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sexta-feira, 8 de maio de 2009

A cultura da vergonha, a cultura da culpa e a cultura da responsabilidade ética

Talvez todas as épocas tenham sido conturbadas, o que varia ao longo da história são as áreas onde os conflitos e as crises estruturais ocorrem. É nessas áreas que se situam os desafios mais importantes que a humanidade tem que resolver em cada momento da sua marcha rumo ao futuro.

E esses desafios assumem a forma de problemas colectivos que batem à porta, por assim dizer, dos indivíduos. Todos são convocados para a resolução desses problemas. E isso manifesta-se, a um nível mais englobante, na forma como as instituições se organizam. Os laboratórios científicos, por exemplo, não investigam todos os problemas que estão abertos à investigação científica em cada um dos seus domínios, há prioridades económicas, sociais, políticas e culturais que determinam o que se investiga e, até, o ritmo da investigação.

Ora, penso que não andaremos longe da verdade se considerarmos que o grande desafio da nossa época é o da responsabilidade ética, assumida a todos os níveis da acção humana, seja a nível individual, seja a nível colectivo. Essa responsabilidade abarca o horizonte da consciência moral, individual, onde os sistemas de moral de origem religiosa ou ideológica parecem insuficientes para satisfazer as exigências morais dos indivíduos, mas não se esgota nele. De facto, os homens de hoje, dada a evolução das tecnologias da informação, vêem alargado o âmbito da sua intervenção, o que, como seria de esperar, alarga também o campo da responsabilidade dos indivíduos, quer em relação a si próprios, quer em relação aos outros. As mudanças estruturais das sociedades, bem como o cada vez maior contributo das descobertas científicas para a emancipação do indivíduo face a determinismos de carácter biológico, leva à falência desses sistemas de moral tradicionais que não conseguem dar resposta à ânsia de autonomia que parece ser uma tónica dominante, se bem que a ilusão e a alienação estejam presentes ao nível da nossa vida quotidiana, alimentadas pelos media e pelo consumismo. No entanto, a moral sexual nos dias de hoje tem que dar conta de uma imensidade de problemas e de exigências a que os sistemas de moral tradicionais não conseguem atender.

É aqui que a filosofia se torna indispensável. Pois a ética tende a substituir a moral.

Em vez de regras impostas de fora, a consciência moral do homem contemporâneo parece preferir a adesão a princípios de orientação da acção, assentes na liberdade e no primado da autenticidade do pensamento emancipado. Mesmo a razão como era vista no passado, na generalidade dos sistemas filosóficos, como uma faculdade tutelar desenraizada do pulsar da vida tal como ela se dá ao indivíduo, na sua radical busca de um sentido, tende a dar lugar a uma visão englobante do homem e do mundo, dentro da qual as dicotomias tradicionais (emoção/razão; razão/experiência; espírito/matéria; pensamento/acção,etc;.) têm que ser profundamente repensadas e, necessariamente, ultrapassadas.

A responsabilidade ética abre-se, também, a comportamentos e atitudes pertencentes à esfera pública, abarcando a atitude dos indivíduos, e das sociedades, perante o ambiente, as migrações, a guerra, o desenvolvimento sustentado.

Vemos que os sistemas de moral tradicionais estão imbuídos de unilateralismo, alimentando, muitas vezes, o fanatismo, a intolerância e a recusa do direito à diferença.

O terrorismo global, os fanatismos religiosos, a cegueira política que, muitas vezes, leva a que a expressão da vontade maioritária dê origem a formas intoleráveis de manipulação política, todas estas formas de culto da intolerância, são obstáculos à responsabilidade ética como desafio fundamental do nosso tempo.

Não estão já em causa, como no tempo da guerra fria, concepções opostas sobre a organização das sociedades, mas o direito à verdade existencial dos indivíduos, dos povos e das culturas. O terror dos campos de extermínio da 2ª guerra mundial (e de tantas outras formas de barbárie, como os Goulags, a tragédia cambodjana, etc., etc.) assentou precisamente nisso, na recusa da verdade existencial do outro. Decretou-se a inconformidade antropológica de grupos étnicos e de formas de estar na vida. E passou-se à prática.

Hoje em dia o problema do terrorismo assenta precisamente nisso, não basta não tolerar os outros, rebaixá-los à condição de seres inferiores, há que combater a possibilidade da sua existência. Não se combatem já as ideias, as ideologias, os valores religiosos e políticos, combate-se o direito à existência de todos aqueles que não estão em conformidade com certos sistemas de crenças e de valores.

E isso é vivido nas relações entre indivíduos na nossa sociedade, uma vez que esta tendência não nasce dentro de algumas culturas, mas é global. Assim, quando recusamos aos nossos vizinhos, aos nossos colegas de trabalho, aos nossos concidadãos, o direito de serem em verdade, na sua diferença, estamos a alimentar o monstro que gera as fomes e as guerras, dá origem ao terrorismo e à exclusão. A xenofobia, a exclusão social, o quietismo político-social em nome dum hedonismo consumista que torna tudo indiferente, são sintomas que devem levar a que devamos combater esse mal, começando por nós próprios, pela forma como olhamos para nós e para os outros.

