das ciências. A diferença muito mais central é a ciência particular aceitar seus resultados, pelo menos seus últimos e mais fundamentais resultados, como insolúveis e suspensos em si mesmos, enquanto que a filosofia considera o primeiro achado, com que se depara, como um sinal que a desafia a decifrar. Dito de uma forma mais simples: a idéia da ciência é investigação, a da filosofia interpretação. Nisto persiste o grande, talvez o perpétuo paradoxo: a filosofia deva proceder interpretando cada vez mais com a pretensão da verdade, sem possuir nunca uma chave segura de interpretação; que nas figuras-enigma do existente e em seus admiráveis entrelaçamentos não lhe sejam dados mais que fugazes indícios, que se esfumam. A história da filosofia outra coisa não é que a história de tais entrelaçamentos; por isso lhe são atribuídos poucos "resultados"; por isso continuamente deve-se começar de novo; por isso não pode ela prescindir do mais insignificante fio que o tempo passado entrelaçou e, quem sabe, complete a trama que poderia transformar as cifras em um texto. A idéia de interpretação também não coincide de modo algum com o problema da busca de um "sentido", com que se confunde a maioria das vezes. Não é tarefa da filosofia demonstrar nem justificar tal sentido como dado positivamente, nem a realidade como "cheia de sentido". Toda justificativa do existente é vedada pela ruptura no próprio ser; nossas imagens perceptivas sempre podem ser figuras de que o mundo em que vivemos, e que se constitui diferente de meras imagens perceptivas, não é assim; o texto que a filosofia tem de ler é incompleto, contraditório e fragmentário e grande parte dele pode estar entregue a cegos demônios. Talvez a leitura seja precisamente nossa tarefa, para que lendo aprendamos a conhecer melhor e a banir os poderes demoníacos. Por outro lado, a idéia de interpretação não exige a aceitação de um outro, de um "atrás-do-mundo", que pode se tornar acessível pela análise do que aparece. È o dualismo do inteligível e do empírico, tal como Kant o estabeleceu, e como, segundo a perspectiva pós-kantiana, já tinha sido afirmado em Platão, cujo céu das idéias, contudo, permanece aberto ao espírito e irremovível; esse dualismo se inclui antes na idéia de investigação que na de interpretação, idéia de investigação que espera a redução da pergunta a elementos dados e conhecidos, em que nada seria necessário a não ser a resposta. Quem interpreta, quando procura atrás do mundo dos fenômenos um mundo em si, que lhe serve de base e o sustenta, se comporta como alguém que quisesse procurar no enigma a reprodução de um ser que se encontra detrás, que o enigma reflete, em que se deixa sustentar; enquanto que a função para a solução do enigma é iluminar como um relâmpago a sua figura e fazê-la emergir, e não teimar em ir até o fundo do enigma e assemelhar-se a ele. A autêntica interpretação filosófica não aceita um sentido que já se encontra pronto e permanente por detrás da questão, e sim a ilumina repentina e instantaneamente e, ao mesmo tempo, a consome. E assim como as soluções dos enigmas se formam quando os elementos singulares e dispersos da questão são colocados em diferentes ordenações, até que se juntam em uma figura, da qual se salta para fora a solução, enquanto a questão desaparece, da mesma maneira a filosofia tem de dispor seus elementos, que recebe das ciências, em constelações mutáveis, ou, para usar uma expressão menos astrológica e cientificamente mais atual, em diferentes tentativas de ordenação, até que ela se encaixe em uma figura legível como resposta, enquanto, simultaneamente, a questão se desvanece. Não é tarefa da filosofia investigar intenções ocultas e preexistentes da realidade, mas interpretar uma realidade carente de intenções, mediante a capacidade de construção de figuras, de imagens a partir dos elementos isolados da realidade; ela levanta as questões, cuja investigação exaustiva é tarefa das ciências2; uma tarefa à qual a filosofia permanece continuamente vinculada, porque sua intensa luminosidade não conseguiria inflamar-se em outro lugar a não ser contra essas duras questões. Aqui se pode procurar a afinidade, aparentemente tão assombrosa e surpreendente, que existe entre a filosofia interpretativa e esse tipo de pensamento que rechaça com o máximo vigor a noção do intencional, do significativo da realidade: o materialismo. Interpretação do desprovido de intenção, mediante a combinação de elementos analiticamente separados, e iluminação do real mediante essa mesma interpretação: este é o programa de todo o autêntico conhecimento materialista; um programa