sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O FSM, o PT e a borboleta, por Jorge Barcellos * - Tema de debate da Zero Hora


“É somente no sonho que nos aproximamos do real.”

Slavoj Zizek

Jacques Lacan conta, no Seminário 11, o famoso paradoxo de Chuang-Tsé, que, depois de sonhar com uma borboleta, perguntou a si mesmo ao acordar se não era a borboleta que havia sonhado ser Chuang-Tsé. Para Lacan, essa história mostra que o campo da identidade é sempre conferido pelo Outro com o qual convivemos.

Algo aproximado pode ser dito das relações do Fórum Social Mundial e o PT. O FSM é uma das maiores manifestações da sociedade civil já organizadas e é o espelho no qual a esquerda se mira. Não há como negar: o FSM nasceu sob as bênçãos do Partido dos Trabalhadores, que desde 2001 e edições seguintes identificou-se com o projeto do Fórum, que por sua vez contava com participantes identificados com a esquerda e que tinham no PT o bom exemplo do que entendiam ser “um outro mundo possível”.

O retorno do Fórum sob a gestão do governo Fogaça, um ferrenho opositor do PT, é repleto de simbolismo. Pois pode-se falar de todo interesse do atual governo em sediar o Fórum – menos ideologia: o FSM interessa ao governo atual pelo comércio que incentiva, empregos que proporciona e desenvolvimento econômico que promove. Puro liberalismo! Para quem duvida, é só ler a apresentação de Fogaça em Para além da Política (Instituto Liberal).

Frente às eleições que se aproximam, o retorno do FSM diz ao PT que é preciso voltar às origens. Como no sonho de Chuang-Tsé, na origem o FSM sonhava com uma esquerda crítica, e esta, com um espaço democrático por excelência. Face à importância do partido no cenário político e aos preparativos para mais uma eleição, o FSM lembra o PT de que é preciso reforçar sua relação com os movimentos sociais, da qual o partido é portador de agendas; que é preciso lembrar que o poder, para a esquerda, serve para combater as diversas formas de opressão que criam a exclusão e que, para ganhar eleições, nem toda aliança política é possível.

Assim, o retorno do FSM a Porto Alegre deve servir para o PT fazer uma reflexão sobre que tipo de partido deseja ser. Reflexão essencial para sua identidade, o FSM é parte dessa espécie de memória petista que o ajuda a definir quem ele é, porque é parte do conjunto de sua experiência política. Isto é construtivo: é um bom momento para o PT reafirmar o compromisso com seu passado e os movimentos populares, verdadeiro “núcleo sólido” da ideologia petista – não o revolucionário, como querem seus opositores, a revolução a qualquer custo está condenada ao museu da História – e que rejeita terminantemente alianças à direita.

Confrontado com a visão do Fórum no berço de forças de centro-direita, o PT terá, então, duas alternativas: ou retroceder, procurando reforçar o espírito do FSM que está em seu interior, ou então se render ao mainstream político tradicional frente às novas pressões que se seguirão para as composições políticas. Como sugere Zizek, é na memória de uma época em que o sonho esteve mais perto da realidade que devemos buscar a medida de ser petista nos novos tempos.

zerohora.com - Tema de debate do Jornal Zero Hora do Rio Grande do Sul .
Vale a pena refletir sobre o assunto.

Você acha que o Fórum Social Mundial ainda é um evento exclusivo da esquerda?

* Doutorando em Educação/UFRGS

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