A cultura da responsabilidade ética é uma exigência civilizacional que está profundamente enraizada na história da humanidade (e do Ocidente). Caracteriza-se pela emancipação do indivíduo em relação a tudo o que torna a diferença um impedimento à sua plena realização como pessoa. As diferenças entre sexos, por exemplo, não devem dar lugar à discriminação das mulheres (ou dos homens). As diferenças no que respeita à orientação sexual, por exemplo, não devem dar lugar, igualmente, a qualquer tipo de discriminação.

E só há uma vacina para essa doença, ou um antídoto para esse veneno: a argumentação, a discussão livre, a abertura à troca de ideias e de argumentos.

E neste aspecto os sistemas de ensino e de educação devem abandonar o modelo da massificação, próprio da era industrial, e devem abrir-se cada vez mais à diversidade.

Há um longo caminho de evolução dos sistemas de moral até à emergência da cultura da responsabilidade ética.

As sociedades tribais, de carácter predominantemente nómada, deram origem à que se pode chamar cultura da vergonha. Nestas culturas as regras morais fundamentam-se na submissão do indivíduo ao grupo consanguíneo, seja ele a família, a tribo, o clã ou, até mesmo, nas sociedades mais próximas de nós em termos históricos, a pátria. Nessa cultura a propriedade privada não é uma prioridade, pois os bens tendem a ser partilhados pelos membros do grupo familiar (podemos chamar-lhe assim). A moral sexual está intimamente ligada às normas que presidem ao comportamento dos indivíduos dentro do clã, ou da família próxima ou alargada. E a vida da comunidade familiar obedece a uma rigorosa hierarquia que o chefe de família (o patriarca ou a matriarca) como líder incontestável.

Neste tipo de cultura aplica-se o preceito "olho por olho, dente por dente" (a chamada lei de Talião). As infracções são punidas duma forma directa e rigorosamente proporcional. Se um indivíduo mata outro, é morto, muitas vezes da mesma forma. Por vezes a punição recai sobre um membro do mesmo clã a que pertence o ofensor. O que importa é a retribuição. Dentro deste tipo de sociedades a vingança é considerada um direito e um dever, invioláveis. Há muitos exemplo, nos dias de hoje, de sociedades que vivem ainda de acordo com este tipo de mentalidade. Entre nós a etnia cigana é um exemplo claro disto. E no mundo rural há ainda muitos afloramentos desta forma de viver os preceitos morais.

Mesmo na Grécia antiga, considerada o berço da civilização ocidental, as normas morais derivavam da cultura da vergonha.

Nesse tipo de sociedade não há distinção entre vida pública e vida privada. Todos os comportamentos dos indivíduos pertencem, por direito, à esfera pública. O indivíduo só encontra justificação para a sua existência e para a sua aceitação como pessoa de bem, no grupo familiar ou social. A reprovação social determina a desgraça moral. O aplauso social, determina, por sua vez, o reconhecimento da dignidade moral do indivíduo.

Pode ver-se que neste tipo de mentalidade a consciência moral dos indivíduos não é verdadeiramente autónoma, pois depende da sanção social. Não se colocando nunca a hipótese duma justificação do indivíduo contra a vontade colectiva.

E neste aspecto a condenação de Sócrates não deixa de ser, ao mesmo tempo, paradoxal e profundamente elucidativa.

Pois Sócrates, mesmo rejeitando o fundamento das acusações que lhe foram movidas, dá sempre prova da sua inegável conformidade com a vontade colectiva. Mesmo sabendo que é injustamente acusado e condenado, aceita a condenação em nome do seu dever (moral) como cidadão, que é o mesmo que dizer, como homem. Mesmo quando a sentença lhe confere a possibilidade de optar pelo exílio, evitando a sua execução, Sócrates coloca o dever cívico (moral) acima da sua sobrevivência física. Por esta razão recusa, igualmente, a fuga quando os seus amigos e discípulos se propõem subornar os carcereiros e os magistrados.

Esta atitude de Sócrates é responsável pela exigência do primado do Direito que, desde então, se impõe no mundo antigo, assumindo a sua mais clara expressão no Império Romano. Não que os desmandos não se sucedam. Mas essa preocupação está no centro da mundividência cívica que os Romanos impuseram ao mundo Ocidental.

Com o advento do cristianismo, uma outra forma de encarar o fundamento da moral se vai impor, progressivamente, ao mundo Ocidental.

A cultura da vergonha dá lugar à cultura da culpa (é de notar que em muitos casos as duas culturas coexistem). A origem da sanção moral é interiorizada. Mesmo que não exista uma sanção social em relação a qualquer comportamento individual, a consciência moral do indivíduo pode sancionar negativamente esse comportamento. Mais: mesmo a mera intenção de agir, por mais fantasiosa que seja, pode levar ao sentimento de culpa. Se um indivíduo tiver o desejo de praticar uma acção contrária ao seu dever moral, mesmo que não pratique, de facto, essa acção, ele sente-se culpado. Isto deriva da concepção cristã de pecado que ganha uma densidade diferente da que tinha a prática do mal no âmbito da cultura da vergonha. Nas sociedades centradas na vergonha, o "pecado" recaía sobre o grupo social e não só sobre o indivíduo que o praticava. E transmitia-se como uma doença infecciosa, ou genética. Os pecados dos pais recaíam sobre os filhos, muitas vezes transmitia-se por várias gerações. E com eles, o direito à vingança.

