quarta-feira, 20 de maio de 2009

Essa tal de filosofia

Saiba o que é filosofia

e descubra como ela

pode ajudá-lo a viver melhor

e com mais sabedoria

por Marcia Tiburi

“O que é filosofia?” é uma das perguntas mais formuladas na atualidade. A primeira resposta que vem à mente para explicar a intensidade e freqüência com que essa pergunta é colocada é a seguinte: se estamos em tempos de crise em campos tão diferentes quanto a ciência, a política, a arte e a religião, a filosofia nos faz uma nova proposta, não de nos livrar da crise, mas de compreendê- la. Ela se apresenta como uma promessa de lucidez no meio de toda a confusão que nos cerca.Mas de onde vem a lucidez prometida?

O que a filosofia nos oferece é o próprio sentido do pensamento como capacidade humana que pode nos mostrar outras dimensões da vida, nos oferecer novas visões sobre o que existe.Mas isso porque, em vez de nos prometer respostas, a filosofia nos ensina a perguntar. A filosofia investiga o sentido das múltiplas experiências, vivências e modificações de nossa época.Com isso, ela pode ajudar a entender, com a urgência que conhecemos, as ansiedades coletivas e nossas próprias angústias.

Perguntar para quê?

A pergunta pela essência (“o que é?”) se acompanha de outra: qual a função da filosofia nos dias de hoje? Ou seja, qual a função prática de algo que nos acostumamos a ver como apenas teórico?

A filosofia pode ser, acima de tudo, um lugar de exercício do imenso desejo de saber sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre tudo o que experimentamos. O sentido das coisas é um problema que enfrentamos em nosso dia-a-dia mais comum. Mas o sentido não está pronto e acabado, ele precisa ser construído. O pensamento é a atividade de construção do sentido e, além disso, pensar também é um prazer muito específico.

O exercício da dúvida

Há uma curiosidade aqui de início, pois “o que é filosofia?” é uma pergunta que também pode ser uma resposta. Pois a filosofia é um processo de perguntar sobre todas as coisas – e que se inicia, desde os gregos, logo indagando sobre ela mesma. Perguntar sobre o que é filosofia é o primeiro passo para a descoberta essencial da própria filosofia: pois aquele que pergunta também é capaz de elaborar uma resposta. E assim é possível entender como funciona o pensamento filosófico.

Já entramos na filosofia quando perguntamos “o que é filosofia?”. A melhor imagem para ilustrar esse caminho é a do labirinto. Claro que podemos ir embora rapidinho, assustados, cansados, chateados com uma questão que pode nos soar banal. Ou até pensando que esse labirinto vai dar muito trabalho e que podemos não encontrar mais a saída. Podemos também circular e continuar abrindo portas, encontrando caminhos. É certo que, ao entrar nele, a cada possibilidade ficaremos em dúvida sobre que caminho seguir. Direita, esquerda, em frente, um passo atrás? O processo de pensamento a que chamamos filosofia é, sobretudo, um exercício constante de dúvida. E toda dúvida exercita-se pela pergunta que se desdobra em muitas outras e para as quais não há uma única resposta.

Por que não há uma única resposta? Veja, aí já apareceu outra pergunta como uma nova possibilidade no caminho do labirinto. Não apenas nosso pensamento é incansável e criativo e se diverte em seu próprio jogo, mas também existem perspectivas diferentes de todos os que perguntam e também da época em que perguntam: e tudo isso obriga a muitas interpretações. O que eu pergunto hoje, aqui e agora, ou você ou ele, é diferente em função da realidade cultural, social e histórica de cada um e exige, por isso, revisão das respostas. Mas é certo também que existem respostas interligadas e, muitas vezes, respostas até iguais. Tudo isso faz parte do grande labirinto a que chamamos pensamento. Não é à toa que nas sociedades antigas o labirinto era uma imagem do autoconhecimento. Como num labirinto, o pensamento nos leva de volta a nós mesmos.

