ENTREVISTA - SLAVOJ ZIZEK |
QUEM É Slavoj Zizek, de 62 anos, é filósofo e crítico esloveno O QUE FEZ É autor de vários livros. Considera sua obra-prima A visão em paralaxe, sobre o deslocamento aparente de um objeto, quando, na verdade, quem mudou de posição foi o observador O QUE PUBLICOU Está no Brasil para lançar os livros Primeiro como tragédia, depois como farsa e Em defesa das causas perdidas, ambos pela editora Boitempo |
Slavoj Zizek – Não é para transformar em paranoia, mas é um perigo. O que eu digo é que pensamos na internet como um espaço público e aberto, mas ela não é isso. É um espaço privado. Gostamos de dizer que nosso uso da internet é aberto, em contraste, por exemplo, com o que é feito na China.
Zizek – E isso sempre estará vinculado a alguma empresa. É uma falsa ilusão de espaço público. É mais ou menos como um shopping: é público, mas existe exclusão. O espaço é controlado por uma empresa, está dentro de uma cúpula, controlado.
Zizek – Tudo é permitido, mas nem tanto. Recentemente, na China, eles proibiram na TV histórias que tivessem viagens no tempo e realidades alternativas. A explicação oficial é que a história é uma coisa muito séria para ser submetida a esse tipo de ficção. Na verdade, eles têm medo de que as pessoas possam simplesmente pensar que a realidade poderia ser diferente. Aqui não temos esse tipo de controle, mas existem áreas onde não é possível pensar em realidades diferentes.
Zizek – Nós achamos que quase tudo é possível na tecnologia. Viajar pelo espaço, clonar, fazer crescer órgãos, usar células-tronco. Mas, na economia, se você propuser qualquer alternativa, eles dizem: “Não! É impossível. Você não pode nem pensar nisso”. Até a esquerda aceita que a receita liberal, do jeito que é, está certa.
Zizek – Um exemplo: como a imprensa trata a questão do Oriente Médio? A imprensa vai lá quando algo está acontecendo. O ideal seria saber o que acontece lá quando nada está acontecendo. Como é a vida quando nada que interessa à mídia está acontecendo. Aí é que estará o verdadeiro horror. De repente, do nada, ocorre algo e a mídia vai correndo e todos se perguntam: “Por que aconteceu isso?”. Não deveríamos ser tão fascinados apenas pelo que está acontecendo. Olhe o que está por trás, o que acontece quando nada acontece.
Zizek – A democracia funciona assim: é um pacto secreto entre as pessoas e a elite. As pessoas não querem decidir de verdade. Eles querem que alguém diga o que fazer, mas querem manter a aparência de que estão decidindo. Toda pessoa tem medo de decidir. É difícil ser realmente livre e decidir. É um pesadelo. Quer dizer que você tem de assumir completamente a responsabilidade.
Dois livros de Zizek lançados no Brasil. Ele analisa a cultura contemporânea
Zizek – Admito que eu gosto de provocar, mas não disse isso no sentido literal. As pessoas quase tiveram um ataque do coração quando eu disse que o problema de Hitler é que ele não foi violento o suficiente. Meu ponto é simples: Gandhi foi mais violento do que Hitler. A verdadeira violência é a violência da mudança social. Hitler fez o que fez para evitar uma mudança social. Nesse sentido, ele foi basicamente um covarde, mesmo tendo matado milhões.
Zizek – Não devemos ser livres para celebrar Hitler, nada disso. Claro que Hitler fez coisas horríveis. No caso de Lars tem outra questão: o artista deve ser julgado pelo que ele faz. Eu odeio essa ideia de que, se você conversar com um diretor ou com um autor, você vai descobrir algo incrível, algum segredo. O que eles sabem está no que eles produzem. Muitos deles são idiotas. David Lynch, francamente, é um idiota. Ele está agora numa empreitada para coletar milhões de dólares para construir uma imensa cúpula de meditação porque ele acha que se mais de dez pessoas meditarem num lugar isso vai liberar energia que vai trazer paz ao mundo. Mas nos filmes ele é um gênio.
Zizek – Eu disse claramente: Lênin está morto, o comunismo do século XX é passado, foi um fracasso. Eu apenas tentei entender a tragédia do comunismo. Uma imensa onda de liberdade e emancipação explodiu e terminou como um terror impensável. Estamos cientes do que a revolução de outubro trouxe em termos de emancipação, de liberdade. Falo da revolução em si. O que veio depois, veio depois. Eu não aceito a forma como algumas figuras são pintadas.
Zizek – Lênin, Bin Laden, onde você vê conexão? É o oposto. Como Bin Laden veio? Bin Laden era como um agente da CIA. Os Estados Unidos criaram Bin Laden. O Afeganistão era o mais tolerante dos países do Oriente Médio. Tinha uma tradição de tolerância religiosa. Havia muçulmanos, budistas, inclusive visitavam uns aos outros. Para lutar contra os comunistas, os Estados Unidos se uniram aos fundamentalistas. Olhe para os Estados Unidos. O sistema deles gerou o fundamentalismo.