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sexta-feira, 2 de julho de 2010

De Ulisses a Dunga, por Luiz Antônio Corte Real*

 
Todos os povos têm seus heróis. E precisam deles para alimentar a autoestima de seus cidadãos. Assim foi no passado. Assim é no presente. Mas os heróis de hoje não são os heróis de antigamente. Perscrutando a história da civilização, em todos os tempos encontramos heróis. Já na vetusta Atenas, eram eles festejados como deuses. Homero, o inesquecível poeta grego, descreveu, em seus ainda lidos poemas, as aventuras do ardiloso guerreiro Ulisses, que, na Guerra de Troia, se notabilizou por conceber o cavalo de Troia. Seus dois poemas, Ilíada e Odisseia, eram lidos para os jovens estudantes atenienses, para que eles conhecessem, admirassem e imitassem esse herói. A autoestima do povo era sustentada e alimentada através da narrativa dos feitos de Ulisses, exemplo para todos.

Os anos se passaram, e muitos foram os heróis celebrados pelos homens nesses 2,5 mil anos. Mas muita coisa se modificou. Assim, em nosso século, as guerras não encontram mais espaço, pois vivemos hoje, com poucas e pontuais exceções, na paz perpétua que Emanuel Kant pregava (século 18). Se, entretanto, as guerras, que eram um fato corriqueiro, cessaram, os heróis continuam sendo uma necessidade e uma realidade para os povos do agora. Onde, então, buscá-los? As pistas de atletismo, os ginásios de esporte, os campos de futebol, substituíram o cenário sangrento das guerras de conquista por territórios, das hostilidades entre atenienses e troianos. É dos esportes e do atletismo que saem, agora, nossos heróis. Progredimos. Pois para termos nossos heróis, não precisamos mais recorrer a trágicas batalhas. Buscamo-los nas pugnas esportivas, onde as lanças e espadas são substituídas pelas pistas, piscinas, quadras de esporte e bolas de futebol. É certo que o mundo mudou. Mas não a ânsia por heróis. São eles imprescindíveis para nos animar, para nos unir sob o signo de uma bandeira, para nos encher de contentamento, para enriquecer nossas esperanças, para nos tornar mais nós.

Por isso, a Copa do Mundo é tão importante. Através dela, os heróis do presente mostram para o mundo que existimos, que temos importância, que somos gente. Em lugar de Ulisses, temos Dunga, Kaká, Júlio César, Lúcio, Robinho, e todos os outros jogadores que se encontram na África do Sul para dizer, com seus tiros certeiros, que não matam, mas que atingem o amor próprio de nossos “inimigos”, que o verde e o amarelo existem, e que não é só o povo norte-americano que pode, pois também nós podemos.

Parte Ulisses, ficam Dunga e seus heróis, a nos encher de satisfação e alegria.

*Contista e bacharelando em Filosofia

Fonte: Jornal Zero Hora 
imagem em: topicos.estadao.com.br/fotos-sobre-selecao-br..

terça-feira, 11 de maio de 2010

Primeiro viver, depois filosofar?, por Regis de Oliveira Montenegro Barbosa*

Na pauta das reflexões acerca de nossas vidas, deveríamos gradualmente incluir como meta a preparação para a morte. Em livro intitulado Simples Filosofia, o autor, Pablo Capistrano, afirmou que um dos escopos desta é “preparar o homem para a morte”, mas que para isto é mister que “ele conheça a si mesmo”. Teor, aliás, idêntico ao dístico inscrito no oráculo de Delfos, erigido em homenagem ao deus Apolo, na antiga Grécia, marca registrada de Sócrates e que a tanto já exortava os homens.

É necessário sentir o belo e grandioso no aparentemente singelo e pequeno: o brilho da luz do sol reluzindo no verde das folhas das árvores, o farfalhar destas a entoar a música que o vento nelas compõe e que evoca o constante fluir do tempo e da realidade. Momentos que num átimo assaltam nosso espírito e fazem com que captemos, em um facho de luz, o Ser que a tudo permeia e que, paradoxalmente, “se mostra não se mostrando” (Martin Heidegger), mas cujo desvelamento foi constantemente perseguido ao longo da história da filosofia. Então nos damos conta da mediocridade engendrada pelo homem por força de sua postura pragmática e utilitarista: a vida teorética e contemplativa sempre obliterada pela vida ativa, prática e técnica, apanágio do Homo faber (fabricante, fazedor).

Ocupamo-nos em demasia com aspectos da vida que, ao crepúsculo desta, nostalgicamente constatamos que não detinham a mesma relevância e o significado que supúnhamos. Ficamos às voltas quase apenas com situações corriqueiras e negativas: o salário, a conta bancária, a alta dos preços, as injunções políticas, a corrupção, a violência etc.

Havemos de resgatar aquela atitude de espanto e encantamento, a admiração ingênua da qual éramos detentores quando ainda em tenra idade. Mas para tanto temos que operar uma ruptura da atitude dogmática tão ao gosto “dos adultos”, como se tudo fosse sempre velho, óbvio e já conhecido (Gerd A. Bornheim, Introdução ao Filosofar).

Olvidamos a lição do filósofo grego Heráclito, para quem ninguém se banha mais de uma vez no mesmo rio, já que, segundos após, nem este e nem quem o adentrou será o mesmo. Quiçá nos ocupamos do que é de somenos importância em razão da falta de real consciência da fugacidade e efemeridade da vida, com o que deixamos de nos voltar “ao novo”, petrificando formas de pensar e de viver.

Tais considerações fazem rememorar a máxima romana “primum vivere, deinde philosophari” (primeiro viver, depois filosofar), a respeito de cujo conteúdo, neste instante, brotaram-me fundadas dúvidas!


*Magistrado, bacharelando em filosofia

Fonte: Jornal Zero Hora

domingo, 9 de maio de 2010

Exemplo de amor, por Percival Puggina*



A mitologia grega transmite na história de Narciso uma mensagem muito vigorosa. Apaixonou-se o jovem pela imagem que refletia no remanso de uma fonte e ali quedou-se a contemplá-la até definhar e morrer. Morreu de amor. De paixão por si. O nome desse trágico personagem é derivado do vocábulo grego narke, do qual se origina a palavra narcótico. Está, portanto, relacionado com entorpecimento e perda de sensibilidade em relação aos outros. Insuficiência para amar de verdade. Paixão de si. Narcisismo.

