sábado, 7 de março de 2009

Guerra na sala de aula

A obra-prima Entre os Muros da Escola mostra a batalha para ensinar numa França multirracial Isabela Boscov
Divulgação
SEM ARTIFÍCIOS Bégaudeau e seus alunos, no papel de si mesmos: a única solução é tentar

Entre os Muros da Escola (Entre les Murs, França, 2008), que estreia nesta sexta-feira no país, é uma daquelas obras fabulosas que demonstram de quanta convicção o cinema ainda pode ser capaz. O filme do diretor Laurent Cantet, ganhador do último Festival de Cannes, acompanha um ano letivo em uma escola multirracial da periferia de Paris, observando a interação entre um professor e sua classe de alunos entre 13 e 15 anos. O que emerge daí é bem mais que um retrato da adolescência. É um instantâneo riquíssimo da França atual, de uma Europa desconfortável com sua herança pós-colonial e das tribulações vividas em qualquer ponto do mundo onde afluência e exclusão se chocam – como o Brasil. Como é quase regra nos casos em que se atinge esse grau de universalidade, sua força advém de se fixar no que há de mais específico: a experiência pessoal do professor François Bégaudeau, que interpreta a si mesmo, na missão de tirar seus estudantes (também interpretando a si mesmos) da apatia ou da resistência e tentar fazer com que eles entendam quem são e que lugar podem ocupar no mundo.

Entre os Muros da Escola é uma dramatização do livro homônimo (publicado aqui pela Martins Fontes) que Bégaudeau lançou em 2006, narrando nove meses de aula – quase de batalha campal, na verdade – com uma classe de malineses, caribenhos, marroquinos, argelinos, chineses e, surpresa, até alguns franceses. Na direção tensa e sem entreatos de Cantet, Bégaudeau os provoca, seduz e briga com eles, ajudando-os a encontrar sua própria voz; e tem necessariamente de suportar que essa voz se levante contra ele, em confrontos que não raro ficam a um passo da guerra declarada. Num episódio infeliz, essa linha é cruzada: vencido pela irritação, o professor diz a duas alunas que elas estão agindo como vagabundas e provoca uma rebelião. A beleza desses enfrentamentos é que esses jovens, que na maioria nasceram na França mas com boa razão não se sentem franceses, têm a oportunidade de se testar contra uma figura de autoridade que representa tudo aquilo que eles não são e que parece vetado a eles. E o extraordinário em Bégaudeau, um homem de seus 38 anos, bonito e de voz grave, é que ele se ofende, se cansa, desanima e erra, mas é visceralmente incapaz de entregar os pontos. Como os professores idealizados pelo cinema americano, ele é alguém que acredita que uma missão essencial lhe foi confiada; mas, ao contrário deles, tem de viver no mundo real, onde os sucessos são pequenos e infrequentes e o único passe de mágica possível – mas que mágica – é não se refugiar na indiferença e continuar tentando. http://veja.abril.com.br/110309/p_137.shtml

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