No cristianismo a condição de pecador é herdada geneticamente, por assim dizer (o pecado original), o que garante que todos os indivíduos são portadores de culpa e que a suspeita é legítima, mesmo em relação a pessoas que passem como honestas e boas aos olhos da sociedade. Assim todos são encarados como capazes de mal e é necessário que se interiorizem nos indivíduos mecanismos de vigilância e de punição que levem a que mesmo a interioridade da consciência, um reduto que escapa à vigilância externa, seja permanentemente escrutinada. Por isso, a educação tornou-se repressiva de tudo o que esteja ligado ao desejo e, principalmente, ao desejo sexual.

O medo e a culpa reinam sobre os indivíduos como fantasmas insaciáveis, pelo menos desde há dois milénios. O medo da justiça divina e o sentimento de inconformidade com os mandamentos divinos, aliado a um culto do sofrimento como forma de libertação, de redenção, mantiveram os indivíduos reféns da sua consciência, sem poderem assumir, de forma plena, a sua liberdade.

Se a cultura da culpa valoriza o indivíduo, não o liberta, não fomenta a sua autonomia, indispensável para que se eleve, de forma plena, à condição de Pessoa. E isto porque a fonte da legitimidade moral é exterior à consciência do indivíduo. Depende de Deus ou de qualquer outra instância que o substitua, como por exemplo, o Estado, o Partido, a Economia.

A cultura da responsabilidade ética nasce da exigência de valorização da Pessoa, a cima de quaisquer outras instâncias, enquanto indivíduo consciente de si e capaz de se auto-determinar, com base numa liberdade inalienável e constitutiva do ser do homem. Ser homem é ser livre. Fonte: http://www.espanto.info/av/3c.htm Imagem: Google

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A Argumentação e o agir comunicativo

Em qualquer ato comunicativo há um emissor, um receptor e um meio ou canal que permite que uma mensagem chegue do emissor ao receptor. E tanto o emissor como o receptor devem usar o mesmo código, caso contrário não há comunicação, em sentido pleno. Em quase todos os actos comunicativos há um retorno, há sinais que chegam ao emissor e que lhe dão uma noção, mais ou menos aproximada, sobre a forma como a sua mensagem é recebida. A isso chama-se feed-back.Se um determinado ato comunicativo é muito importante, então da parte do emissor tem que haver a preocupação de fomentar o feedback. Por exemplo, o professor deve ter a preocupação de saber se os seus alunos estão a apreender a matéria, fazendo perguntas e estando atento aos sinais que denotem problemas na forma como a matéria é captada pelos alunos. O mesmo acontece nas campanhas publicitárias, se as vendas dum produto não aumentam em consequência duma campanha, isso significa que ela foi mal planeada, pelo que há que proceder a ajustes que permitam alterar a situação.

Todos os nossos atos, voluntários ou involuntários, têm uma dimensão comunicativa, pois todos estão abertos à interpretação por parte dos outros. De fato, o espaço social é uma rede bastante complexa de interacções comunicativas. Se vamos no comboio e vemos as pessoas lá fora com o guarda-chuva aberto, ficamos a saber que está a chover. É raro depararmo-nos com comportamentos que não saibamos explicar: mesmo que não conheçamos os motivos de algum comportamento, nem a intenção do respectivo agente, fazemos conjecturas e, muitas vezes, isso basta-nos. Mas é claro que muitas vezes enganamo-nos e mais tarde mudamos a nossa opinião, mesmo que já possa ser demasiado tarde.

Os nossos comportamentos, mesmo os mais “inocentes”, como o estarmo-nos a dirigir-nos à mercearia, ou estarmos à espera do autocarro, estão continuamente a ser interpretados pelos outros.

Se é verdade que todos os nossos comportamentos ocorrem num ambiente comunicativo, mesmo quando fazemos actos involuntários, ou não queremos, em rigor, comunicar, também é verdade que as nossas acções (os nossos actos voluntários), são intrinsecamente comunicativos, mesmo quando não nos dirigimos directamente a alguém. É que a ação é estruturada pela racionalidade intencional, tal como acontece com quaisquer atos de comunicação: na ação há um agente, um motivo, uma intenção e um conjunto de consequências dessa mesma ação. Podemos concluir que no agir comunicativo o agente é emissor duma mensagem; essa mensagem é emitida por algum motivo e a mensagem é intencionalmente dirigida a um receptor, com o objetivo de provocar nele algum tipo de reacção (correspondendo isso às consequências da ação comunicativa).

Por exemplo: se há o perigo de propagação duma doença, pode ser difundido um alerta pelas autoridades sanitárias (emissor/agente) à população (receptor), com vista à alteração de comportamentos (consequências da acção), com o fim de evitar a propagação da doença (intenção).

