domingo, 6 de setembro de 2009

Filosofar é perguntar sobre a vida

Entrevista publicada na edução nº 364. março de 2006.
Jornal Mundo Jovem

Thomas Kesselring    
  A realidade social, especialmente a realidade do Terceiro Mundo, é tema de estudo para muitos pensadores do mundo todo. A Filosofia não fica alheia a este debate. O professor e filósofo, Thomas Kesselring, de Berna, Suíça, preocupa-se e reflete nas suas publicações a realidade brasileira desde a década de 1980. Entrevistamos o professor Thomas na PUCRS.

Thomas Kesselring,
professor e filósofo, de Berna, Suíça.


Mundo Jovem: É possível juvenilizar a Filosofia para que seja acessada por um maior número de jovens?

Thomas: Com certeza é possível, pelo simples fato de que para fazer filosofia, em primeiro lugar, é necessário ser curioso. Ter uma certa perserverança na pesquisa das coisas.

     O que é a Filosofia? A Filosofia é colocar perguntas... de uma maneira meio sistemática as perguntas sobre qualquer coisa, inclusive sobre coisas que parecem ser naturais; entender-se a si mesmo. Na Ciência, as grandes descobertas, na maioria das vezes, foram feitas por jovens pesquisadores.

     Quando Einstein desenvolveu a Teoria da Relatividade ele era muito novo. Os pesquisadores jovens que não conhecem ainda as regras, as disciplinas que não podem ser questionadas, eles fazem as grandes descobertas.

     Os jovens e as crianças que ainda não perderam a curiosidade estão aptos à Filosofia. A idade da juventude é a idade da Filosofia mesmo. Mas é preciso exercitar isso com os professores nas aulas. Normalmente o professor se acostuma a ter razão, a colocar perguntas e pedir aos alunos que apenas respondam, que não coloquem perguntas. Eles não estabelecem um diálogo, nem entre eles e a criança e nem entre as crianças mesmas. E justamente isto deveria ser feito: um diálogo guiado, supervisionado pelo professor.


Mundo Jovem: Seria este um método?

Thomas: Sim, um método que parte do princípio de que não há essa relação assimétrica entre o adulto que já sabe tudo e a criança que não sabe nada ainda.

     Nas questões filosóficas nós estamos todos num nível igual. E muitas vezes os professores esquecem-se disto. Eles não sabem tudo. Até a criança pode saber colocar perguntas boas, geniais; pode descobrir novos fatos.

     É claro que o método sistemático é algo difícil para a criança, mas com o adolescente a gente já pode exercitar isso. Abordar mais sistematicamente questões, estudar fenômenos naturais, sociais... Colocar questões e tentar respondê-las de uma forma sistemática.


Mundo Jovem: Diante dos problemas do dia-a-dia, não teria a Filosofia que apontar algum caminho?

Thomas: Sim e não. Na vida prática, na vida cotidiana, às vezes precisamos tomar decisões rápidas, sem perder muito tempo com reflexões e questionamentos. Mas em momentos mais silenciosos, vale a pena fazer reflexões mais profundas.

     Em muitos casos, quando uma pessoa ou uma sociedade entra numa crise, numa fase decisória, numa situação de decisão, esta crise estimula a reflexão. E a reflexão é necessária e deveria acompanhar o cotidiano sempre que possível.

     Nas épocas de correria, não se tem muito tempo para fazer reflexões e costumamos esquecer de refletir na ação rápida de tomada de decisão. Mas quem se acostuma a filosofar não tem mais este problema. De repente, quando se está aguardando numa fila, fazendo uma viagem de ônibus, aí temos tempo para tentar fazer uma reflexão mais sistemática, com mais calma, com mais tempo.


Mundo Jovem: Diante da crise política brasileira, é o momento para um filósofo, intelectual, dar a sua contribuição no sentido de apontar alguma saída?