O arquétipo do ser humano pós-moderno se torna, cada vez mais, nestas preliminares do século 21, uma versão up-to-date de Narciso. Sua capacidade de amar termina no vestido ou no paletó, nos bens materiais de seu entorno, embargando-lhe relações que impliquem compromisso fora ou além do que vê diante do espelho. Vivemos num mundo tomado pelo amor de novela, de revista, com capítulos curtos, pot-pourri de impulsos, climas que “pintam”, que na teoria e na prática acabam sendo amor pelo avesso. O mais nobre sentimento humano vira sacola de supermercado, onde se enfiam prazer, desfrute, vaidade, conveniência, tesão, e objetos de uso provável, como pulseiras coloridas, pílulas e camisinhas de cores e sabores variados.

Dia desses, assistindo a um filme, demo-nos conta, minha mulher e eu, de que não se consegue ver cenas de uma ceia do Dia de Ação de Graças, tradicional feriado americano, em que os membros das famílias não se trinchem mais do que ao peito do peru. Sempre fica evidente o distanciamento, o alheamento, a fragilidade dos laços. E sempre terminam em brigas. As pessoas não conseguem mais suportar os respectivos egoísmos. O amor foi embora há muito tempo.

No entanto, o ser humano persiste em suas carências e potências amorosas. Na falta delas, fenece como Narciso à beira da fonte das possibilidades existenciais. Ora, leitores, as potências do amor implicam aquilo que as mães nos ensinam: amor afetivo e efetivo. Porque afetivo, aquece os corações. Porque efetivo, se realiza em realizar o bem dos filhos, mesmo com sacrifícios pessoais; e em encontrar, nisso, razão de ser e de felicidade. Amor que não resiste ao teste do sacrifício e não supera obstáculos não merece esse nome e muito provavelmente é mero uso do outro para bem de si mesmo. É egoísmo. É o definhamento para onde se arrasta mais alguém.

O Dia das Mães, que vivemos neste domingo, nos remete a uma reflexão sobre a extraordinária natureza do amor materno. Ele é exemplo de amor, mas é, também, modelo para todos os amores. Ali, no coração das mães, está a medida de não ter medidas para encontrar o próprio bem na realização do bem do outro. O poeta Carlos Drummond de Andrade sentenciou que “mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga”.

Esse amor, que tive a ventura de receber da minha mãe e a graça de contemplar no exemplo da minha mulher há 41 anos, é o que desejo e é o que de melhor posso desejar aos que me leem neste domingo.


*Escritor
puggina@puggina.org
Fonte: Jornal Zero Hora

sábado, 20 de março de 2010

Um duplo atentado, por Maílson da Nóbrega

"O preconceito marxista contra a propriedade sobrevive nos corações e mentes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e dos formuladores do malsinado programa de Lula"

No Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, do governo Lula – que contém um amontoado de ideias autoritárias –, há um duplo atentado ao direito de propriedade: (1) aceita-se como natural a invasão de imóveis rurais e urbanos; e (2) viola-se a independência dos juízes, que não mais poderiam emitir liminares determinando a desocupação.
De fato, antes de adotar sua decisão, o juiz teria de realizar "audiência coletiva com os envolvidos, com a presença do Ministério Público, do poder público local, órgãos públicos especializados e Polícia Militar". Ou seja, uma assembleia que poderia intimidar o magistrado.
O direito de propriedade começou a surgir no século XVI sob o impulso do liberalismo e dos ideais iluministas. É parte do conjunto que inclui a liberdade do indivíduo perante a sociedade e o estado. Antes, a propriedade privada já era reconhecida. A novidade foi o estabelecimento de regras que a defendiam do arbítrio e dos predadores.
Levou algum tempo para que o direito de propriedade se firmasse como um dos grandes avanços da civilização. No século XVIII, Rousseau dizia que propriedade é que seria roubo, e não a sua espoliação. No século seguinte, Proudhon falava que ela seria a causa dos crimes e de misérias provocadas pelo homem. Influenciado por essas ideias, Karl Marx atribuiu à propriedade a origem de todos os males.
Por isso, Marx pregou a abolição da propriedade privada e sua coletivização sob controle do proletariado. Foi um desastre. Cerca de 100 milhões pereceram sob o tacão do totalitarismo comunista. Mesmo assim, o preconceito marxista contra a propriedade sobrevive nos corações e mentes do MST e dos formuladores do malsinado programa de Lula.
A entronização do direito de propriedade nas sociedades avançadas (e agora também na China) tem seu marco institucional mais relevante na Revolução Gloriosa inglesa, de 1688, que destronou o rei James II. A queda do monarca contou com amplo apoio popular, que se deveu, entre outras razões, a atos atentatórios à propriedade.
Em obra monumental (1688 – The First Modern Revolution), Steve Pincus assinala inúmeras queixas da população contra esses atos. O Judiciário não era garantia. James II demitiu doze juízes em seu reinado de menos de quatro anos, tanto quanto seu antecessor, Charles II, em 25 anos. Nomeava apenas juízes favoráveis ao absolutismo.
Com a revolução, os reis perderam o poder de demitir juízes. O poder supremo passou da monarquia para o Parlamento, que concedeu independência ao Judiciário e se dedicou intensamente, nos anos seguintes, a rever as restrições à hipoteca de bens e ao uso da propriedade em atividades econômicas.
Nos 150 anos posteriores a 1688, mais da metade das leis aprovadas normatizava o direito de propriedade. Regras medievais que inibiam o investimento foram substituídas por outras que permitiram a agricultores, industriais e comunidades aproveitar as oportunidades que surgiam com o novo ambiente.
Até hoje se discute por que a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra e não na França, na China ou no Japão. Não há dúvida, todavia, quanto ao papel do direito de propriedade no processo e à sua contribuição para a ascensão inglesa à condição de potência mundial no século XIX.
O direito à propriedade foi consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948). "Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade." Direito de propriedade e Judiciário independente são, assim, faces da mesma moeda. O programa de Lula investe contra essas duas conquistas.
A infeliz ideia foi criticada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A entidade repudia o cerceamento da autoridade do juiz, que ficaria condicionada "à realização de uma audiência pública com viés não raras vezes político, postergando ainda mais a prestação jurisdicional pretendida". Por tudo isso, se não for abortada, a proposta nos levará às trevas.
P.S. – Eu concluía este texto quando se anunciou a possível revisão dessa e de outras propostas autoritárias. Mesmo assim, dado que seus defensores continuam no governo, vale manter o alerta.