Ora, a argumentação ocorre dentro desta estrutura do agir comunicativo. Em qualquer situação argumentativa, temos um agente/emissor, a que se convencionou chamar orador (mesmo quando estamos perante um discurso escrito), temos um receptor, a que chamamos auditório (que pode ser composto por um indivíduo –auditório singular; por um grupo de indivíduos – auditório particular; e por toda a humanidade, ou seja, pelo conjunto dos seres racionais – auditório universal), temos uma mensagem, geralmente um discurso (mas também pode ser um spot publicitário), e temos uma intenção, pois o orador tem por objectivo provocar a adesão do auditório à tese, ou teses, que estão em causa no acto argumentativo. Assim, o discurso argumentativo, ou as acções de carácter argumentativo, têm consequências junto do auditório.

Assim, perante uma qualquer acção argumentativa, podemos perguntar:

1.Quem? (Refere-se ao orador).

2. Diz o quê? (Refere-se à tese que é defendida, no fundo à mensagem).

3. A quem? (Refere-se ao auditório).

4. Porquê? (Refere-se ao motivo que tornou necessário o discurso).

5. Para quê? (Refere-se à intenção e às consequências que o orador quer alcançar).

6. Como? Com que argumentos? (Refere-se à estratégia argumentativa seguida pelo orador).

Cada um destes pontos está ligado a cada um dos outros: se mudarmos o orador, isso afeta o discurso e a forma como ele é recebido pelo auditório, uma vez que cada pessoa é portadora de uma conotação simbólica própria que afecta os seus atos comunicativos. Assim, um discurso proferido por um líder político ou religioso tem um impacto diferente do que teria se fosse proferido por um cidadão comum, mesmo que as palavras fossem as mesmas.

Se o auditório mudar, tudo o mais tem que mudar. Pois se nos dirigimos a pessoas com pouca instrução temos que usar um código adequado. Um discurso com impacto junto de um auditório de estudantes universitários, pode não ter impacto (ou o mesmo impacto) junto dum auditório de operários fabris ou de idosos.

Muito importante é a questão “para quê?”

A argumentação pode dirigir-se às emoções ou à razão do auditório. Há casos em que há complementaridade entre essas duas dimensões da nossa subjectividade. No entanto há tipos de discurso que se dirigem privilegiadamente a uma ou outra dessas dimensões. Isto leva a que existam dois tipos de argumentação: a argumentação persuasiva e a argumentação convincente.

Ao persuadir dirigimo-nos às emoções do auditório, procuramos uma adesão emocional às teses que defendemos. Para isso podem usar-se estratégias que não pertencem à esfera da racionalidade lógica. Pode incutir-se o medo, a nostalgia, a saudade, a alegria, enfim… E o discurso persuasivo pode conseguir uma adesão muito forte do auditório, podendo mesmo levar os homens a agir de determinada forma. No fundo, toda a argumentação pressupõe uma mudança comportamental do auditório, mas na argumentação persuasiva isso está mais presente, pois as emoções são uma fonte de motivação muito intensa. E aqui estamos a entrar num território que muitas vezes se confunde com a manipulação. Pois é possível levar os indivíduos inseridos numa multidão a fazer coisas que nunca fariam isoladamente.

O discurso da publicidade, sob todas as suas formas, é intensamente persuasivo. Visa mexer com as emoções do auditório, muitas vezes fazendo “curto-circuitos” cognitivos para impedir uma análise racional da mensagem. Daí a sua eficácia e também da necessidade da sua reiteração: a persuasão tem uma eficácia imediata muito grande, mas os seus efeitos a longo prazo são ténues, pois os seres humanos só apreendem de forma consistente e permanente aquilo que é mediado racionalmente. Por isso há muitos comportamentos que fazem moda que acabam por cair em desuso.

A persuasão pode também ser usada junto a auditórios pouco permeáveis a mensagens muito racionalizadas. Por isso são necessárias campanhas publicitárias (ou de cariz publicitário) para fazer passar mensagens ligadas a conhecimentos cientificamente comprovados, por exemplo, no campo da saúde (a luta contra a Sida é um exemplo tristemente eloquente) ou no campo da protecção do ambiente.

Na actualidade temos alguns exemplos de como a penetração das teses enunciadas pela ciência junto da população em geral encontra resistências muito sérias. O tabagismo é um exemplo, há muito que a ciência já demonstrou que o hábito de fumar acarreta consequências muito graves para a saúde de que o pratica (e para os chamados fumadores passivos). No entanto, a diminuição do número de pessoas que fumam está longe de ser uma evidência e a cada dia novas fumadores dão os primeiros passos nessa forma de dependência.

De igual modo, a prevalência da sida é um problema global que alastra de forma quase incontrolável, mesmo em sociedades ocidentais. Portugal é um triste exemplo disso mesmo. Se em zonas mais deprimidas do globo, com grande escassez de recursos, é “natural” que a mensagem da prevenção encontre muitos obstáculos, isso torna-se gritante nas sociedade ditas mais desenvolvidas, onde há muitas pessoas que, sabendo dos riscos, não tomam as devidas precauções no que toca ao sexo seguro. E há muitos comportamentos discriminatórios em relação às pessoas infectadas que, para além de irracionais, são desumanos e eticamente inaceitáveis.