ao qual se adequará o procedimento materialista tanto mais quanto se distanciar do correspondente "sentido" de seus objetos, e menos se relacionar com um sentido implícito, por exemplo, o religioso. Pois, há muito, a interpretação se separou de toda pergunta pelo sentido, ou dito da mesma maneira: os símbolos da filosofia foram derrubados. Se a filosofia deve aprender a renunciar à questão da totalidade, isso significa de antemão que ela deve aprender a conviver sem a função simbólica, em que, até agora, pelo menos no idealismo, o particular parece representar o universal; abandonar os grandes problemas por cuja grandeza queria antes a totalidade se responsabilizar, enquanto hoje a interpretação se escorrega por entre as largas malhas dos grandes problemas. Se hoje, realmente, a interpretação só se desenvolve através da combinação de elementos mínimos, então não há mais porque participar dos grandes problemas no sentido tradicional, ou apenas do procedimento que faça condensar em um resultado concreto a questão da totalidade, que antes parecia representar simbolicamente. A desconstrução em pequenos elementos desprovidos de intenção se conta, pois, entre os pressupostos fundamentais da interpretação filosófica. A virada para a "escória do mundo dos fenômenos", que proclamara Freud, tem valor para além do âmbito da psicanálise, assim como a virada da filosofia social mais avançada em direção à economia origina-se não só do predomínio empírico da economia, e sim igualmente da exigência imanente da interpretação filosófica. Se a filosofia quisesse hoje perguntar pela relação absoluta entre coisa-em-si e fenômeno, ou para aproveitar uma formulação mais atual, pelo sentido do ser, ou ela ficaria parada em uma arbitrariedade formal ou se fenderia em uma pluralidade de possíveis, arbitrários e ideológicos pontos de vista. Estabelecido isto – dou um exemplo a título de experimento mental, sem afirmar sua realização efetiva – estabelecido que seja possível agrupar os elementos de uma análise social de modo que sua inter-relação forme uma figura, em que é suprimido cada momento particular; uma figura que, com certeza, não preexiste organicamente e sim deve ser produzida: a forma mercadoria. Então não foi de modo algum resolvido, com isso, o problema da coisa-em-si, como Lukács pensava a solução; pois o conteúdo de verdade de um problema é, por princípio, diferente das condições históricas e psicológicas, a partir das quais ele se desenvolve. Porém seria possível que, diante de uma construção satisfatória da forma mercadoria, o problema da coisa-em-si simplesmente desapareça: que a figura histórica da forma mercadoria e do valor de troca, à semelhança de uma fonte de luz, ponha a descoberto a configuração de uma realidade, na busca de cujo sentido ulterior se esforçava em vão a investigação do problema da coisa-em-si, porque não há nenhum sentido ulterior que fosse separável de sua aparição histórica, primeira e única. Não desejo colocar aqui asserções materiais, mas apenas indicar a direção em que consigo ver as tarefas da interpretação filosófica. Se essas tarefas estivessem formuladas corretamente, algo estaria, em todo caso, ajustado a questões de princípio filosóficas, cuja colocação explícita eu quisera evitar. Para ser preciso: a função que a questão filosófica tradicional aguardava das idéias supra-históricas e de significação simbólica seria realizada por idéias intra-históricas e constituídas de maneira não simbólicas. Porém assim se teria também colocado de modo fundamentalmente diferente a relação entre ontologia e história, sem que por isso se fizesse necessário o artifício de se ontologizar a história como totalidade, em forma de mera "historicidade", com o qual se perderia qualquer tensão específica entre interpretação e objeto, e permaneceria exclusivamente um historicismo maquiado. Em vez disso, minha concepção de história não seria como a do lugar de onde as idéias provém, se levantam de maneira autônoma e voltam a desaparecer, e sim que as imagens históricas seriam em si mesmas semelhantes a idéias, cuja inter-relação constitui verdade desprovida de intencionalidade, em lugar de a verdade sobrevir como intenção na história. Interrompo aqui o pensamento, pois afirmações gerais em parte alguma seriam tão questionáveis como para uma filosofia que quisesse excluir de si mesma afirmações abstratas e gerais, que só precisaria delas na situação de necessidade de uma transição. Por isso quero indicar um segundo entrelaçamento essencial entre filosofia interpretativa e materialismo. Dizia antes: a resposta ao enigma não é o "sentido" do enigma, de