Maílson da Nóbrega é economista

sábado, 27 de fevereiro de 2010

O ser, o tempo e a técnica, por Régis de Oliveira Montenegro barbosa *


Cônscios das facilidades propiciadas pelo avanço tecnológico da sociedade moderna, mas não sem pagar alto preço, assistimos à degradação da humanidade na seara ética. É como na história do sapo que posto no interior de uma panela imerso em água, cujo calor é paulatinamente elevado, nela permanece até que venha a fenecer por não se dar conta do gradual aumento da temperatura. Seduzidos pela técnica, fustigados pela azáfama cotidiana e sob o encantamento produzido pela máquina, estamos embevecidos, com olhos fixos no visor do celular, do computador, do televisor etc. Perdemos, todavia, o que está no entorno, o mistério e a magia da vida.

Portadores de uma consciência que se esgota no grupo, reféns do inconsciente coletivo junguiano, deixamos de atingir uma consciência individualizada. Cultiva-se o que é saliente e visto, não o que está oculto, em afronta ao aforismo de Antoine de Saint-Exupéry de que “o essencial é invisível aos olhos”. Cada vez menos vicejam a poesia, a sensibilidade, o encantamento. Tais posturas anímicas não raro são acoimadas de parvoíce e pusilanimidade. Parece que nem somos suscetíveis a fragilidades naturais como as que são ínsitas à condição humana.

A cultura do livro cedeu espaço à indústria cultural, o que caracteriza a atual sociedade do espetáculo. Adotamos postura estereotipada, forjada pela cultura de massa, a retratar uma mentalidade de rebanho. Frutos de uma sociedade midiática que forja ídolos que se sustentam porque existem idólatras que, com tal atitude, se desconectam de sua força e sabedoria interiores. Vivenciamos uma “sociedade em rede”, sob exortação de nela permanecermos plugados. Instala-se, então, um mundo virtual, artificial, à margem do mundo concreto e natural, a ponto de aquele assumir maior significância.

Tido por um dos críticos da sociedade da técnica, para o filósofo alemão Martin Heidegger esta desviou o homem da indagação pelo sentido do ser, pelo significado mais profundo da existência humana.

Outro efeito colateral é a sensação de aceleração do tempo. Somos “levados de roldão” por uma engrenagem movida pelo combustível do capital, com potencial de desembocar no autofagismo, a ponto de nos tornarmos timoratos de que venha a se cumprir o vaticínio maia de que ocorrerão catástrofes naturais já no vizinho ano de 2012, aptas a provocarem o ocaso da existência humana nas condições conhecidas.

Pena que para comer a polpa da fruta tenhamos que engolir o caroço!


*Juiz de Direito, graduando em Filosofia

Fonte: Jornal Zero Hora
Imagem em: tudoecomentado.blogspot.com/2009_11_01_archiv.. 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A entrevista, o desabafo e a verdade, por João Ricardo Santos Tavares *


Um indivíduo, numa discussão em um bar, com uma faca que lhe está à mão, mata seu desafeto. Outro, premido pela necessidade da sociedade de consumo, arromba a janela de nossa casa e de lá subtrai objetos que nos são caros e que compramos com o suor do trabalho. Ainda mais um é surpreendido em barreira policial trafegando com um veículo furtado, com placas falsas e sem documentos. Não bastasse, dirige à autoridade que lhe pede os documentos os piores impropérios. Aquela, desconfiada da atitude agressiva e despropositada, lhe pede que faça o exame de bafômetro porque crê esteja embriagado, e o motorista, indignado, apesar de tudo o que fez e de todos os indícios, nega-se a se submeter ao exame do etilômetro alegando que não é obrigado a fazer prova contra si porque a Constituição de 1988 isso lhe garante.

Finalmente, algum político em pleno exercício de seu mandato popular, com cuecas e meias espaçosas, é flagrado recebendo fartas cédulas de empreiteiro que realiza obra para o governo de então e se põe em seguida a rezar, agradecendo as benesses da vida favorecida que se descortina, ao mesmo tempo em que esconde as cédulas nos espaços generosos de suas peças íntimas.

Em todos os exemplos acima, meramente exemplicativos entre outros tantos que poderiam ser elencados, se processo criminal houvesse, jamais poderíamos pensar em condenação com prisão em regime fechado aos declarados culpados. Por quê? Por que falhou a polícia, seja civil ou militar, no seu mister constitucional de apurar a prática do delito? Falhou o agente do Ministério Público, a quem cabe dar início e seguimento ao processo criminal com a produção de provas, ou falhou o Judiciário, ao qual cabia punir exemplarmente o responsável pelo delito cometido, colocando-o atrás das grades?

Arrisco dizer que não falharam, no mais das vezes, nenhum desses agentes. Estou vizinhando com duas décadas de atuação como promotor de Justiça. Ao longo desses anos, conheci muitos profissionais do Direito. Alguns medíocres e outros tantos destacados, como em todas as instituições formadas por seres humanos. A maioria, entretanto, seguramente honestos e comprometidos com suas profissões. Todos, cidadãos de suas comunas. Pais e mães de famílias bem formadas. Moradores das cidades das suas vidas.

Aflitos pelas mesmas angústias de todos das soluções não vindas de nossas antigas e permanentes mazelas.