Outra das áreas em que se pode notar resistências à verdade científica é na da protecção do ambiente. De facto, apesar das evidências, tarda a dar-se uma mudança radical dos comportamentos, dos indivíduos e dos estados, para travar o actual processo de destruição ambiental que já começa a ter efeitos à escala global e que se agrava a um ritmo muito acelerado, tornando cada vez mais problemáticas as perspectivas futuras de recuperação.

E em relação a estes temas há muita polémica, apesar da sua importância e de estarem suficientemente iluminados pela ciência, pelo menos ao ponto de poderem ser tomadas medidas decisivas para enfrentar os problemas por eles levantados. No que respeita ao tabagismo, a intolerância face aos fumadores que tem alastrado da sociedade americana para o resto do mundo, em vez de permitir debelar o problema, tem criado um clima pouco propício a uma argumentação séria, pois se tudo fizermos para desacreditar o auditório que queremos convencer ou persuadir, estamos a minar o caminho da argumentação. Ninguém pode ser persuadido ou convencido através da força ou do terror. E depois há dois tipos de estratégia (ou mais) de persuasão: o antitabagismo militante enfrenta no terreno as estratégias persuasivas da industria tabaqueira que tem mais poder que muitos estados. E os impostos sobre o tabaco, dada a sua importância nas finanças públicas, credibilizam mais o hábito de fumar do que contribuem para fomentar a atitude contrária.

Contudo, o campo da argumentação persuasiva oferece perigos sérios para o desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades democráticas. Só pode haver um exercício pleno de direitos cívicos e antropológicos se as sociedades apostarem fortemente na educação e no fomento da autonomia dos seus cidadãos. O campo da argumentação persuasiva desde a antiguidade está ocupado pela retórica e nos nossos dias conhece uma enorme expansão com a publicidade, o marketing político, tendo já conhecido formas muito agressivas de propaganda, sustentáculo de regimes totalitários que semearam o terror e a destruição. Por isso é importante que não se perca de vista a necessidade duma ética do agir comunicativo, assente não respeito da dignidade de cada sujeito e pela liberdade individual, no quadro duma racionalidade integradora (compreensiva) e fomentadora da autonomia dos sujeitos racionais, assente, a par disto, na rejeição de todas as formas de autoritarismo, de dogmatismo e de fanatismo. Pois as sociedades democráticas só podem desenvolver-se com uma opinião pública esclarecida (grande bandeira do Iluminismo) e se todas as áreas de actividade política (o que é o mesmo que dizer, humana e social) estiverem submetidas ao princípio da necessidade, do carácter imprescindível, da livre discussão de tudo o que estiver relacionado com a vida da sociedade.

Por isso, é necessário desburocratizar os estados democráticos, pois a governação de gabinete fomenta o secretismo da tomada de decisões e leva ao favorecimento de interesses particulares (de empresas, de partidos, de organizações mais ou menos formalizadas), atrasa as decisões, obstaculizando a acção dos indivíduos dentro da esfera do Direito, e promove poderes fáticos não sujeitos a um controlo democrático nem a sufrágio.

Mesmo a um nível mais restrito, por exemplo nas organizações mais pequenas, como as escolas, por exemplo, a ausência de discussão das principais decisões sobre a sua vida, empobrece-as, torna-as monolíticas, incapazes de acolherem opiniões divergentes, pontos de vista diferenciados sobre os assuntos, ficando nas mãos de uns quantos iluminados. Quanto menos pessoas participarem nas discussões decisivas, mais eficazes se tornam os processos, mais arrumadas ficam as coisas, mas a chama da criatividade esmorece e com isso a solidariedade, a tolerância, a valorização da diferença, a promoção da igualdade, tornam-se ilusórias. E basta abrirmos os manuais de história para vermos como os espíritos amantes da organização e da eficácia, conceitos tão caros às actuais sociedades tecnocráticas, foram capazes de tanto… Daí a importância da ética.

Assim, deve-se rejeitar qualquer forma de manipulação. Se há pessoas que não conseguem seguir uma argumentação racional, a sociedade tem antes que promover a educação, a “ilustração”, não vale o argumento de que temos que decidir pelos que não sabem. Se há pessoas que não são capazes de compreender o que está em causa nas discussões decisivas, então esse é um problema que a sociedade tem que resolver, a bem da democracia.

Não investir na educação (investir a sério) é comprometer o futuro, embora seja compreensível que o exercício do poder se torne mais fácil sem uma opinião pública forte, mas a democracia não assenta no exercício do poder, mas na sua sustentação numa vontade colectiva que se exprime, mais do que através do voto sazonal, através da participação dos cidadãos na discussão dos temas decisivos. E “participar”, neste sentido, não é apenas tomar parte efectiva das decisões, mas também prestar atenção ao que se passa, seguir com atenção a vida da sociedade e as tomadas de decisão que a afectam. Daí a importância da publicitação de tudo o que é decisivo (podemos falar em “princípio da publicidade” – mas não nos estamos a referir aos anúncios publicitários, mas à necessidade de tudo ser publicamente apresentado, sem subterfúgios, nem segredos desnecessários). Ora, este “princípio da publicidade” só se cumpre se houver um respeito fundacional pelo dever de informar e pelo direito à informação.

