sábado, 28 de março de 2009

Conhecimento Virtual

Por Neri de Paula Carneiro[1]

Que é aquilo que conhecemos? Que é aquilo que vemos? O que podemos conhecer? Aquilo que conhecemos e o que vemos é, realmente, aquilo que aprece aos nossos sentidos ou pode ser outra coisa? Esse tipo de indagação não vem a propósito de uma brincadeira filosófica, mas de uma real e séria constatação que vem sendo feita ao longo de toda a história da filosofia: trata-se do centro da própria filosofia, ou seja, o problema do conhecimento. Essa questão se arrasta desde os pré-socráticos, passando por Sócrates, Platão e Aristóteles. Ganhou novas roupas no período helenístico. Atormentou os pensadores cristãos da Patrística e da Escolástica. Incendiou as fogueiras da inquisição. Ressurgiu com o renascimento. Foi revolucionada no século das luzes. Mobilizou idealistas, racionalistas e empiristas. E, no século XX, com o auxílio das ciências, ganhou estofo acadêmico e se instalou também na pesquisa científica. Em todos esses momentos históricos o problema se manifestou como a incansável busca da verdade. A verdade que possibilita o conhecimento e manipulação da realidade. Fazendo coro a essas indagações, na primeira metade do século XX o padre Pierre Teilhard de Chardin, recoloca a questão, da filosofia para a ciência: “De uns cinqüenta anos para cá, a Crítica das Ciências o tem sobejamente demonstrado: não existe fato puro; antes toda experiência, por mais objetiva que pareça, envolve-se inevitavelmente num sistema de hipóteses, desde que o sábio procura formulá-las.” (CHARDIN, p. 19, 1986). Ou seja, permanece a questão: o que é aquilo que conhecemos? O que podemos conhecer? O que é a realidade? Como ela se manifesta aos nossos sentidos ou como nossos sentidos a percebem? A questão que se coloca, neste momento é: se até agora, depois de séculos de desenvolvimento dos processos de conhecimento, ainda não somos capazes de responder a essa questão primordial, como prosseguir agora que mais uma face do problema se manifesta? Nos últimos tempos, com a revolução tecnológica manifesta-se mais uma face do problema do conhecimento: trata-se do mundo virtual ou da informática. A indagação se justifica pelo fato de que ao lado da sabedoria popular (senso comum), do saber religioso, do saber mítico, da filosofia, e da ciência, passamos a conviver, atualmente, com o saber do universo virtual ou informacional. E se já eram multiplas as discussões agora elas se ampliam muito mais, pois todos os aspectos anteriores podem ser abordados também do ponto de vista virtual. Na atualidade, com o avanço do universo virtual, informatizado, a indagação se amplia: além da busca pela verdade do ponto de vista filosófico e científico, nos deparamos com o problema da verdade virtual. As questões que se colocam permanecem as mesmas, acrescidas da indagação sobre o que vem a ser esse universo virtual? O que é o mundo da informática? Isso, só para nos determos sobre duas questões metafísicas, deste novo universo. Mas as indagações não se esgotam nisso: nascem questões éticas e sociais, atinentes a este universo; as questões políticas relacionadas à informalidade e virtualidade. Além, é claro, das questões relativas à própria teoria do conhecimento. Realidade virtual Jornal virtual, revista virtual, garota virtual, notícia virtual, namoro virtual, sexo virtual... Mundo virtual. Vivemos num mundo em que a palavra virtual adjetiva quase todas as realidades e situações: do cotidiano das famílias às decisões políticas; do mundo dos negócios ao mundo dos brinquedos estamos nos deparando, o tempo todo, com algo que é virtual. É como se a cada realidade material pudéssemos acrescentar seu correspondente virtual. Portanto já está na hora de sabermos o que é isso que chamamos de virtual? Se fizermos um passeio pela internet encontraremos inúmeras páginas e definições para virtual. Renato R. Souza afirma que somente numa busca podem aparecer milhões de referências. Diz ele que virtual “é um dos termos mais usados, para a descrição de construções e organizações da alta modernidade. Para exemplificar, uma consulta no mecanismo de busca AltaVista por virtual ou virtualidade nos traz mais de trinta e seis milhões de ocorrências” (SOUZA, 2008). O autor, no mesmo artigo, após fazer várias considerações propõe que, entre outras acepções, pode-se entender o virtual como sendo aquilo que é “Mediado ou potencializado pela tecnologia; produto da externalização de construções mentais em espaços de interação cibernéticos”. Quer dizer, estamos no mundo da informática. Do ponto de vista filosófico, isso ainda não é suficiente. Um passo a mais pode ser dado quando analisamos a palavra a partir de sua etimologia: essa é uma palavra de origina latina: virtus: força, poder... Força relaciona-se com uma capacidade mobilizadora ou realizadora; a realidade que tem força não depende de outro, mas age por si; realiza o que lhe convém. Uma semente, por exemplo, possui uma força interna que, conjugada a outras forças, produz a árvore. O poder relaciona-se com a capacidade de interferência. Podemos dizer que aquele (aquilo) que tem poder tem capacidade de interferir ou agir sobre outro (coisa ou pessoa). Um pai tem poderes sobre um filho, podendo, pois, interferir em seu processo educacional. Virtus também se relaciona com virtude o que nos leva para as proximidades da moral: a virtude pode ser entendida como aquela força interior que mobiliza as pessoas na prática de ação socialmente aceita. A virtude se contrapõe à ausência de uma qualidade específica que aproxima o virtuoso do justo e aquele sem virtude do fraco ou mau caráter. Com Aristóteles foram criadas as categorias de Ato e Potência onde o que é pode vir a ser algo diferente. Daí provém uma outra concepção de Virtual. Assim como a potência aristotélica, o virtual é aquilo que pode vir a ser, contrapondo-se à realidade em ato; àquilo que é algo naquele momento. Notemos que nesta concepção estão presentes outras categorias: o tempo e o movimento. O tempo joga com o agora, com o atual em oposição ao depois potencial, que se volta para o futuro, virtual. Mas também está presente a idéia de força, pois o que é, podendo transformar-se em algo diferente, para o quê tem potência, depende, para realizar esse movimento de transformação, da força que lhe confere capacidade para vir a ser. Assim o que é, é virtualmente algo diferente daquilo que pode vir a ser. Essa forma de concepção da realidade virtual se aproxima daquilo que diz Lévy: "o virtual não se opõe ao real, mas sim ao actual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objecto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a actualização." (LÉVY, 1996, p.16). E o autor continua, dizendo que a "A virtualização pode ser definida como o movimento inverso da actualização. Consiste em uma passagem do actual ao virtual, em uma 'elevação à potência' da entidade considerada.” (LÉVY, 1996, p.17). Ou seja, permanecemos na discussão entre o que é e o que pode vir a ser. Essa concepção, entretanto não esgota e nem dirime a duvida sobre a virtualidade de uma realidade virtual. Assim sendo, podemos colocar a realidade virtual ao lado de outras realidades, como a realidade concreta, sobre a qual temos contato e conhecimento imediato. Mantemos um primeiro contato, e iniciamos o conhecimento, de uma realidade concreta quando a olharmos ou a tocarmos. Nesse momento adquirimos uma primeira noção sobre essa realidade. Uma cadeira, um computador, uma luminária, são realidades concretas. Realidade abstrata pode ser vista como aquelas sobre as quais nos acostumamos a dizer que “sabemos o que é, mas não podemos tocar”. Podem até nos tocar, mas nós não as tocamos. Um sentimento de amizade ou o amor podem ser mencionados como exemplo de realidade abstrata. Realidade imaginária é aquela que só existe na imaginação. Não tem existência nem física, concreta, nem abstrata, em nível de sentimento. A realidade imaginária pode