Daí por que não deveria surpreender a entrevista, em tom de desabafo, do comandante do 11º Batalhão da Brigada Militar de Porto Alegre, dizendo-se cansado das prisões que seus comandados efetivam e que a Justiça relaxa. Solta, não por capricho dos juí- zes, desídia dos promotores ou negligência dos policiais. Liberta pela leniência da legislação que nunca é reformada, embora todos digam saber que não atende mais aos anseios da sociedade e que só serve para desacreditar as instituições frente à população.

Enquanto não houver tal modificação, será essa a realidade. Prende e solta. Ou, o que é pior, nem prende.

Quem sabe, este ano de 2010, de eleições, não seja um marco para cobrarmos projetos concretos que mudem a realidade que a todos já cansa e não serve para o engrandecimento de nenhuma instituição comprometida com os interesses da sociedade?


* Promotor de Justiça

Fonte: Jornal Zero Hora
imagem em: blogdocastilho.blogspot.com/2009_12_01_archiv.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O FSM, o PT e a borboleta, por Jorge Barcellos * - Tema de debate da Zero Hora


“É somente no sonho que nos aproximamos do real.”

Slavoj Zizek

Jacques Lacan conta, no Seminário 11, o famoso paradoxo de Chuang-Tsé, que, depois de sonhar com uma borboleta, perguntou a si mesmo ao acordar se não era a borboleta que havia sonhado ser Chuang-Tsé. Para Lacan, essa história mostra que o campo da identidade é sempre conferido pelo Outro com o qual convivemos.

Algo aproximado pode ser dito das relações do Fórum Social Mundial e o PT. O FSM é uma das maiores manifestações da sociedade civil já organizadas e é o espelho no qual a esquerda se mira. Não há como negar: o FSM nasceu sob as bênçãos do Partido dos Trabalhadores, que desde 2001 e edições seguintes identificou-se com o projeto do Fórum, que por sua vez contava com participantes identificados com a esquerda e que tinham no PT o bom exemplo do que entendiam ser “um outro mundo possível”.

O retorno do Fórum sob a gestão do governo Fogaça, um ferrenho opositor do PT, é repleto de simbolismo. Pois pode-se falar de todo interesse do atual governo em sediar o Fórum – menos ideologia: o FSM interessa ao governo atual pelo comércio que incentiva, empregos que proporciona e desenvolvimento econômico que promove. Puro liberalismo! Para quem duvida, é só ler a apresentação de Fogaça em Para além da Política (Instituto Liberal).

Frente às eleições que se aproximam, o retorno do FSM diz ao PT que é preciso voltar às origens. Como no sonho de Chuang-Tsé, na origem o FSM sonhava com uma esquerda crítica, e esta, com um espaço democrático por excelência. Face à importância do partido no cenário político e aos preparativos para mais uma eleição, o FSM lembra o PT de que é preciso reforçar sua relação com os movimentos sociais, da qual o partido é portador de agendas; que é preciso lembrar que o poder, para a esquerda, serve para combater as diversas formas de opressão que criam a exclusão e que, para ganhar eleições, nem toda aliança política é possível.

Assim, o retorno do FSM a Porto Alegre deve servir para o PT fazer uma reflexão sobre que tipo de partido deseja ser. Reflexão essencial para sua identidade, o FSM é parte dessa espécie de memória petista que o ajuda a definir quem ele é, porque é parte do conjunto de sua experiência política. Isto é construtivo: é um bom momento para o PT reafirmar o compromisso com seu passado e os movimentos populares, verdadeiro “núcleo sólido” da ideologia petista – não o revolucionário, como querem seus opositores, a revolução a qualquer custo está condenada ao museu da História – e que rejeita terminantemente alianças à direita.

Confrontado com a visão do Fórum no berço de forças de centro-direita, o PT terá, então, duas alternativas: ou retroceder, procurando reforçar o espírito do FSM que está em seu interior, ou então se render ao mainstream político tradicional frente às novas pressões que se seguirão para as composições políticas. Como sugere Zizek, é na memória de uma época em que o sonho esteve mais perto da realidade que devemos buscar a medida de ser petista nos novos tempos.

zerohora.com - Tema de debate do Jornal Zero Hora do Rio Grande do Sul .
Vale a pena refletir sobre o assunto.

Você acha que o Fórum Social Mundial ainda é um evento exclusivo da esquerda?

* Doutorando em Educação/UFRGS

sábado, 16 de janeiro de 2010

A esquerda em armas, por Percival Puggina*


O que está se tornando senso comum sobre o período da nossa história que vai de 1964 a 1985 tem a profundidade de um pires. É sobre esse recipiente que alguns buscam, agora, instituir a tal Comissão Nacional da Verdade. Cuidado, porém: a principal realização de sua antecessora, a ainda hoje fervilhante Comissão de Anistia, concretizou o sonho dos alquimistas. As milionárias indenizações que concede transformaram os pesados “Anos de Chumbo” em festejados Anos de Ouro.

Não creia que toda objeção à tal Comissão da Verdade seja uma defesa da amnésia. Não há o menor perigo de que isso ocorra. A esquerda ocupou todo o material didático nacional, produziu dezenas de filmes e livros, instruiu e doutrinou quase todos os professores e jornalistas com a sua “verdade”. Assim, tudo quanto se lê e se ouve a respeito ensina que as elites nacionais, belo dia, por pura perversidade, resolveram incumbir as Forças Armadas de perseguir, prender e martirizar os intrépidos defensores da democracia e dos oprimidos. Patacoada! Aqueles anos loucos não podem ser compreendidos se desconsiderarmos a Guerra Fria e o movimento comunista, que, digamos assim, se espraiava usando a luta armada para instituir “ditaduras do proletariado”. Foi um jogo mundial, de vida ou morte, entre democracia e totalitarismo, cujas cartas já estavam na mesa quando Stalin, em Yalta, sentou-se ao lado de Churchill e Roosevelt compondo o trio vitorioso na guerra (1945).

