sábado, 10 de outubro de 2009

Em novo livro, o psiquiatra Irvin Yalom leva o Holocausto para o divã

Por Maria Carolina Maia


(Foto: Divulgação)
A perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial é o principal tema de Vou Chamar a Polícia - e Outras Histórias de Terapia e Literatura (Ediouro, 264 páginas, 49,90 reais), título do novo livro do psiquiatra americano Irvin Yalom, 78 anos. Chega às lojas nesta semana. Mais conhecido como o autor dos best-sellers A Cura de Schopenhauer (130.000 exemplares vendidos no país) e Quando Nietzche Chorou (410.000), Yalom adiciona o Holocausto à sua lista de assuntos preferidos, na qual figuram a psicoterapia e a filosofia.

Como Vou Chamar a Polícia é um pequeno conto, a Ediouro juntou ao texto uma obra lançada por Yalom nos Estados Unidos há cerca de dez anos, The Yalom Reader - O Leitor de Yalom, em tradução livre para o português. Nela, o autor analisa sua produção literária. "É uma espécie de antologia minha", explica o prolífico terapeuta, que já trabalha em um novo projeto, um livro sobre - adivinhe - um filósofo: Bento de Spinoza. O novo, o antigo e o futuro livro, além da psicoterapia e da filosofia, é claro, compõem a conversa de Yalom com VEJA.com.