Mas voltemos à argumentação. A ética do agir comunicativo assenta num pequeno conjunto de princípios que passamos a apresentar:

1. Argumentar pressupõe a rejeição de qualquer recurso à violência e à coacção. Quem participa numa discussão (seja como orador ou como membro do auditório) deve fazê-lo sem estar sujeito a qualquer pressão ou coação externa.

2. Os participantes duma situação argumentativa devem respeitar-se mutuamente e devem situar-se num plano de igualdade, assente no respeito da dignidade de cada ser humano e, também, da Razão, encarada como uma faculdade intersubjectiva, que se exerce no confronto livre de ideias. Assim, ninguém deve considerar-se dono da Razão.

3. Em qualquer situação argumentativa são inadmissíveis quaisquer formas de deturpação da verdade ou de adulteração dos argumentos. Uma argumentação faliciosa é inválida e é inadmissível.

4. Quem argumenta deve considerar o outro (os membros do seu auditório) em pé de igualdade e deve estar aberto aos argumentos dos outros, bem como à possibilidade de mudar de opinião. Por isso que argumenta deve fazê-lo com pleno respeito pela racionalidade.

5. Quem faz parte dum auditório deve analisar criticamente a argumentação que lhe é dirigida, tendo sempre em conta que a racionalidade é um exercício livre e responsável do pensamento e do discurso.

6. O que está em causa numa situação argumentativa são as teses e os argumentos, não as pessoas. Numa discussão séria todos ganham, mesmo os que mudam de opinião, pois através dela os seus participantes fortalecem a sua Razão e fomentam a racionalidade das suas decisões e das suas relações com os outros homens.

7. Sempre que alguém tenha que tomar uma decisão que tenha um impacto colectivo, deve submetê-la a discussão. Se isso for impossível dentro de determinado contexto, a decisão deve ser baseada na aceitabilidade da tese que lhe serve de base por parte de um auditório representativo da racionalidade colectiva. Ninguém deve decidir contra a vontade colectiva devidamente esclarecida. Por isso é necessário que a opinião pública seja devidamente informada de tudo o que lhe diz respeito.

No que se refere ao ponto 7 por vezes surgem situações interessantes que mostram o que está verdadeiramente em causa. Por exemplo, o antigo presidente de França, François Miterrand, teve uma filha ilegítima de cuja existência a opinião pública francesa só teve conhecimento após a sua morte. Levantou-se a discussão sobre se esse facto deveria ter sido tornado público quando François Miterrand exercia cargos públicos e se submeteu a sufrágio.

Na verdade, a comunicação social teve conhecimento do facto, mas o mesmo não foi publicado por nenhum órgão de comunicação. Pode afirmar-se que a comunicação social não cumpriu o seu dever?

A resposta a esta questão é complexa. Podemos afirmar sem problemas que numa sociedade democrática contemporânea a vida privada dos cidadãos, exerçam eles cargos públicos ou não, não tem interesse público, a não ser que envolva comportamentos criminosos ou anti-sociais. Com a laicização das sociedades democráticas, a moral sexual e o comportamento sexual dizem respeito à livre escolha dos indivíduos, devendo ser uma preocupação do estado e da opinião pública quando são cometidos crimes ou atentados à dignidade das pessoas (por isso a pedofilia é inadmissível e, nesse caso, o comportamento dos indivíduos já é do interesse público). No caso em apreço, a comunicação social só deveria publicar a notícia, se esse facto tivesse algum impacto negativo no comportamento de François Miterrand no exercício dos seus cargos públicos. Já houve situações em que governantes contaram segredos de estado a amantes. Mas aí o problema não está no adultério, mas na quebra da confidencialidade que é um dever imposto pelo exercício de cargos públicos (isto não colide com o que já foi afirmado acima, uma vez que há situações em que certos factos devem ser mantidos em segredo, quando está em causa a segurança nacional, por exemplo).

E é de todos conhecida a história de Bill Clinton e do seu relacionamento íntimo com uma estagiária. Mas isso dava pano para mangas… Fonte: http://www.espanto.info/av/ac.htm

terça-feira, 5 de maio de 2009

Analise e reflita: PLENÁRIO / Pronunciamentos 30/04/2009 - 21h07 Pedro Simon propõe medidas para aprimorar atividade política e o próprio Congresso

[Foto: senador Pedro Simon (PMDB-RS)]

O senador Pedro Simon (PMDB-RS) apresentou em Plenário, nesta quinta-feira (30), sugestões que, em sua avaliação, poderiam contribuir para a melhoria da qualidade da atividade política no Brasil e do próprio Congresso Nacional.

Uma das primeiras mudanças necessárias, no entendimento do senador, seria a adoção do financiamento público das campanhas políticas. Segundo ele, o aparente "dispêndio inútil" de recursos públicos com as campanhas dos candidatos seria mais do que compensado pela retirada da participação financeira, por exemplo, de empreiteiras, que após as eleições "recobram fartamente as vultosas quantias investidas".