Nas duas décadas seguintes, o comunismo fez dezenas de milhões de vítimas. Houve a vitória de Mao na China (1949), o ataque comunista à Coreia do Sul (1950), a sangrenta transformação de diversos países europeus em “Repúblicas populares”, a invasão do Tibete (1950), a divisão do Vietnã (1954), o Pacto de Varsóvia (1954), a vitória de Fidel (1959), a construção do muro em Berlim (1961), a Guerra do Vietnã (1961), o envio de mísseis soviéticos para Cuba (1962), o fracasso da resistência húngara e da Primavera de Praga (1956 e 1968) e a revolta dos universitários franceses (1968). Chega? Não. Tem muito mais. Embora me falte espaço, ainda é imprescindível referir a exportação de guerrilhas e revoluções comunistas para dezenas de nações recém-nascidas no continente africano. E, é claro, a infiltração no nosso subcontinente, sob o patrocínio de Cuba, Rússia e China.

A esquerda em armas jamais instituiu uma democracia! Nunca, em lugar algum. No Brasil, ela ridicularizava os que persistiram no jogo político. Mas foi através dele que a maioria da opinião pública mudou de lado, retirou apoio ao status quo, chegou-se à anistia e se restabeleceu o regime constitucional. Anote aí: a esquerda em armas não puxou seus gatilhos pela democracia e pela Constituição! E ninguém sacou um bodoque para restaurar o governo de Jango. As coisas não foram como lhe contam, leitor.

Reprovar um lado não significa aprovar tudo que foi feito pelo outro. O contexto não justifica as duas décadas inteiras de exceção, nem o emprego da tortura. Mas anistia é perdão e pacificação. Lutando por algo muito pior do que o regime que dizia combater, a esquerda em armas praticou incontáveis assaltos e sequestros, executou mais de uma centena de militares e civis, e “justiçou” adversários e companheiros. Tivesse vencido, ia faltar prisão e paredón no país. Perdeu. Empenhou-se pela anistia e a obteve. Foi perdoada. Mas parece não saber perdoar. Quer restaurar ódios na ausência dos quais a política lhe fica incompreensível.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Caído na calçada, por David Coimbra*


  
O mundo ainda não estará perdido enquanto alguém, em algum lugar, lutar pelo que é certo.

           Ontem saí de casa mais cedo do que o normal, a temperatura era amena de primavera, o dia estava amarelo e azul, do som do meu carro se evolava o rock suave da Rádio Itapema e eu me sentia realmente bem. Estacionei numa rua quase bucólica do Menino Deus e vi que ali perto um catador de papel puxava sua carrocinha sem pressa.

        Era magro e alto, devia andar nas franjas dos 50 anos e tinha a pele luzidia de tão negra. Ao seu lado saltitava um menino de, calculei, uns quatro anos de idade, talvez menos. Devia ser o filho dele, porque o observava com um olhar quente de admiração, como se aquele homem fosse o seu herói... Bem. Ao menos foi o que julguei, certeza não podia ter.


        Já ia me afastar quando, por entre as grades da cerca de uma creche próxima, voou um brinquedo de plástico. Um desses robôs cheios de luzes e vozes, que se transformam em nave espacial e prédio de apartamentos, adorado pelas crianças de hoje em dia. Algum garoto devia ter atirado o brinquedo para cima por engano, ou fora uma gracinha sem graça de um amigo.
       
        O menino que era dono do brinquedo colou o rosto na grade como se fosse um presidiário, angustiado. O filho do catador de papel correu até a calçada, colheu o robô do chão e não vacilou um segundo: retornou faceiro para junto do pai, o brinquedo na mão, feito um troféu.. Olhei para o menino atrás da cerca.. Estranhamente, ele não falou nada, não gritou, nem reclamou. Ficou apenas olhando seu brinquedo se afastar na mão do outro, os olhos muito arregalados, a boca aberta de aflição.


        Muito orgulhoso, o filhinho do catador de papéis mostrou o brinquedo ao pai. O pai olhou. E fez parar a carrocinha. Largou-a encostada ao meio-fio. Levou a mão calosa à cabeça do filho. E se agachou até que os olhos de ambos ficassem no mesmo nível.

        A essa altura, eu, estacado no canteiro da rua, não conseguia me mover. Queria ver o desfecho da cena. O pai começou a falar com o menino.. Falava devagar, com o olhar grave, mas não parecia nervoso. Explicava algo com paciência e seriedade. O menino abaixou a cabeça, envergonhado, e o pai ergueu-lhe o queixo com os nós do dedo indicador. Falou mais uma ou duas frases, até que o filho balançou a cabeça em concordância.

        A seguir, o menino saiu correndo em direção à creche. Parou na grade, em frente ao outro garoto. Esticou o braço. E, em silêncio, devolveu-lhe o brinquedo. Voltou correndo para o pai, que lhe enviou um sorriso e levantou a carrocinha outra vez. Seguiram em frente, o pai forcejando, o filho ao lado, agora não saltitante, mas pensativo, concentrado.

        Então, tive certeza: aquele olhar com que o menino observara o pai era mesmo de admiração, ele era de fato o seu herói.



  * David Coimbra, jornalista


Fonte: E-mail do amigo José Lima de Caxias do Sul ( Jornal Zero Hora)