modo que ambos pudessem subsistir ao mesmo tempo; que a resposta estivesse contida no enigma; que o enigma desse forma exclusiva à sua aparição e encerrasse a resposta em si mesmo como intenção. Pelo contrário, a resposta está em estrita antítese com o enigma; necessita ser construída a partir dos elementos do enigma e destrói o enigma – que não é algo pleno de sentido, e sim desprovido de sentido – tão logo lhe seja dada a resposta convincente. O movimento que aqui se executa como jogo, o materialismo executa com seriedade. Seriedade significa, aqui, que a resposta não permanece no espaço fechado do conhecimento e sim que é a práxis que lha dá. A interpretação da realidade com que se encontra e sua superação se relacionam entre si. Na verdade a realidade não é superada no conceito; porém a partir da construção da figura do real se segue sempre e prontamente a exigência de sua transformação real. O gesto transformador do jogo do enigma – não a mera solução como tal – dá o protótipo das soluções, de que unicamente a práxis materialista dispõe. A essa relação o materialismo denominou com um termo filosoficamente reconhecido: dialética. Só dialeticamente me parece possível a interpretação filosófica. Quando Marx reprovava aos filósofos que apenas haviam interpretado o mundo de diferentes formas, que apenas o haviam confrontado, tratava-se de transformá-lo, essa frase não somente é legitimadora da práxis política e sim também da teoria filosófica. No aniquilamento da pergunta se confirma a autenticidade da interpretação filosófica e o puro pensamento não é capaz de levá-la a cabo a partir de si mesmo; por isso leva à práxis forçosamente. É supérfluo procurar uma concepção de pragmatismo, em que teoria e práxis explicitamente se cruzem de tal maneira, como na dialética.

Assim como seguramente sou consciente da impossibilidade de executar o programa que lhes apresentei – uma impossibilidade que não deriva apenas do apertado do tempo e sim que se dá de forma geral, precisamente porque, enquanto programa, não se deixa executar em plenitude e generalidade –, também me vejo na obrigação de lhes dar algumas indicações. Em primeiro lugar, a idéia da interpretação filosófica não retrocede diante dessa liquidação da filosofia, que, me parece, sinaliza, pelo seu malogro, as últimas pretensões filosóficas da totalidade. Pois a rigorosa exclusão de todas as questões ontológicas no sentido tradicional, o evitar conceitos gerais invariáveis – também o de ser humano, por exemplo –, a supressão de toda noção de uma totalidade auto-suficiente do espírito, inclusive a de uma "história do espírito", fechada em si mesma; a concentração de perguntas filosóficas sobre complexos intra-históricos concretos, dos quais não se deveriam desprender: estes postulados se tornam extremamente parecidos a uma dissolução que, até o presente momento, se chamava filosofia. Visto que o pensamento filosófico do presente, pelo menos o oficial, se manteve afastado até o momento de tais exigências, ou, quando muito pretende assimilar algumas delas dulcificadas, a crítica radical do pensamento filosófico dominante parece ser uma das tarefas primeiras e mais atuais. Não temo a reprimenda de negatividade estéril – uma expressão que certa vez Gottfried Keller chamou de "expressão de bolo natalino". Se de fato a interpretação filosófica só se pode dar dialeticamente, então o primeiro ponto de ataque dialético lhe oferece uma filosofia que cultiva aqueles problemas, cuja supressão parece urgentemente mais necessária que o acréscimo de uma nova resposta a tantas antigas. Só uma filosofia, por princípio, adialética, orientada para uma verdade sem história, poderia presumir que se abandone os antigos problemas, esquecendo-os e começando "fresquinhos" do início. A ilusão de um começo é precisamente o que, por primeiro, se submete à crítica na filosofia de Heidegger. Só na mais estreita comunicação dialética com as mais recentes tentativas de solução, que se deram na filosofia e na terminologia filosófica, pode-se conseguir uma verdadeira transformação da consciência filosófica. Essa comunicação terá que buscar seu material nas ciências particulares e, principalmente, na sociologia, que cristaliza pequenos elementos, desprovidos de intencionalidade, e, no entanto, vinculados ao material filosófico, tal como necessita o agrupamento interpretativo. Um dos filósofos acadêmicos mais influente na atualidade deve ter respondido à pergunta sobre a relação da filosofia com a sociologia mais ou menos assim: enquanto o filósofo, à semelhança de um arquiteto, oferece e desenvolve o projeto de uma casa, o