- Com que dinheiro o eleitor acha que é feita uma campanha atualmente? Será que uma empreiteira dá R$ 100 mil, R$ 200 mil, R$ 500 mil para um candidato porque ele é amigo ou porque está plantando para colher depois? - indagou.

Reclamando da impunidade reinante no país, o senador defendeu a não participação de candidatos com ficha suja nas eleições. Para que tal medida pudesse, contudo, ter aplicação prática, seria imprescindível que a Justiça realizasse o julgamento de candidatos sobre os quais houvesse qualquer acusação antes do final do prazo para inscrição no pleito.

Pedro Simon propôs ainda a implantação do voto distrital. Neste sistema, a metade das vagas para os parlamentos é distribuída pela regra proporcional e a outra metade, pelo sistema distrital. O eleitor tem dois votos para cada cargo: um para a lista proporcional (lista fechada) e outro para a disputa em seu distrito.

O senador também propôs que os trabalhos no Congresso sejam concentrados, com votações em todos os dias da semana, até que a pauta de cada mês seja esgotada. Na sua avaliação, isso iria reduzir os gastos com passagens aéreas, uma vez que cada parlamentar, em vez de ir e voltar de seu estado quatro vezes por mês, o faria apenas uma vez.

Simon reconheceu, no entanto, que tais modificações na práxis congressual somente se viabilizariam por força de pressões populares, uma vez que o corporativismo na Casa anularia quaisquer intenções moralizadoras internas.

- A gurizada [meninada, no linguajar gaúcho] de cara pintada na rua pode fazer essa campanha. E ela é mais fácil que a campanha das Diretas Já - disse o senador, lembrando que na época da campanha das Diretas havia grandes obstáculos a serem vencidos, como a resistência do próprio regime militar e o fato de as forças econômicas estarem do seu lado.

Em apartes os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF), Arthur Virgílio (PSDB-AM) e Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) manifestaram seu apoio ao pronunciamento de Pedro Simon. Cristovam, apontando para a necessidade de ampliação das discussões entre senadores de temas importantes para o país, considerou uma tarefa intrincada a implementação na prática das inovações propostas por Simon.

Arthur Virgílio lamentou também o excessivo dispêndio de tempo pelos parlamentares em discussões de menor importância, em vez de concentrarem na busca de convergências fundamentais para a votação leis de interesse da população. Antônio Carlos Valadares considerou importante a colocação de limites e a fixação de parâmetros para privilégios que são concedidos não somente a deputados e senadores, mas também a servidores do Congresso.
Da Redação / Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado) Fonte: http://www.senado.gov.br/agencia/verNoticia.aspx?codNoticia=90525&codAplicativo=2

A distinção entre argumentação e demonstração

“O que é que distingue a argumentação de uma demonstração formalmente correta?

Antes de tudo, o fato de, numa demonstração, os signos utilizados serem, em princípio, desprovidos de qualquer ambiguidade, contrariamente à argumentação, que se desenrola numa língua natural, cuja ambiguidade não se encontra previamente excluída. Depois, porque a demonstração correta é uma demonstração conforme a regras explicitadas em sistemas formalizados. Mas também, e insistimos neste ponto, porque o estatuto dos axiomas, dos princípios de que se parte, é diferente na demonstração e na argumentação.

Numa demonstração matemática, os axiomas não estão em discussão; sejam eles considerados como evidentes, como verdadeiros ou como simples hipóteses, não há qualquer preocupação em saber se eles são, ou não, aceites pelo auditório.

Como o fim de uma argumentação não é deduzir consequências de certas premissas, mas provocar ou aumentar a adesão de um auditório às teses que se apresentam ao seu assentimento, ela não se desenvolve nunca no vazio. Pressupõe, com efeito, um contato de espíritos entre o orador e o seu auditório: é preciso que um discurso seja escutado, que um livro seja lido, pois, sem isso, a sua acção seria nula.”

Perelman

Tanto a demonstração como a argumentação são manifestações da racionalidade. Mas tratam-se de usos diferentes da razão: no caso da demonstração, a razão é usada para estabelecer verdades universais que se apresentam como conclusões de raciocínios formalmente válidos e assentes axiomas (princípios) universais e cientificamente verdadeiros. Na demonstração não há auditório, ou seja, quem demonstra fá-lo seguindo procedimentos racionais e objetivos, sendo indiferente, do ponto de vista demonstrativo, saber quem irá tomar conhecimento da demonstração.

No caso da argumentação, os seus axiomas são estabelecidos caso a caso, consoante o auditório. De facto, a argumentação versa sobre o que é verosímil, provável ou desejável. Nela não está presente o pressuposto de que tem que haver uma verdade universal, estabelecida de forma objectiva e independentemente do contexto sócio-cultural em que se desenrola a argumentação. Os axiomas da argumentação resultam de um acordo, tácito ou estabelecido de forma consciente, entre o orador e o auditório. Assim, o que é verosímil num contexto, pode não o ser noutro, o mesmo se passa com o provável e o desejável. Por exemplo, numa sociedade dominada por crenças de carácter mítico-religioso, pode ser verosímil que um homem de fé consiga caminhar sobre as águas, para um determinado grupo social pode ser desejável a subida das taxas de juro, enquanto que para outros isso pode ser visto como uma calamidade. Para certos auditórios pode ser provável a visita de extraterrestres, enquanto que para outros isso pode ser encarado como uma crença sem sentido. E o orador tem que estar atento a essas diferenças.