Imagem:  vmwelte.blogspot.com/2008_08_01_archive.html

sábado, 19 de dezembro de 2009

Capacidade de indignação, por Antônio Mesquita Galvão *




A palavra indignação tem sua origem em uma reação diante de algo indigno. Trata-se de um sentimento de revolta experimentado frente a uma indignidade, injustiça, afronta ao bem comum ou desprezo à ética social.
A indignação sempre aponta para uma reação ética contra atitudes, sejam do cotidiano sociofamiliar ou das relações políticas, em que os juízos de valor revelam a ilicitude e/ou impropriedade de algum tipo de comportamento.
A indignação ética desencadeia necessariamente um tipo de reação em que a pessoa toma consciência de algum ilícito e parte para uma demonstração, formal, pacífica ou até violenta de inconformidade.
Há dias, escutei um programa em uma rádio de Porto Alegre em que o assunto “indignação” foi enfocado, a partir da agressão sofrida por Silvio Berlusconi, quando um cidadão italiano, abalado com tanta corrupção moral, botou para fora toda a sua revolta contra aquele homem público. Revendo alguns fatos, passados e não tão passados, recordei a revolta da torcida do Coritiba; a mulher que quebrou os vidros de um hospital que deixou de atender sua filha de dois anos; a sapatada que um jornalista iraquiano deu em Bush, e outras tantas passeatas frente à casa de políticos que se veem por aí.
Essas agressões, todas elas injustificáveis, denotam a que ponto chega a exasperação das pessoas. Quando não se bota para fora a indignação, ela vai se comprimindo num processo de recalque, qual uma mola pressionada. Um dia, o disparo é inevitável. É perigoso o estouro de uma indignação.
No terreno das indignações com os descaminhos políticos, alguns ingênuos costumam citar o voto como ferramenta de faxina na sociedade. Trata-se de um ledo engano. Primeiro, porque a mudança vai levar quatro anos; depois, porque muitos conseguem se reeleger, e, por último, não é raro a gente eleger alguém que parecia sério e competente e depois se revela um desastre. A indignação nasce do sentimento de impotência que temos diante de fatos que contrariam o bom senso, a ética e a decência.
São vazias certas manifestações de desconformidade, pois a corrupção nacional é uma bandeira, a incompetência tornou-se um outdoor dos burocratas, e a indiferença, uma prática usual. A geração crescente de escândalos e a impunidade se tornaram a antítese de nossa capacidade de indignação.
É lamentável constatar que neste país das liminares, de habeas corpus, dos desmentidos do indesmentível e de tantas pizzas, indignar-se é tempo perdido e geração de estresses.

Tema para debate no Jornal Zero Hora - RS.
zerohora.com
Adianta manifestar indignação com a corrupção no país?
* Escritor e filósofo 

Fonte: Jornal Zero Hora 
Imagem:www.depapocomamirna.blogger.com.br/2003_10_01.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

As necessidades desnecessárias Franklin Cunha*



“O planeta Terra iniciou sem o ser humano

e seguirá seu curso sem ele.”


Claude Lévi-Strauss (1908-2009)

Quando observamos as justas e insistentes lutas orientadas para a salvação ambiental de nosso planeta, algumas definições, cremos, devem ser estabelecidas. Uma delas diz respeito às relações entre carências e necessidades, ambas historicamente consideradas.

Nada ilustra isso melhor do que a relação mutável entre necessidades naturais do homem e suas carências sociais, levando-se em conta a maior produtividade de bens de consumo, associada à diminuição do tempo de trabalho e à crescente “imposição” de objetos supérfluos como necessidades sociais. Estas, como as carências, são variáveis. Quanto mais as carências históricas, geradas pela capacidade produtiva da agroindústria e dos serviços, são impostas como necessárias, tanto maior é o desenvolvimento da riqueza e esta, sob o ponto de vista material, basicamente consiste na multiplicidade de carências. E a mundialização dos mercados, isto é, o conjunto das atividades, necessidades e carências que o formam, é a base geral do assim chamado empreendedorismo desenvolvimentista. Daí a distinção que se faz entre o crescimento da riqueza causada pela criação da multiplicidade de carências e a imposição manipulatória de “apetites artificiais” (divulgados pela ilusão da “soberania do consumidor”), uma vez que estes são elaborados por um processo de produção alienado das reais carências da maioria da população.

Do ponto de vista da atual ordem socioeconômica, essas novas “necessidades” são tão importantes quanto as necessidades básicas para a sobrevivência do ser humano. Esta fusão entre o “natural” e o “necessário” sancionou e sacralizou o modo de produção dominante e desta maneira tornou-se possível defender e propagar as necessidades desnecessárias.

E, assim, criadas e estabelecidas tais premissas, foram satisfeitas as necessidades do capital, que classifica como bens vendáveis desde a infraestrutura material das nações até a arte, a filosofia e mesmo as pesquisas em ciências exatas.

E aí estão os prósperos meios de comunicação para nos convencer, por exemplo, de que todos os brasileiros são apaixonados pelos 400 modelos de automóveis que estão a aleijar e a dizimar milhares de famílias inteiras a toda hora, graças à destruição programada das malhas ferro e hidroviárias do país, em benefício da indústria automobilística que vai mal em todo o mundo e vai bem no Brasil.

Até quando o caos viário, a atmosfera que respiramos (e os arautos do desenvolvimentismo) suportarão tais irracionalidades econômicas a nós impostas e interpretadas como necessidades vitais?

*Médico

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A relativização da verdade, por Fernando de Oliveira Souza*

Este artigo se inicia com uma história verídica, ocorrida há alguns anos em um complexo tenístico da Flórida, nos Estados Unidos. Era um clube com inúmeras quadras e ali estava sendo disputado um torneio amador em que, por atraso dos jogos, dois tenistas ficaram disputando uma partida até a madrugada, quando não havia mais ninguém no clube, à exceção dos dois jogadores e do árbitro geral, que estava aguardando o resultado na casa da arbitragem, situada bem distante da quadra da disputa. Terminado o jogo, os dois jogadores se dirigiram ao árbitro para comunicar o resultado. Perguntou o árbitro: “Quem ganhou?”. Respondeu um dos jogadores: “Fui eu”, ao que o outro falou: “Não, fui eu”. Como não havia testemunhas, o jogo teve de ser repetido no outro dia, dessa vez com assistência atenta. No fato em questão, obviamente, um estava falando a verdade e o outro era um tremendo cara de pau, mentindo com toda a convicção, aliás, comme Il faut, segundo os especialistas. Todos os dias, jornais, revistas e redes de televisão nos bombardeiam com esse contraditório. Ora, para o cidadão comum, como pode haver duas verdades, completamente antagônicas sobre o mesmo fato? O recente episódio envolvendo a ministra-chefe da Casa Civil e a ex-secretária da Receita Federal é um exemplo clássico dessas atitudes. Uma está falando a verdade, a outra não. As duas versões prevalecerão até que se encontrem provas de uma ou de outra e, mesmo assim, essas provas poderão ser contestadas conforme sua consistência. Por que as coisas são assim? Quando crianças, aprendemos que existe o certo e o errado, a verdade e a mentira, o mocinho e o bandido, que o bem prevalecerá, mas quando crescemos e “amadurecemos” nos damos conta de que não é bem assim. A ideia de que “a mentira é um componente histórico da política e instrumento de trabalho de seus agentes” é, no mínimo, polêmica, visto que na maioria das vezes essa atitude favorece o mentiroso e não sua audiência. A verdade é relativizada para servir às finalidades de quem as divulga. Nada tão grosseiro como o poste que bate no carro, mas adaptações dos fatos para servir aos interesses individuais ou coletivos. O fato em si deixa de ser importante, o que vale é a adequação do mesmo através de versões que, dependendo de como são divulgadas, poderão prevalecer permanentemente. Exemplo disso, em tom de blague, é outra história, também verídica, de um famoso criminalista de Porto Alegre que, ao receber um cliente apavorado porque tinha matado uma pessoa, lhe disse: “Um momentinho, dizem que o senhor matou alguém”. É a chamada teoria da meia garrafa, que pode ser interpretada como meio cheia ou meio vazia. E nós, então, humildes mortais, como ficamos? Cada um preso às suas convicções, procurando analisar os fatos de maneira o mais isenta possível e torcendo para que os mocinhos ganhem no final.