sociólogo seria o que escala as fachadas, o que de fora galga as paredes e vai em busca do que está a seu alcance. Inclinar-me-ia a aceitar a comparação e a interpretá-la em favor da função da sociologia em relação à filosofia. Pois a casa, essa grande casa, há tempo arruinou-se nos fundamentos e ameaça não apenas massacrar todos os que se encontram nela, mas também corre o risco de se perder todas as coisas que ali estão guardadas, e, algumas delas são insubstituíveis. Se o escalador de fachadas rouba algumas coisas, avulsas, freqüentemente coisas semi-esquecidas, fará ele um bom trabalho, pois elas serão salvas; ele, porém, ficará com elas pouco tempo, pois elas lhe são de pouco valor. Com certeza o reconhecimento da sociologia pela interpretação filosófica precisa de alguma restrição. Para a filosofia interpretativa trata-se de fabricar uma chave que abra de golpe a realidade. E quanto à medida das categorias-chave, a coisa se coloca de modo singular. O antigo idealismo escolheu umas grandes demais; não entraram de maneira alguma no olho da fechadura, O puro sociologismo filosófico as escolhe muito pequenas; a chave entra, mas a porta não se abre. Uma grande parte dos sociólogos levam o nominalismo tão longe, que os conceitos se tornam muito pequenos para alinhar os demais a seu redor, para dispô-los em constelação. Fica para trás um conjunto ilimitado, inconseqüente de meras definições "destas daí", que se burla de toda organização pelo conhecimento e que não apresenta nenhuma medida crítica. Assim se superou, por exemplo, o conceito de classe, substituindo-o por um sem número de descrições de grupos particulares, sem poder mais ordená-los em unidades superiores, ainda que se apresentem aparentemente como tais no empírico; ou se privou um dos mais importantes conceitos, o de ideologia, de todo seu rigor, quando se o definiu formalmente como a correspondência de determinados conteúdos da consciência com determinados grupos, sem permitir que jamais se levante a questão da verdade ou inverdade do conteúdo mesmo. Essa espécie de sociologia se insere em uma espécie de relativismo generalizado, cuja generalidade pode ser tão pouco conhecida pela interpretação filosófica, como qualquer outra, e que, para corrigi-la, dispõe o método dialético de um instrumental adequado. No manejo do material conceitual pela filosofia eu não perco de vista as formas de agrupamento e ordenação da investigação, da constelação e da construção. Pois, as imagens históricas, que não constituem o sentido da existência, mas resolvem e dissolvem suas questões, essas imagens não são dadas por si mesmas. Elas não se encontram organicamente prontas na história; não é preciso nem visão, nem intuição alguma para descobri-las, não são mágicas divindades da história, para serem aceitas e veneradas. Ainda mais: elas devem ser feitas pelos homens e só se justificam por fim ao destruir, com uma evidência fulminante, a realidade em torno de si. Aqui elas se diferenciam radicalmente dos arquétipos arcaicos, míticos, que a psicanálise encontra e que Klages espera preservar como categorias de nosso conhecimento. Podem coincidir com eles em cem traços; diferenciam-se, porém, ali onde descrevem sua inexorável trajetória até o mais alto do homem; são manejáveis e compreensíveis, instrumento da razão humana, inclusive onde parecem organizar, objetivamente em seu redor, o ser objetivo como centros magnéticos. São modelos com os quais a ratio se avizinha provando e comprovando uma realidade, que recusa a lei, mas que o esquema de modelos é capaz de imitar cada vez mais, na medida em que esteja corretamente traçado. Pode-se ver aqui uma tentativa de retomar uma antiga concepção de filosofia, que formulara Bacon e em prol da qual Leibniz, durante toda vida, se buscara apaixonadamente: uma concepção diante da qual o idealismo sorria, como um capricho: a da ars inveniendi. Qualquer outro entendimento dos modelos seria gnóstico e inadmissível. O organon dessa ars inveniendi é a fantasia. Uma fantasia exata; fantasia que se atém estritamente ao material que as ciências lhe oferecem, e só vai mais além nos detalhes mínimos de sua estruturação: detalhes que, certamente, ela deve oferecer espontaneamente e a partir de si mesma. Se a idéia de interpretação filosófica, que me propus a desenvolver diante dos senhores, tem alguma vigência, isso se pode expressar como a exigência de dar resposta, a todo momento, às questões da realidade circundante pela fantasia que reagrupa os elementos da questão, sem rebaixar a extensão dos elementos, cuja exatidão se torna controlável pelo desaparecimento da questão.