Isto porque na argumentação o que importa são os efeitos do discurso (seja qual for a sua forma) sobre o auditório, pois o objetivo central do ato de argumentar, é provocar um efeito em determinado auditório, conseguir a sua adesão e, em muitos casos, levá-lo a tomar esta ou aquela atitude face a determinados objectos culturais ou sociais (e não só), conduzi-lo a efectuar um determinado comportamento, como no caso de um discurso eleitoral, o seu objectivo e levar os membros do auditório a votarem num partido ou num candidato. Se os membros do auditório votarem noutro partido ou não votarem, os objetivos da argumentação não foram alcançados.

A argumentação é uma forma de ação, de ação comunicativa. A demonstração não é uma ação, em sentido próprio, nem procura mover à ação, ela é neutra do ponto de vista comunicativo, pois a verdade lógica e científica não tem a ver com a subjectividade, nem se move dentro dum universo axiológico (valorativo). A argumentação lida com valores, os valores são o seu elemento de eleição. Estamos perante algo com que já nos confrontámos quando demos a distinção entre juízos de fato e juízos de valor: os juízos de fato pertencem por direito ao campo científico, o mesmo da demonstração, enquanto os juízos de valor encontram na vida prática o seu elemento de manifestação e estão ligados à ação, em todos os seus níveis e em todas as suas áreas.

Outra característica fundamental da demonstração, é que ela usa linguagens formalizadas, não contaminadas pela polissemia da linguagem natural. Cada símbolo, cada termo, cada enunciado, têm apenas um significado e uma interpretação possível. Por isso a definição dos conceitos é um procedimento fundamental em ciência, pois qualquer ambiguidade mata o rigor e a objectividade.

No caso da argumentação, já não é assim, pois nela a razão apoia-se na linguagem natural, nas línguas tal como são faladas no contexto cultural a que pertence o auditório. E isso permite uma explosão em termos de expressão e de comunicação, pois um orador pode jogar com a ambiguidade, pode explorar as palavras para infundir o riso, ou para usar a ironia. Há um mundo de possibilidades que é praticamente inesgotável.

Não é possível demonstrar que determinado candidato à Presidência da República será mau Presidente, se eleito. Mas é possível persuadir um auditório dessa probabilidade e de levá-lo a aceitar como verosímil essa tese, conduzindo-o a concluir que a eleição desse candidato não é desejável.

Ora, na demonstração utilizam-se argumentos lógico-matemáticos, com um rigor lógico inquestionável (nós demos o silogismo como um exemplo, ainda que bastante rudimentar, de demonstração lógica). Mas na argumentação também se usam argumentos (como não poderia deixar de ser, pois, caso contrário, o termo “argumentação” estaria desajustado), mas estes argumentos são mais abertos nas suas possibilidades de exploração.

A argumentação (legítima) deve ser coerente, ou seja, não pode violar os princípios lógicos da razão, nem usar argumentos falaciosos. E os argumentos que podem ser utilizados como instrumentos retórico-argumentativos, são de três tipos:

1. Argumentos quase-lógicos. Estão ligados ao domínio do pensável, do que pode ser pensado e do que deve ser pensado. Quando um orador afirma que uma tese oposta à sua (ou um argumento) não tem sentido, não tem sustentabilidade lógica, está a usar um argumento quase-lógico. O mesmo se passa se utilizar enunciados lógicos para sustentar uma tese, apelando à sua razoabilidade interna (à sua racionalidade, à sua aceitabilidade racional).

2. Argumentos sobre a estrutura do real. Trata-se de argumentos que têm uma radicação ontológica: referem-se ao que existe, ao que é real e ao que não é admissível como fazendo parte da realidade. E há que partir do princípio que o real é o que é admitido pelo auditório como existente. Assim, há auditórios que consideram reais entidades que são irreais para outros auditórios: para um auditório de pessoas crentes o demónio pode ser real, enquanto que para um auditório de advogados, isso já não é verdade. Por isso o orador deve referir-se à realidade tal como esta é vista pelo auditório.

3. Argumentos que fundam a estrutura do real. São argumentos que se referem ao que torna possível a realidade, têm, para usarmos uma terminologia filosófica, uma dimensão metafísica (é de notar que a ontologia e a metafísica podem ser considerados termos sinônimos). Para um cristão, o mundo pode ter a estrutura que tem porque Deus o criou assim, da mesma forma o mal existe por causa do pecado de Adão. Mas para outro auditório estas explicações não terão sentido.

Fonte: http://www.espanto.info/av/ad.htm

Imagem: http://www.animaforum.com.br/imagens/101-bg.jpg

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