*Médico e professor universitário

Fonte: Jornal zero Hora - Nº 16069 - 21 de Agosto de 2009.

domingo, 9 de agosto de 2009

Uma belíssima crônica do escritor Moacyr Scliar para os pais.

Aos pais, no seu dia

Certos homens não estão preparados para serem pais. A paternidade é um susto. É por isso que os apavorados dão no pé

Quem certamente não estará celebrando o Dia dos Pais é Joe Jackson. Primeiro, porque perdeu o filho; e segundo porque, de acordo com os relatos do próprio Michael Jackson, Joe estava longe de ser o pai ideal, um homem carreirista, ambicioso, egoísta, que aproveitou até a projeção que a mídia lhe deu nas últimas semanas para massagear o próprio ego e para se autopromover. Não é um caso único. Hermann Kafka, a julgar pela Carta ao Pai, humilhava constantemente o filho Franz; e o pai de Luiz Gama, mulato e grande abolicionista brasileiro, vendeu como escravo o próprio filho, quando este era criança, em busca de grana para sustentar o vício do jogo. Há uma expressão para designar este tipo de homem: é o pai desnaturado. O adjetivo supõe que, por natureza, todos nós ansiamos pela paternidade, o que, considerando o instinto que nos leva a preservar a espécie, é verdade. Mas não somos apenas instinto. Somos também o resultado de injunções psicológicas e culturais, associadas ao fato de que o homem, diferente da mulher grávida, pode gerar um filho e sumir. E não são poucos aqueles que somem, seja pelo afastamento físico, seja pelo distanciamento psicológico.

* * *

Por que isso acontece? A explicação mais simples é de que certos homens não estão preparados para serem pais. De fato, a paternidade é um susto. De repente, temos diante de nós um bebê que chora, às vezes pelos motivos mais inexplicáveis, que precisa ser alimentado, banhado, vestido; que, de súbito, ficará doente; que representará gastos não pequenos. Esta é a explicação até certo ponto racional, ainda que cruel. Mas o pai dito desnaturado não é só isso. No fundo, ele é também uma criança, alguém que não amadureceu, que não ficou adulto. O filho é para ele não uma continuidade, é um rival – junto à mãe ou junto à vida. São homens que precisam, eles próprios, ser protegidos, que nunca assumirão a sua condição de adultos. E é por isso que, apavorados, dão no pé.

* * *

A gente fica pensando como deve se sentir um homem assim no Dia dos Pais. Esse homem sabe que tem um filho, ou mais do que um, mas não sabe o que foi feito desse filho, nem sabe sequer se ainda existe. Ali está ele, vendo os anúncios, vendo pais e filhos passarem pela rua, abraçados. Imaginem que pavoroso vazio se cria nesse homem. Imaginem o tormento pelo qual passa, tormento que bebida alguma, que sexo algum, que jogatina alguma aliviará. Diante do tribunal interior que todos temos diante de nós, este homem está irremediavelmente condenado. Se pudesse pedir a Deus alguma coisa, certamente seria uma mãozinha de criança segurando a sua mão de (agora, sim) homem. Este era o presente que o pai frustrado gostaria de receber. Que mais? Ah, sim, Beto Scliar: não precisas me dar nada neste fim de semana. Tu és o melhor presente de Dia dos Pais que eu poderia ter almejado.

Fonte: Jornal zero Hora - nº16057 - 9 de Agosto de 2007

sábado, 8 de agosto de 2009

Qual realidade?, por Carlos Alberto Gianotti*

Foi sobre a dificuldade de se descortinar a realidade objetiva que o escritor italiano Luigi Pirandello, no início do século passado, escreveu uma narrativa singular intitulada Um, nenhum e cem mil. Diz Pirandello que por mais que nos esforcemos sempre expressaremos a realidade do nosso modo; enxergamos os fatos e os agentes com os nossos olhos e não como o agente se percebe. Assim, nas crises de lá e daqui, as realidades do senador Sarney ou da governadora Yeda Crusius – quer no aspecto dos interesses pessoais, pelos quais cada um de nós luta, quer no aspecto dos interesses políticos, pelos quais todo político luta – divergem das percepções da mídia ao apresentar presumíveis fatos, ou do MPF ao fazer as suas considerações sobre eles. Cada um preenche as palavras com um sentido, tanto ao dizê-las quanto ao ouvi-las. Se Pirandello, em seu livro, leva-nos a considerar que somos um ou nenhum ou cem mil, isto é, somos múltiplos, Eduardo Giannetti, em suas obras Autoengano e O Mercado das Crenças, assinala que o ser humano está sujeito ao autoengano, quando julga a si mesmo e aos outros, por força de suas paixões. É com tranquilidade que inculpamos o próximo; difícil é assumir a responsabilidade pelo que fizemos, quer dizer, somos portadores da verdade, ao passo que o outro está mergulhado no erro. A paixão cega embacia o que pode ser a realidade e se passa a enxergar apenas aquilo que se deseja: o apaixonado realiza um julgamento viciado pela própria paixão. Já o psicanalista Abrão Slavutzky, que seguidamente comparece nesta página de ZH, está terminando um livro de ensaios no qual aborda precisamente a temática do “quem somos” pelo olhar do outro e segundo a nossa própria percepção. Diz que a solidariedade humana urge para mitigar as nossas aflições contemporâneas. Então, diante da enxurrada de denúncias de mau comportamento de agentes públicos que os meios de comunicação há bastante tempo vêm veiculando, o “homem comum” precisa se esforçar para, despindo-se o quanto puder das paixões de que é refém, vislumbrar quem detém a verdade e qual verdade, ou seja, enxergar a possível realidade. *Professor e editor Fonte: Jornal Zero Hora - nº16057 - 9 de Agosto de 2009.