Thomas: Você agora colocou uma questão muito difícil. Eu quase não ouso falar sobre isso. Não sou brasileiro. Acompanhei um pouco. Eu acho que é um momento de muita decepção. É um momento que se vê que tem razão quem diz que o Estado tem suas falhas. A elite política, qualquer que ela seja, sempre corre o risco de se tornar corrupta.

     Talvez isso tenha a ver com o passado do Brasil, que a corrupção era muito comum durante décadas, gerações, como também ela ocorre em outros países da Europa e Estados Unidos, talvez em índices um pouco menores.

     Agora, como acabar com isso é uma questão meio complexa. A formação, a pedagogia, tem talvez alguma coisa a ver com isso. Seria necessário criar uma atitude nas pessoas que impedisse essa possibilidade. Mas eu não conheço nenhum país que tenha um currículo que prepare as pessoas para isso, para lidar com o poder, com o dinheiro. O dinheiro e o poder corrompem.

     Espero que o processo democrático brasileiro tenha se tornado um hábito hoje em dia. Acho que nesta área houve um grande avanço nesse país, enquanto que em outros países, como os Estados Unidos, tenho a impressão de que a democracia está cada vez mais se despedindo. Eles estão se tornando cada vez mais uma oligarquia. Por outro lado, os momentos de graves crises são momentos para muita reflexão. A reflexão começa com essas crises, com esses choques, quando alguma coisa dói, ou se ocorre algum evento inesperado.


Mundo Jovem: Olhando para o mundo, que temas filosóficos, éticos, são mais urgentes para a juventude se preocupar?

Thomas: Acho que a questão, por exemplo, da violência é um tema forte.

     Na última década a violência aumentou bastante no Brasil. Na Europa estou percebendo que ela também está aumentando. São formas diferentes, mas nós temos muitos jovens extremamente violentos. De repente, uma gangue de jovens tem uma vontade de torturar alguém... Da forma que eu vejo as coisas, penso que isto tem alguma coisa a ver com a educação das emoções. Os jovens têm cada vez menos empatia com outras pessoas, não exercitam se pôr na pele de outra pessoa, comunicar-se emocionalmente. Isso, aliás, é um tema que a filosofia negligenciou durante décadas. Hoje está se descobrindo novamente.

     Eu acho que nas escolas o cuidado com as emoções, com a reflexão sobre as emoções, falar sobre elas, falar sobre as conseqüências de determinadas condutas para outras pessoas, isso tem que ser bastante promovido e me parece ser uma medida urgente para diminuir a violência.

     Um outro assunto bem diferente é a miséria; as questões ecológicas, o que causa o efeito estufa, do clima que hoje em dia ninguém ousa negar que ocorre uma mudança climática dramática. Inclusive aqui, no Brasil, alternativas que tornam o país cada vez mais independente do petróleo, são muito importantes.

     Em meu país, o uso de bicicletas desempenha um grande papel. Também na China, a bicicleta tem essa função de meio de transporte que preserva a natureza. Vale a pena incentivar todas as tecnologias que economizam energia.

     A humanidade precisa economizar mais os recursos, pois daqui a 30, 40 anos, o planeta terá nove bilhões de seres humanos e a escassez será muito mais avançada, então é preciso se preparar para isso, vivendo com um consumo menor.


Mundo Jovem: E a justiça também é um tema filosófico?

Thomas: A justiça trata daquilo que se pode ou não pode, ou não se deve fazer. E a justiça também tem a ver com a distribuição dos deveres e dos direitos, a distribuição dos recursos naturais, a distribuição da renda e da riqueza. Penso que os direitos humanos desempenham um grande papel nesta área. O que são os direitos humanos? São direitos que protegem determinadas liberdades da pessoa: o direito à saúde, à educação básica...