A história-título de seu novo livro fala da perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, um drama vivido por seu amigo, o também médico Robert Berger. É uma história curta. Por que resolveu publicá-la?
Depois que encontrei esse amigo e ouvi sua história, que é bastante marcante, me senti compelido a escrevê-la. Agora que Bob está ficando velho, ele quer que essa narrativa, guardada por mais de cinquenta anos, seja contada e conhecida - foi o que fizeram muitos sobreviventes. É uma forma de lidar com a questão, de suportar o que foi vivido. Tive ainda outras razões. O Holocausto é um assunto com o qual tenho dificuldade de lidar. Mas eu quero ajudar meu amigo a administrar essa questão. Então, são muitas coisas: amizade, uma mudança das minhas próprias atitudes, uma história poderosa.
O senhor já trabalha em um próximo livro?
Sim, estou mergulhado há cerca de dois anos em um projeto sobre o filósofo Spinoza, um personagem da Amsterdã do século XVII. Há uma série de histórias portuguesas envolvidas [a família de Spinoza migrou de Portugal para a Holanda por causa das perseguições aos judeus]. Devo levar mais um ano ou ano e meio para terminar o livro.
A filosofia é uma de suas paixões, ao lado da psicoterapia. Uma alimenta a outra?
Sim. Sinto que a psicoterapia deve muito à filosofia. O conhecimento da natureza humana não começa com Freud [Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise]. Os grandes filósofos vêm pensando o assunto há séculos. Olhe os pensadores antigos, como Epicuro: eles têm ideias profundas a respeito. Freud bebeu na filosofia antiga, e deixou isso claro. Ele também deu crédito, em seu trabalho, a Nietzsche [Friedrich Wilhelm Nietzsche, filósofo alemão atormentado por questões existenciais] e a Schopenhauer [Arthur Schopenhauer, outro filósofo alemão envolvido com temas da existência]. Para Spinoza, acho que não deu crédito nenhum, mas este é certamente um psicólogo muito importante, que merece ser citado.
O senhor flerta bastante com questões existenciais em seus livros, especialmente no romance Quando Nietzsche Chorou. Qual o peso disso em uma terapia?
Eu não trabalho apenas com questões existenciais, mas com todas as questões que podem surgir em uma sessão de terapia, questões que têm a ver com a maneira como o paciente se relaciona com as outras pessoas, questões ligadas a sexo, crescimento e desenvolvimento, casamento e amor. Para muita gente, as questões existenciais, como o medo da morte, a liberdade e a significação da vida, nunca surgem. Tudo bem. Mas um terapeuta deve estar preparado para percebê-las, caso apareçam. Um bom terapeuta é aquele que tem sensibilidade para questões existenciais.
Teme que sua obra seja confundida com autoajuda?
Se as pessoas podem obter em meus livros alguma ajuda, fico feliz. Invisto muito tempo neles, agora mesmo estou trabalhando seis, sete horas por dia no projeto de Spinoza, que vai levar, ao todo, de três a quatro anos. Continuo atendendo, mas apenas duas horas por dia. O resto do tempo eu não uso para outra coisa que não o livro. Uma parte do romance vai ser sobre o homem, não sobre o filósofo, então, eu preciso pesquisar, e leio muito. Portanto, não se trata de autoajuda superficial. Recebo e-mails diariamente, às vezes vinte, trinta, num único dia, de leitores que tiram algo dos livros.
A função da psicoterapia é curar pessoas?
Eu acho que a psicoterapia faz as pessoas se sentirem melhor, mais felizes, mais ajustadas, menos torturadas e atormentadas. Esta é a meta da terapia - uma melhor saúde mental, se você preferir colocar nestes termos. A psicoterapia tem também a função de fazer as pessoas assumirem responsabilidade por elas mesmas, por suas ações. É o que todo psicoterapeuta deseja.
No livro O Carrasco do Amor, o senhor diz que auto-consciência traz ansiedade. Vale a pena ser auto-consciente?
Claro que vale. Se queremos ser tudo o que podemos ser, se queremos ser humanos, se queremos realmente realizar o nosso potencial, então, acho que temos que nos pensar. Refletir sobre o significado da vida é um exercício, que requer a nossa habilidade de raciocinar, aquela que nos separa de todos os outros seres vivos do mundo.
Mas, em terapia, nós nos desconstruímos. E depois não conseguimos nos reconstruir tal como éramos - e apreender quem de fato éramos. Ainda assim, é válido?
Nós tentamos mudar, tentamos fazer de nós pessoas melhores, tentamos ser mais felizes, tentamos assumir responsabilidade por nossos atos, tentamos perceber o nosso potencial, nos tornar aptos para amar, para nos relacionar melhor com as pessoas. É isso o que faço: eu ajudo pessoas a se relacionar melhor com outras pessoas e consigo mesmas.
Na terapia, a relação estabelecida entre terapeuta e paciente é mais importante do que a escola seguida pelo terapeuta?
Essa é uma verdade absoluta. Um analista pode ser bem treinado, mas, se for frio, não tiver empatia e não proporcionar ao paciente uma relação verdadeiramente humana, mantendo uma distância entre eles, não vai ser de grande valia.
É cada vez mais comum as pessoas tomarem remédios. A medicação pode substituir a terapia?
Acho que há um uso excessivo de medicação. Posso falar, pelo menos, do que acontece nos EUA: aqui, há muita gente tomando remédio, mesmo sem terapia, e eu acho que não se deve tomar remédio sem acompanhamento médico. Há pesquisas que comprovam que a psicoterapia aliada à medicação é muito melhor que a medicação sozinha. Além disso, para muitos pacientes, a psicoterapia pode proporcionar os mesmos efeitos que a medicação, os mesmos benefícios mentais. Remédios não são a resposta para a maior parte das questões discutidas em sessões de terapia. Eles são relevantes quando se trata de transtornos bipolares, depressões profundas, manias intensas, esquizofrenia. Aí, sim, a medicação tem um papel importante a desempenhar.
Quando um terapeuta deve desistir de um paciente?
Quando ele trabalha com o paciente e vê que não pode ajudá-lo. É o próprio paciente quem deve querer mudar, se transformar durante o processo terapêutico. Se ele não faz nenhum esforço nesse sentido, se ele não trabalha na terapia, não há como lhe ser útil. Mas vale dizer que há pacientes que precisam da terapia simplesmente para continuar vivendo. São pacientes que não farão grandes reconstruções de si mesmos, que não sofrerão grandes transformações na terapia, que meramente os ajuda a tocar a vida. Nesses casos, apesar de não haver grandes mudanças, o tempo é bem gasto.

Fonte: Revista Veja

Um comentário:

Leandro Jardim disse...

Excelente post! Obrigado pelo comentário e pela entrevista. Adoro os livros do Yalom e estava mesmo querendo saber sobre esse novo. Sinto que vou comprá-lo =]

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