sábado, 20 de junho de 2009

A diferença

Uma vez imaginei o encontro de Batman e Drácula numa clínica geriátrica, na Suíça.

***

Batman não acredita que Drácula tenha mais de 500 anos. Não lhe daria mais de duzentos. – Tempo demais – diz Drácula. – Estou na terceira idade do Homem. Depois da mocidade e da maturidade, a indignidade... O cúmulo da indignidade, para o conde, é a dentadura falsa. Ele não pode ver sua própria dentadura sobre a mesinha de cabeceira sem meditar sobre a crueldade do tempo. Já tentou o suicídio, sem sucesso. Estirou-se numa praia do Caribe ao meio-dia, para que o sol o reduzisse a nada. Só conseguiu uma boa queimadura. Dedicou-se a uma dieta exclusiva de alho. Só conseguiu que as mulheres o expulsassem da cama. A estaca no coração também não funcionara. Precisava ser de um determinado tipo de madeira benta, usada numa determinada fase da Lua, a logística do empreendimento o derrotara. E ninguém se dispõe a matá-lo, agora que seus caninos são postiços e ele não é mais uma ameaça. Drácula está condenado à vida eterna, à velhice sem redenção e à indignidade sem fim. Internou-se na clínica com a vaga esperança de que a morte, que vem ali buscar tanta gente, um dia o leve por distração.

***

E você, Batman? Batman conta que está na clínica para retardar a morte. Não confessa sua idade, mas recusa-se a tirar a máscara para que não vejam suas rugas. Ele não é um super-herói com superpoderes, inclusive o de não morrer, como o Super-Homem. “Eu sou dos que morrem”, diz Batman, com um suspiro. No tom da sua voz está a lamúria milenar da espécie dos que morrem. Drácula parece não ouvi-lo. Esta interessado em outra coisa. “Você vai terminar esse iogurte?” pergunta. Mas Batman continua sua queixa. “Eu já não voava. Hoje quase não caminho. Não posso mais dirigir o Batmóvel, não renovaram minha carteira...”. Mas ele não quer a redenção da morte. Quer a vida eterna, a mesma vida eterna de um homem de aço. “Vamos fazer um trato”, sugere Drácula. “Quando a morte vier buscá-lo, trocaremos de lugar. Você veste este meu robe de cetim e a echarpe de seda, e eu visto essa sua fantasia ridícula, e a...”. Mas Batman o interrompe com um gesto. A morte não pode ser enganada. Claro que pode, diz Drácula. “É só você passar um pouco da minha pomada no seu cabelo que a morte o tomará por mim e...”. – Que cabelo? – pergunta Batman, com outro suspiro, também antigo.

***

“Não somos muito diferentes”, diz Drácula. “Somos completamente diferentes!”, rebate Batman. “Eu sou o Bem, você é o Mal. Eu salvava as pessoas, você chupava o seu sangue e as transformava em vampiros como você. Somos opostos”. “E no entanto”, volta Drácula com um sorriso, mostrando os caninos de fantasia, “somos, os dois, homens-morcegos...”. Batman come o resto do seu iogurte sob o olhar cobiçoso do conde. Diz: – A diferença é que eu escolhi o morcego como modelo. Foi uma decisão artística, estética, autônoma. – E estranha – diz Drácula. – Por que morcego? Eu tenho a desculpa de que não foi uma escolha, foi uma danação genética. Mas você? Por que o morcego e não, por exemplo, o cordeiro, símbolo do bem? Talvez o que motivasse você fosse uma compulsão igual à minha, disfarçada. Durante todo o tempo em que combatia o mal e fazia o bem, seu desejo secreto era de chupar pescoços. Sua sede não era de justiça, era de sangue. Desconfie dos paladinos, eles também querem sangue. – Se eu ainda pudesse fazer um punho você ia ver qual é a minha compulsão neste momento – rosna Batman. Mas Drácula não perde a calma. – E veja a ironia, Batman. O morcego bom passa, o morcego mau fica. Um não quer morrer e morre, o outro quer morrer e não morre. Ou talvez não seja uma ironia, seja uma metáfora para o mundo. O bem acaba sem recompensa, e o único castigo do mal é nunca acabar. Drácula continua: – Somos dois aristocratas, Batman, um feudal e outro urbano, um da velha Europa e outro da nova América. Eu era Vlad, o Impalador, na Transilvânia, você, o herdeiro de uma imensa fortuna em Gotham. Eu era o terror dos aldeões, você um rico caridoso. Os pobres nunca ameaçaram invadir a sua mansão com archotes, mas somos, os dois, da mesma classe, a dos sanguessugas. O que nos diferencia é que eu não tinha remorsos. Batman pede que Drácula se retire. Dali a pouco chegará Robin com os netos e ele não quer que as crianças se assustem.

Luis Fernando Veríssimo

Fonte: Jornal Zero Hora - nº16007 - 21 de junho de 2009

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Confira as charges da Zero Hora - RS.

Charges da Zero Hora - Nº16005 - 19 de junho de 2009. Charges de Marco Aurélio e Iotti.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Será que a política perdeu o sentido? Por que não enxergamos nada?

Fonte: Jornal Zero Hora - nº16001 - 15 de junho de 2009 - Marco Aurélio.

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