Eu sei bem que muitos, quem sabe a maioria dos senhores, não estão de acordo com o que aqui apresento. Não só o pensamento científico e, ainda mais, a ontologia fundamental contradizem minhas convicções sobre as tarefas atuais da filosofia. Pois bem, um pensamento que parte de relações objetivas e não da isolada concordância consigo mesmo, não costuma defender seu direito à existência, refutando as objeções que se lhe opõem e se lhe impõem irrefutavelmente, e sim (refutando-as) por sua fecundidade, no sentido em que Goethe manuseou o conceito. Contudo, quem sabe me seja permitido dizer uma palavra a respeito das objeções mais atuais, não como eu as formulei, e sim como os representantes da ontologia fundamental as expressaram, e que me levaram à formulação de uma teoria, segundo a qual eu, até agora, na prática exclusivamente tenho desencaminhado a interpretação filosófica. É também central a objeção de que subjaz à minha concepção um conceito de ser humano, um projeto de existência; e, apenas por uma angústia cega diante do poder da história, me assustaria desenvolver clara e conseqüentemente essas invariantes e, por isso, as deixei na penumbra; no lugar delas eu concedi à facticidade histórica, ou à sua ordenação, o poder que propriamente corresponde às invariantes, às peças ontológicas fundamentais; pratiquei a idolatria do ser historicamente produzido, fiz a filosofia perder qualquer padrão de medida constante, condenei a filosofia a um jogo estético de imagens e transformei a prima philosophia em ensaísmo filosófico. Diante dessas objeções, novamente só posso sustentar que reconheço a maior parte do conteúdo de suas afirmações, e que as considero filosoficamente legítimas. Não sou eu que devo decidir se subjaz à minha teoria uma determinada concepção de homem e de existência. Porém eu discuto a necessidade de se recorrer a ela. Essa é uma exigência idealista, que parte do absoluto, que só o pensamento puro pode executar consigo mesmo; uma exigência cartesiana que julga poder levar o pensamento à forma dos pressupostos conceituais de seus axiomas. Uma filosofia assim – que já não mais se importa com a suposição de sua autonomia, que não acredita mais na realidade fundada na ratio, e que admite continuamente o esfacelamento da legislação racional autônoma por parte de um ser que não se amolda e nem se projeta como totalidade racional – não trilhará até o fim o caminho dos pressupostos racionais e sim permanecerá situada ali onde invade a irredutível realidade; se ela se adentra para além da região dos pressupostos, só poderá conseguir algo de um modo puramente formal e ao preço dessa racionalidade, em que se situam suas tarefas. A irrupção do irredutível se realiza de uma forma historicamente concreta e por isso comanda a história do desenvolvimento do pensamento até seus pressupostos mais elevados. A produtividade do pensamento só é capaz de se confirmar dialeticamente na concreção histórica. Ambas estabelecem comunicação nos modelos. Quanto aos esforços em relação à forma dessa comunicação aceito agradavelmente a repreensão de ensaísmo. Os empiristas ingleses, assim como Leibniz, chamaram seus escritos filosóficos de ensaios, porque a violência da realidade recém explorada, contra a qual embatia seu pensamento, os impingia sempre à ousadia do intento. Só o século pós-kantiano perdeu junto com a violência da realidade a ousadia do intento. Por isso, o ensaio se transformou de uma forma da grande filosofia para uma forma menor da estética, sob cuja aparência, em todo caso, se refugiou uma correção da interpretação, sobre a qual não dispunha há muito tempo a própria filosofia em relação às grandes dimensões de seus problemas. Se com a ruína de toda segurança na grande filosofia o ensaio se mudou dali; se, com isso, ele se vinculou às interpretações limitadas, contornadas e não simbólicas do ensaio estético, isso não me parece condenável, contanto que escolha corretamente os objetos: conquanto que sejam reais. Pois o espírito não é capaz de produzir ou de compreender a totalidade do real; mas ele é capaz de irromper-se no pequeno, de fazer saltar no pequeno as medidas do meramente existente.

1. Título Original: Die Aktualität der Philosophie. In ADORNO, T. W. Philosophische Frühschriften. Band I. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996, pág. 325-344. Tradução de Bruno Pucci, prof. titular da Faculdade de Educação da UNIMEP e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa "Teoria Crítica e Educação", financiado pelo CNPq e FAPESP. Tradução cotejada com a versão castelhana de José Luis Arantegui Tamayo (Barcelona: Ediciones Paidós, 1991). Revisão da tradução de Newton Ramos de Oliveira e Antônio Álvaro Soares Zuin.

2. Cf. Walter Benjamin. Origem do drama barroco alemão. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense,1984 , pág. 49-79.

Fonte: http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=175:a-atualidade-da-filosofia&catid=11:sociologia&Itemid=22

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