Para muitos que desejam chegar direto à resposta, sem passar pelo processo, isso será mesmo assustador. Os que desistem espantados sempre escolhem alguma crença: a fé no trabalho, a fé religiosa, a fé no sistema financeiro, no amor, na família. A filosofia não é, necessariamente, incompatível com a multiplicidade da fé, mas ela certamente oferece espaço para a dúvida em nosso cotidiano. Ela nos ensina a tomar cuidado com as certezas. É ela também que fornece bases para a nossa vida mais comum, para compreender decisões, omissões, posturas, imposturas, o que entendemos como verdadeiro e o que percebemos como falso.Depois ela nos ensina a optar por algumas certezas. Sem essa dúvida inicial não somos capazes de firmar nenhuma certeza que nos dê paz de espírito.

Eu penso, nós pensamos

A filosofia precisa ser o exercício de cada um. Nossas ações dependem de conceitos e idéias, de definições e entendimentos. Se não os temos, ou não os compreendemos bem, acabaremos agindo com idéias, conceitos e definições que não são nossos. Olharemos o mundo com lentes emprestadas. Por usar óculos de outros é que nosso foco muitas vezes está errado, pois é impossível ver apenas pela perspectiva de outro.

Mas precisamos ouvir os outros. É preciso saber, portanto, que esse momento individual se complementa pela conversação (que é outra das maiores e mais importantes dimensões da vida de cada um). Se eu posso pensar sozinho, devo pensar também junto.Tudo o que eu penso, ainda que seja meu, é marcado pelo mundo onde nasci, pela língua e pela cultura que recebi. Não viemos do nada. Somos totalmente influenciados pelo que vemos e sentimos quando elaboramos nossos pensamentos. A filosofia melhora a forma da relação entre pessoas que se dedicam a conversar. É dessa troca (pensamento e conversa) que ela surge.

A conseqüência do processo do pensamento foi definida ainda nos primórdios da filosofia nas reflexões de Sócrates, o principal personagem dos diálogos escritos por Platão. Ele batizou de “maiêutica” o método de perguntar e responder e afirmou que por meio disso se chegava ao conhecimento de si mesmo.Mas para conhecer a si mesmo é preciso ter o outro.O outro sempre nos põe em dúvida. A filosofia nos ajuda, nesse caso, a nos descobrirmos, mas apenas porque descobrimos antes o outro que nos ouve, que nos olha e que (literalmente) “troca idéias” conosco. O caminho do autoconhecimento não é a meditação solitária, sem contato com outras idéias diferentes. É abrir-se ao outro, seja outra pessoa, seja o mundo lá fora. Pois a verdade sobre si mesmo se encontra naquilo que se contempla.

Filosofia é encontro

Quando pensamos juntos, a filosofia assume sua característica de encontro e se torna uma forma de ética e política. Não é por menos que o surgimento da filosofia na Grécia, por volta do século 5 a.C., é simultâneo ao nascimento da democracia, ou seja, uma forma de política que é consciente da relação entre cada cidadão e a sociedade. A filosofia clássica sempre trabalhou essa dimensão por meio das idéias de indivíduo versus totalidade, do que cada um é e do que a vida exige que cada um seja.

Aquilo que chamamos de ética, por sua vez, surgiu naquele tempo, logo depois do primeiro questionamento da filosofia sobre a natureza e o cosmo, quando os pensadores se voltaram para o humano e tentaram entender seu modo de ser dentro do cosmo e juntos uns dos outros. Ética e política estavam juntas com a filosofia, dependendo dela no trabalho da dúvida exigido na busca do conhecimento. Com isso os filósofos antigos deixavam claro que toda teoria envolvia uma prática, que os pensamentos moviam o mundo, que as idéias sustentavam posturas, que os conceitos organizavam formas de vida. A idéia de prática significava um modo de vida que orientava a pergunta “o que se deve fazer?” (que até hoje nos angustia em todas as horas da nossa vida).

E agora? A filosofia precisa ser, para todos nós, mais que mera teoria construída por filósofos que hoje habitam as estantes da biblioteca, deve ser mais que bela prosa ou belo pensamento. Só será verdadeira a filosofia que estimular a reflexão e nos orientar sobre o que estamos fazendo conosco, com o mundo, com nossa racionalidade e com nossos afetos.

Marcia Tiburi é filósofa, escritora e artista plástica. Integra o programa Saia Justa, no canal de TV a cabo GNT.

Fonte: http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/045/filosofia/conteudo_237011.shtml

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