ser exemplificada pela literatura, pelo cinema. Cada um dos personagens de um filme são entidades imaginárias. Com a realidade imaginária não há possibilidade de interação. Posso assistir a um filme, ler um romance, imaginar os personagens recriando-os em minha consciência, mas não posso alterá-los, pois deixariam de ser aquele personagem ou aquela cena. O fato é que a realidade imaginária se assemelha à realidade virtual. Com a diferença de que a imaginária depende apenas da mente humana ao passo que a realidade virtual pode ser mediatizada por instrumentos ou equipamentos. A imagem que vejo na tela do meu computador é um exemplo de realidade virtual, pois a estou vendo, ela se me apresenta, mas somente existe na mediação do equipamento; não tem existência própria ou em si mesma. Caso possua os conhecimentos ou equipamentos necessários posso, se assim achar conveniente, interagir com a realidade ou com o mundo virtual. A realidade virtual existe para permitir a interação; essa possibilidade não existe em relação à realidade imaginária, pois havendo interação, ocorre alteração e já não se trataria mais da mesma realidade. Sendo assim, à pergunta sobre o que é a realidade virtual podemos responder que ela se manifesta por meio de algo. Ela pode vir a ser concreta, se eu imprimir a imagem de minha tela de computador, por exemplo. Mas, nesse momento a realidade virtual passa a ser concreta. O virtual se concretiza, mas permanece virtual, pois continua à minha disposição, em minha tela... Informática, o que é isso? Esta é outra palavra que circula no “universo virtual”. Ela é usada tanto como substantivo como na adjetivação de outras: “a informática como solução”, “aulas de informática”, “empresa informatizada”, “educação para a era da informática”, são algumas das variantes em que a palavra é utilizada. Também aqui a compreensão da palavra gera indagações: o que é isso que se chama de informática? Assim como na utilização da palavra “digital” o senso comum diz (sem se dar conta de que digitus, em latim, significa dedo) que se trata de algo que “tem a ver com computação”, a palavra “informática”, para o senso comum também se trata de algo relacionado com computadores. Se para “digital” a explicação do senso comum é a afirmação de uma realidade que se manifesta por meio do computador, a informática, para o senso comum, se refere à utilização do computador. Dessa forma é que se entendem expressões como: “loja informatizada”, dizendo ser aquela que utiliza computadores em suas operações. Mas só isso explica tudo? Parece que não. Sendo assim, aqui também, podemos nos socorrer da etimologia da palavra. Informática: “in”; “forma”. O prefixo “in” refere-se a algo que está sendo direcionado para dentro. A palavra “forma” já é bem mais conhecida. Qualquer dona de casa tem pelo menos uma forma de assar bolo, em sua cozinha. E é neste ponto que se manifesta o problema da informática. Vamos observar uma dona de casa. O que ela faz com sua forma de bolo? Bolo, evidentemente. Mas a resposta não é só isso. Antes do bolo, ela prepara a massa. E a massa se amolda a qualquer recipiente. A massa é livre para assumir qualquer modelo. Ela não tem modelo pré-definido, mas amolda-se. A massa é tão maleável que se adequa às mais diversas circunstâncias, ou às diferentes formas. Entretanto, uma vez enformada e levada ao forno a massa deixa de ser massa e se trans-forma em bolo. Deixa de ser livre para receber a fixidez da forma em que foi assada. Perde seu formato “informe” para a forma em que foi assada. A partir dessa comparação podemos dizer que a forma mata a liberdade da massa. A informática, consequentemente, pode ser vista como uma organização que estabelece padrões fixos; introduz modelos prontos a serem copiados e seguidos. A informática, portanto, não é abertura de possibilidades, mas adequação àquilo que está estabelecido pela forma em que se está introduzindo algo. Na chamada “enciclopédia livre” a Wikipédia (2008), lemos que:

“O termo informática, sendo dicionarizado com o mesmo significado amplo nos dois lados do Atlântico, assume em Portugal o sentido sinónimo de ciência da computação enquanto que no Brasil é habitualmente usado para referir especificamente o processo de tratamento da informação por meio de máquinas eletrônicas definidas como computadores”.

Por sua vez Willrich (2000) afirma que o computador é apenas um instrumento, e que o processo de manipulação das informações, por meio do computador, é o que se pode entender como informática. Diz o autor que: “A Informática engloba toda atividade relacionada ao desenvolvimento e uso dos computadores que permitam aprimorar e automatizar tarefas em qualquer área de atuação da sociedade. Podemos definir a informática como a ‘ciência do tratamento automático das informações’. Muito mais que visar simplesmente a programação de computadores para executar tarefas específicas, a informática estuda a estrutura e o tratamento das informações sob suas mais variadas formas: números, textos, gráficos, imagens, sons, etc.” (Willrich, 2000) Isso confirma o que havíamos falado: a informática está associada à idéia de instrumentos que facilitam o manuseio de informações. Não se trata de canal de libertação, mas de estabelecimento de padrões determinados. Podemos dizer que, se por um lado a idéia da virtualidade nos lança para a amplidão das possibilidades, a informática, por outro, nos vincula aos meios pré-estabelecidos. Podemos dizer mais. Na atualidade e na forma como se entendem essas duas concepções de informação – virtual e informacional – verificamos que o universo virtual depende da informática. Sendo que a informática se desenvolve a partir de elementos pré-fixados, o que na linguagem do senso comum foi batizado de “programa de computador” ou o “software”, concluímos que o universo virtual, que pode ser desenvolvido no mundo da informática, é aquele universo estabelecido dentro dos limites de um programa específico. Abre possibilidades, sim; e enormes. Mas essas possibilidades não ultrapassam os limites do programa que se está usando. O que podemos dizer, portanto é que as informações estão à disposição de quantos dela queiram se apropriar: Digitalizadas, virtuais, informatizadas, acessíveis mediante os computadores e na grande rede... Estão por aí. Foram produzidas e disponibilizadas. E, como tal, as informações são virtuais, pois não têm uma existência concreta e palpável à nossa frente. Mas podem ser “acessadas”. De que necessitamos, para nos apropriarmos delas? De inúmeras ferramentas, entre elas as ferramentas da informática. E se bem nos utilizarmos das informações, podemos não só usufruir delas como fazermos uso de recursos de que dispusermos para produzir novos conhecimentos. Referências CHARDIN, P. Teilhard. O fenômeno humano. São Paulo: Cultrix, 1986 LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996. SOUZA, Renato Rocha O que é, realmente, o virtual. Disponível em acessado em 26/06/2008. WIKIPÉDIA. Informática, disponível em acessado em 22/06/2008 WILLRICH, Roberto INE5602 Introdução à Informática. Florianópolis: UFSC, Depto. de Informática e de Estatística, Curso de Graduação em Sistemas de Informação. 2000. Disponível em > acessado em 26/06/2008 -------------------------------------------------------------------------------- * artigo elaborado como material complementar às aulas de Filosofia, para o primeiro e terceiro períodos do curso de Sistema de Informação da FAP – Pimenta Bueno, durante o primeiro semestre de 2008. Publicado nos sites www.webartigos.com e www.artigonal.com [1] Mestre em Educação pela UFMS. Especialista em Educação; Especialista em Didática do Ensino Superior; Especialista em Teologia; Professor de História e Filosofia na rede estadual, em Rolim de Moura – RO. Filósofo; Teólogo; Historiador; Professor de Filosofia e Ética na Faculdade de Pimenta Bueno (FAP). Jornalista e produtor e apresentador de programa radiofônico.

Um comentário:

luis lourenço disse...

Um trabalho muito util para estudantes de filosofia...

cumprimentos

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