     Se já temos uma desigualdade na distribuição dos bens materiais e dos recursos, então é mais importante ainda evitar que os não privilegiados sofram mais desvantagens ainda. Para isso, a manutenção dos direitos humanos é indispensável. Esses devem ser intocáveis. Eu percebo que uma repartição altamente desigual, como ocorre no Brasil, na África do Sul, gera muita criminalidade, como se uma ordem social cínica gerasse um cinismo generalizado. A violência parece ser uma reação cínica a uma ordem social cínica, ou seja, uma violência estrutural gera uma violência prática.



Em busca dos mistérios
e do sentido da vida


     Existir, por si só, é algo misterioso... Afinal, quem somos nós? Qual o sentido das nossas vidas? O que significa dizer que somos livres? E até que ponto podemos conhecer a realidade? Eis, aqui, a nossa própria existência em questão. Pois tais interrogações, dentre tantas outras, incidem sobre a compreensão que possamos ter das nossas vidas, como das nossas relações com os outros, e afetam a nossa visão do mundo, se paramos para pensar...

     Faz perguntas quem questiona a pretensa obviedade das coisas. Para tanto, precisamos saber que não sabemos algo. E isso nos põe em condições de aprender. Pois o “óbvio” não será apenas aquilo em que paramos de pensar, ou repetimos sem pensar?

     Por isso, dentre outras razões, o filósofo é amigo da sabedoria. E aquele que é amigo, que ama a sabedoria, sabe que a cada encontro de uma idéia surge um novo ponto de partida, e que ela não está nunca acabada. A Filosofia, desde as suas origens, na Grécia Antiga, requer uma mutação do olhar e de nossas relações com a vida e com o conhecimento. Nesse caso, será preciso exercitar um certo estranhamento frente à realidade, desde as coisas mais simples ou aparentemente já sabidas. Há, aqui, uma atitude, onde o pensar é desafiado a ir além de si mesmo. Ante essa atitude, que assume a própria perplexidade e admiração como ponto de partida, a Filosofia é um convite ao diálogo.

     Dialogar envolve um aprendizado de escuta do outro e, dada essa condição, a cooperação em uma construção conjunta do conhecimento. Em um diálogo não disputamos idéias, mas, em solidariedade investigativa, acompanhamos o raciocínio do nosso interlocutor, testando hipóteses, observando contradições, construindo novas formas de ver e de abordar um tema, conhecendo o nosso próprio processo de conhecer. Mais que isso, dialogar é ouvir também o silêncio das vivências que impregnam as idéias e as interrogações do outro, para que possamos partilhar um caminho.

     O filosofar tece, assim, a forma como cada um de nós se relaciona com a sua existência e com o seu crescimento. Surge assim um convite a pensar naquilo que é, ainda, não-pensado, a ir ao encontro dos nossos próprios limites, condição de sua superação. Esse convite em direção ao alargamento de nossos horizontes de sentido põe em jogo as nossas relações com os outros, com nós mesmos, com o meio ambiente e com o conhecimento. O caminho, porém, é duplo, e um trabalho interior interage com as relações educativas que mantemos com os demais. Pois a jornada de nossas vidas, a fazemos simultaneamente sós e acompanhados, quando conjugamos a aventura de ser eu com essa outra, a de sermos também nós, na gradativa descoberta e invenção do sentido de nossa condição humana.

     Se nos dispomos a buscar o sentido de nossas vidas, não deveremos tocar, de algum modo, em seus mistérios? E isso não poderá tornar a vida ainda mais interessante?

Sérgio A. Sardi,
Professor do Departamento de Filosofia da PUCRS.
Doutor em Filosofia pela Unicamp, SP.
Endereço eletrônico: sergioasardi@uol.com.br

2 comentários:

A disse...

Marise,
Há um prémio para este blogue no «bichocarpinteiro»! Parabéns!

Marise von disse...

Olá Austeriana,

Obrigada pela sua presença constante neste blog e pelo prêmio.
Obrigada de coração.
Abraços,
Marise.

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